Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

O colunista e o Ministério Público

Luís Nassif – "Conhecia dona Ana Lúcia devido a denúncias dela contra juízes que libertavam traficantes. Cheguei a dar espaço em uma newsletter jurídica que eu tinha. Aí dona Ana Lúcia julgou que a imagem do MP estava sendo muito afetada por minhas críticas e propôs uma reunião em São Paulo com a Associação Nacional dos Procuradores da República para discutir as formas do MP se relacionar com a imprensa. Não fui convidado, obviamente. Dias depois um procurador me telefonou para informar que o resultado da reunião tinha sido o de não responder publicamente às minhas críticas, mas me enfrentar no território do MP – isto é, levantando possibilidades de me processar. O procurador se dizia envergonhado dessa atitude. Publiquei essa história na época. Tempos depois, assisto a um programa de TV onde dona Ana Lúcia defendia a mesma posição em relação à prisão de Chico Lopes e à invasão de sua casa [a denominada invasão foi uma diligência de busca e apreensão, sob ordem judicial – D.M.F]. No programa estava um deputado petista, Paulo Delgado, defendendo posições muito mais democráticas e dizendo que, por conta de pensamentos como o de dona Ana Lúcia, seu pai, juiz, havia sido preso pelo regime militar e sua casa invadida. No programa, e para mim, o deputado afirmou que, em manifestações como as de dona Ana Lúcia, ele via nítidos os princípios que norteavam a psicologia de massa do fascismo. Dona Ana Lúcia pensa que defende os pobres. Eles são apenas álibis para ela tentar se conferir um poder que nem a Constituição, nem o povo, lhe outorgaram. Ainda bem que o MP é composto também de pessoas ponderadas que pretendem um MP respeitado, não um MP que impõe terror. Deus me livre uma pessoa dessa dotada de um poder ilimitado. Prefiro ela no meu aniversário, jogando conversa fora, do que recorrendo a uma retórica dessa, sem nenhum limite, lançando insinuações sobre minha conduta só para fazer impor seu ponto de vista. Se eu fosse atuar com seu (e de muitos colegas meus) método de apresentar versões, diria que dona Ana Lúcia foi vista em um bar suspeito da rua Abílio Soares (da minha irmã, saliente-se), no aniversário de um jornalista suspeito de pertencer ao esquema de Luiz Estevão."

17 de Julho de 2000 14:45

"Prezada dra. Ieda,

1) Minhas críticas contra o MP foram anteriores à reunião. Na ocasião manifestava dois receios. O primeiro, o MP ficar dividido entre dois grupos, o dos oficialistas e dos chamados xiitas. A segunda, quanto à falta de acompanhamento dos processos. O dr. Aristides descobriu o caminho das manchetes, mas a procuradoria ficava atulhada de processos que não eram encaminhados ao STF.

2) Meu papel de jornalista é levantar denúncias e até correr o risco de processos. Não é meu papel encaminhar denúncias ao MP. O que tenho de fazer, faço pela imprensa, correndo o risco do processo. Depois, com base nas denúncias, fica-se esperando que o MP faça a sua parte, que é levantar as provas para as evidências apresentadas.

3) Minha posição não é contra a instituição, mas contra exageros cometidos e contra a unanimidade da imprensa. Nos artigos que escrevi em 1994 sobre o MP, sempre defendi a autonomia completa, mas com responsabilização para evitar um poder ilimitado.

4) Em todos os momentos da minha carreira, sempre procurei evitar temas redundantes. Tipo, se a imprensa inteira se indigna cm determinado episódio, eu não entro nessa, primeiro porque acho demagogia se mostrar indignado em torneio de “quem fica mais indignado”; segundo, porque considero que o tema está suficientemente atendido. Recentemente, um leitor me escreveu (a propósito do caso Luiz Estevão) porque eu nãome indignava com a prisão estúpida do lavrador que raspou uma árviore. Simples: porque todo mundo se indignou e o caso já estava atendido. Quando enfrentei a turba no caso Escola Base foi porque ninguém, da mídia, se aventurava a ir contra a primeira onda. Agora, sempre que as injustiças envolvem os humildes não há mais necessidade de entrar: a mídia inteira entra. Agora, há um populismo extrardinário, onde toda mídia se cala quando há desrespeito a direitos de qualquer pessoa que não seja o humilde. Aliás, não apenas se cala como vende jornal em cima de cada episódio. É aí que eu entro, para tentar, dentro de minhas limitações, passar noções básicos de respeito aos direitos individuais.

5) Mas a senhora está coberta de razão nesse ponto. O fato de jogar sempre contra a maioria, e o fato da maioria hoje apoiar o MP, me leva a criticar o MP parecendo que estou contra. Se a pressão da maioria fosse para tirar as prerrogativas do MP, pode ter certeza de que estaria defendendo-o. Como o leitor não sabe dessas coisas (porque minhas colunas não vêm acompanhadas de bula) fica a impressão que a senhora me transmiti.

6) Mas de uma coisa a senhora pode estar certa. Tanto na minha profissão quando na sua, o pessoal que faz mais barulho, que faz mais escândalo, em geral são os mais preguiçosos para levar os temas adiante e dar consistência às suas denúncias.
Atenciosamente, Luís Nassif

PS – Já tinha me despedido do grupo de discussão e reitero a despedida. A discussão me é sumamente agradável e esclarecedora – ainda mais para quem aprecia a boa polêmica como eu – mas no meio da semana não consigo tempo nem para curtir minhas filhas.

Obrigado a todos pela atenção e paciência."

(*) Procurador da República em São Paulo

Volta ao índice

Jornal de Debates – próximo texto