Tuesday, 23 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

O besouro voa

RBS

Gilmar Antonio Crestani (*)

Em dezembro de 2001 o jornalista, escritor e filósofo, não necessariamente nesta ordem, Nivaldo T. Manzano, ex-Gazeta Mercantil, esteve em Porto Alegre. Tentava entender as leis da aerodinâmica que permitem à principal filiada da Rede Globo, a Rede Brasil Sul de Comunicações, mais conhecida por RBS, contra todas as evidências, continuar voando. Debruçou-se diante de dossiês e balancetes. Entrevistou gerentes de bancos e jornalistas. O texto acabou vindo à luz, sem veículo certo, e circula pela internet em alta velocidade. Eu já devo ter recebido pelos menos umas 10 vezes. Inclusive, o título do artigo da edição passada deste Observatório, "O partido pró-Sirotsky", foi tirado do texto do Nivaldo.

Na essência, o texto que circula pela internet mostra a diferença entre balanço financeiro e balanço social. A RBS apresenta o último ao público e esconde o primeiro, pelo qual os bancos têm um real interesse na hora de conceder empréstimos.

A informação de que a RBS possuía empresa em paraísos fiscais, mais precisamente nas Ilhas Caymán, e que estava em falência iminente, apareceu durante a CPI que a RBS cobria com particular interesse na Assembléia Legislativa gaúcha, dado o grau de ódio que nutre pelo secretário de Segurança, José Paulo Bisol (que havia processado a RBS por matérias difamatórias publicadas durante a campanha em que concorria a vice-presidente de Lula, contra Collor; fez acordo com a RBS em que levou R$ 1,1 milhão, sem contar os honorários advocatícios). Se não era verdade, como a empresa fez questão de afirmar em nota plantada em seu próprio jornal, que estava em processo de falência em decorrência do corte de publicidade patrocinado pelo atual governo do estado, em comparação ao anterior, não o negava, posto que reputa legal a existência de uma empresa nas Ilhas Caymán. Como costuma escrever nos seus editoriais, "pode ser legal, mas não é ético"!

Uma charge do multipremiado Santiago, publicada no extinto Coojornal, experiência de belíssima trajetória que também já se foi pros anais do jornalismo, põe um pouco de luz na relação da RBS com seus jornalistas. Na charge, um empresário dizia ao jornalista: "Põe aí na sua coluna: nós, os jornalistas independentes…"

Estragos da publicidade

Como a mídia não só não trata de si mesma como "desestimula" seus colunistas de o fazerem, resta-nos o Observatório da Imprensa. É aqui que encontramos indícios e coincidências, análises e conclusões. Nos veículos das empresas de comunicação só podemos intuir pelos desmentidos. Por exemplo, nenhum jornal de Porto Alegre noticiou a aplicação da multa de R$ 100 milhões (é, cem milhões, gente, quase a mesma quantia que foi desviada do DNER!) por falta de recolhimentos de impostos. Mas o jornal Zero Hora informou que a empresa havia recorrido da notificação! Aí está. Somando as informações de funcionários da RBS, conversas de bares com jornalistas, a edição n? 148, de 21/11/2001, já havia apontado as dificuldades financeiras de que multa de E$ 100 milhões torna a informação inconteste.

Não é segredo o encontro dos capos das famiglias que comandam as empresas de comunicação com o sociólogo Cardoso, no Planalto. Estava em jogo a liberação da entrada de capital externo nas tais concessões públicas de comunicação. O governo federal, ao melhor estilo Sarney, que, pelas mãos do ministro Antônio Carlos Magalhães ? ministro das Concessões, quando deveria ser das Comunicações ?, conseguiu mais um ano de governo, fez aprovar a liberação num piscar de olhos. Matérias que tramitam no Congresso há anos lá continuam, como as saudosas e sempre lembradas reformas Política e Tributária. Aí talvez repousa o real motivo pelo qual a RBS, por exemplo, não faz qualquer crítica ao governo federal. Apenas publica pequenos álibis, como quem diz que não esconde informação.

Sendo um veículo de comunicação, portanto, de concessão pública, a informação de que está em débito com tributos não a impediria de continuar recebendo anúncios do poder público? Mais, se não recolhe os impostos devidos não seria o caso de se cassar a concessão e permitir que grupos com mais capacidade administrativa passem a operar em lugar dos inadimplentes?

No artigo anterior, mencionei, em tom de ironia, a acusação do editorialista da revista Press a respeito das pressões econômicas, consubstanciadas em cortes da "verba de publicidade governamental". Mostrei que não era só a publicidade governamental, também a privada faz seus estragos, como o caso da Enron veio provar à imprensa americana.

Dúvida intrigante

Começa a fechar a informação de que o corte de verbas publicitárias, a partir do governo Olívio, que na administração anterior estava concentrada no Grupo RBS, contribuiu para a débâcle financeira do grupo. Somem-se o desastre no consórcio com a Telefônica, para aquisição do controle da CRT, a venda de empresas do grupo, a audiência para liberação da entrada de capital externo e a multa aplicada pela Receita Federal. Afinal, as premissas conduzem ou não à tese da falência do grupo? Bem, mas o capital externo foi liberado… Já chegou?!

Pode-se arriscar um palpite sobre por que o besouro ainda voa. Se não há almoço grátis, também não há propaganda grátis. O que seria, por exemplo, daquele programa da Globo que tenta concorrer com o SBT, cuja nome parece sigla bancária, BB, se não fossem as propagandas que a RBS faz inserir na programação de todos os seus veículos? O aporte financeiro pode surgir de qualquer lugar, mas alguns interesses são mais evidentes. Esse truque de levitação se explica pelos liames que a prendem a algo superior, como a Globo, por exemplo.

Caetano Veloso estava certo quando, na letra Rock’n Raul, disse que "a verdadeira Bahia é o Rio Grande do Sul". A transferência da Ford, do Rio Grande para a Bahia, com a ajuda do "S", do BNDES, talvez seja a prova mais evidente da conclusão do músico baiano. O coronelismo eletrônico, contudo, me parece mais apropriado.

A dúvida levantada por Nivaldo continua intrigando. Pelo menos até agora o besouro, que pelas leis da aerodinâmica não teria condições de voar, continua voando…

(*) Funcionário público federal

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