Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

O coro da Barão de Limeira

FOLHA vs. LULA

Luiz Antonio Magalhães

O diretor de Redação da Folha de S. Paulo e filho do dono do jornal, Otavio Frias Filho, bem que avisou. Na quinta-feira (24/10), três dias antes de Luiz Inácio Lula da Silva se tornar pela vontade das urnas o novo presidente brasileiro, Frias Filho escreveu em sua coluna semanal que o jornalismo tem a função de "desafinar o coro dos contentes".

Os editores do jornal parecem ter entendido bem o recado do chefe. Com a confirmação da chegada ao poder do Partido dos Trabalhadores, a Folha saiu a campo para mostrar aos novos poderosos que eles não terão refresco daqui para frente. Pelo menos não com o pessoal da Barão de Limeira.

Na edição de segunda-feira (28/10), Lula teve seu dia de glória em todos os jornais brasileiros e a Folha até deu uma trégua rápida. Na terça (29/10), porém, o diário paulista começou um festival de baboseiras como há muito não se via. Neste dia, o jornal abriu uma página nobre, no primeiro caderno, com matéria intitulada "Primeiro dia de Lula eleito custa 94,2 mil". Os dois primeiros parágrafos do texto, assinado por Gabriela Athias, são exemplo acabado do estilo Folha de "desafinar o coro dos contentes":


"As primeiras 24 horas de Luiz Inácio Lula da Silva como presidente eleito custaram ao PT pelo menos R$ 94,2 mil. O dinheiro foi gasto com hospedagem (R$ 32.200), aluguel de helicóptero (R$ 2.000) e a festa da avenida Paulista (R$ 60.000).

Os ternos italianos, as barbas impecáveis e os bem cortados terninhos femininos, que, esteticamente, consagraram o estilo ?PT light? nessa eleição também chegaram ao quesito hospedagem. Entre domingo à tarde e ontem de manhã o partido hospedou os Lula da Silva no cinco estrelas Gran Meliá. Os convidados de outros Estados ficaram no Intercontinental (centro), com igual número de estrelas. Deveriam sair ontem à noite."


Sobre este primeiro exemplo, cabem alguns comentários:

1. Legalmente, não há nada de errado no dinheiro gasto por Lula e pelo PT. As contas das despesas do candidato serão apresentadas à justiça eleitoral, a quem cabe fiscalizar se o que o partido declarou ter arrecadado bate com o que foi gasto na campanha. O dinheiro gasto pelo PT só será um problema público se houver alguma irregularidade na sua prestação de contas. Ou seja, a pauta da Folha começou mal, pois simplesmente não tinha razão de ser.

2. O jornal repete a mais antiga tática usada para criticar Lula, que o persegue desde o início de sua carreira política: o falso moralismo. Ao lembrar que o padrão de hospedagem petista agora é condizente com "os ternos italianos e as barbas impecáveis" apresentados pelo petista nesta campanha, a Folha faz o que todo reacionário já fez alguma vez na vida: cobrar de Lula e do PT que se comportem como os pobres e os despossuídos que eles defendem. Assim, "é um acinte" que Lula beba vinhos franceses, vista ternos italianos, use barba bem feita ou durma em hotéis caros. Para a Folha, pelo visto, o presidente eleito faria melhor se tomasse Sangue de Boi, vestisse macacão e dormisse em qualquer espelunca da baixa Augusta.

Manual empoeirado

Na mesma edição, outro título chamava atenção: "Lula terá de passar vergonha, diz Mendonça". O Mendonça em questão é o ex-ministro das Comunicações, Luiz Carlos Mendonça de Barros, que, a julgar por sua atrapalhada passagem pelo governo Fernando Henrique, certamente sabe do que está falando. Para quem não lembra, Mendonção foi enxotado do ministério após o escândalo das conversas sobre a privatização da Companhia Vale do Rio Doce, episódio até hoje muito mal explicado.

No dia seguinte (quarta-feira, 30/10), a Folha bem que tentou "elevar o nível" na sua tentativa de desafinar ao coro dos contentes. Dá até para imaginar os editores na reunião de pauta, vaticinando que "essa esquerda do PT ainda vai acabar com o governo Lula". A brilhante idéia virou uma reportagem, destacada também como abre de página e com um sombrio aviso ao novo presidente como título "Esquerda petista se reúne e articula pressão a Lula".

A linha-fina, como se diz no jargão jornalístico, não foi das mais felizes: "Grupo de três deputados defende rompimento com o FMI e não-assinatura da Alca". Sim, o número é esse mesmo: três deputados (Luciana Genro, Lindberg Farias e Luiz Eduardo Greenhalgh), dos quais apenas um (Lindberg) falou à Folha. Se não bastasse a pequena expressão numérica dos envolvidos, até mesmo a linha fina da matéria está errada: apenas Lindberg defendeu o rompimento com o FMI, como se pode ler na reportagem. Os outros dois parlamentares não se pronunciaram a este respeito. A nota oficial dos participantes da reunião também não diz nada sobre rompimento com o Fundo e foi classificada pelo repórter da própria Folha como "branda".

Voltando à tese de Otavio Frias Filho, é salutar (e um tanto óbvio) que a imprensa tome para si a função de "desafinar o coro dos contentes", ainda que boa parte dela ? Grupo Folha incluso ? tenha por muito tempo integrado o próprio coro. Mas águas passadas não movem moinhos: Lula e seu governo devem ser tratados com todo o rigor. Para tanto, é preciso investir em pautas relevantes, ter equilíbrio na edição e, sobretudo, ética na apuração. Não é tão difícil assim: está tudo no Manual de Redação da Folha. A menos que o governo Lula mereça um novo verbete na próxima edição.