Saturday, 20 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

O contexto de uma "barriga"

LEITURAS DE VEJA

Romerito Aquino (*)

"Não sei o que dizer…" Foi o que restou ao repórter da revista Veja Leonardo Coutinho ao ser confrontado pela afirmação dada pelo coordenador do Programa de Monitoramento Ambiental da Amazônia, do Inpe, Dalton Valeriano, de que era impossível, com as imagens de satélites disponibilizadas pelo instituto, calcular o índice de desmatamento do Acre no ano passado.

Não se pode afirmar ao certo quais foram as reais intenções do repórter de Veja ao manipular dados e informações oficiais para atacar o Acre e o governo do estado. Mas uma coisa ficou clara em sua intenção de transformar o estado, considerado pelo próprio Inpe como um dos menos desmatados da Amazônia, num dos mais devastados da região.

O repórter de Veja se prestou a fazer, sim, o jogo de parte da elite política perversa que ainda domina a maioria dos estados amazônicos. Essa é a mesma elite cujos tentáculos remontam aos bons tempos da velha política de "selva arrasada", que vem se praticando há décadas na Amazônia. Uma política, diga-se, propalada e fortemente apoiada pelos últimos governos centrais do país. Não vai muito longe o tempo em que os "coronéis de barranco" ? como passaram a ser chamados os que davam e continuam dando as cartas em vários cenários políticos amazônicos ? recebiam dos cofres federais montanhas de dinheiro que faziam a grande festa do apadrinhamento e da corrupção regional e local.

Elites perversas

Repassada para a região por meio de programas regionais como os de pecuária, pela Sudam; de Produção de Borracha (Probor), pela antiga Sudhevea (hoje Ibama); ou, mais recentemente, os programas de incentivo fiscal, pela Suframa, a dinheirama federal, quando não servia apenas para derrubar a floresta para "plantar boi" ou explorar minas de ouro, era quase toda desviada novamente para o Sul do país para aplicações no mercado financeiro.

E por que essa mesma elite, matreira e corrupta, escolhe justamente o Acre para desmoralizar por intermédio de uma revista de circulação nacional, como Veja?

O cenário em que o Acre está inserido no contexto da atual política nacional explica as novas intenções dos hoje já considerados "modernos" coronéis de barranco. O estado é liderado pelos petistas Jorge Viana, Marina Silva, Tião Viana, Nilson Mourão e outros, que têm uma estreita e longa relação com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O presidente não só admira e respeita o que fazem seus correligionários acreanos, como tem laços históricos com a luta dos povos tradicionais do estado ? índios, seringueiros, ribeirinhos, pequenos agricultores ? pela exploração sustentável da floresta que é considerada hoje, nos quatro cantos do mundo, como a mais rica do planeta.

A elite devastadora, que se espalha hoje principalmente pelos estados de Rondônia, Mato Grosso e Pará, estado onde mora o repórter da Veja e foi medida pelo Inpe como a mais devastada da Amazônia, sabe que não foi à toa que Lula escolheu o Acre para lançar as bases do plano de desenvolvimento sustentável que pretende aplicar na região nos próximos anos. E que tal plano está alicerçado, justamente, na ideologia verde e nos projetos e ações sustentáveis que vêm sendo tocados pelos petistas acreanos, que já contam com a simpatia internacional desde que Chico Mendes denunciou ao mundo o que as também perversas elites internacionais queriam fazer da Amazônia brasileira.

Mentira nacional

Da mesma forma, a velha e corrupta elite da selva arrasada também sabe que, ao lançar o Programa Amazônia Sustentável nas próximas semanas, em Macapá, o presidente Lula pode estar sepultando de vez a infinitude de maracutaias que ela costumava comandar na Sudam e na Suframa, órgãos que viraram escândalos nacionais por só aquinhoarem quem invariavelmente lia pela cartilha da corrupção e do desvio de dinheiro público.

A surrada elite nortista sabe ainda que os primeiros passos da mudança já foram dados na região a partir da nova filosofia de ação que se quer imprimir tanto na nova Sudam quanto na velha Suframa ? que, mais democráticas e enxutas, podem ser, junto com o Banco da Amazônia, os propulsores do desenvolvimento sustentável da Amazônia. Ou seja, do desenvolvimento que pressupõe, antes de tudo, a geração de trabalho e renda a partir da exploração racional das inúmeras riquezas existentes na floresta.

Vale registrar que o presidente Lula já disse que acabou o tempo da maldade e da perversidade de só se usar dinheiro do contribuinte para, na Amazônia, instalar fazendas de gado, de soja e de outras monoculturas ? que além de devastarem os preciosos e singulares ecossistemas da região, só serviram para explorar, maltratar e expulsar, para as periferias das cidades da região, milhares de índios, seringueiros e outros trabalhadores extrativistas.

Um pouco disso tudo, afinal, serve para explicar por que o Acre foi o escolhido para se pregar uma grande mentira nacional contra a Amazônia e o seu povo. Sob os auspícios da revista Veja.

(*) Jornalista, correspondente em Brasília do jornal Página 20 <www.pagina20.com.br>