Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

O Correio, de Hipólito a Cabral

RORIZ vs. CORREIO BRAZILIENSE

Zélia Leal Adghirni (*)

Em um país sem tradição democrática como o nosso (do coronelismo eleitoral aos golpes de Estado abertos ou sutis), muitos governantes acham normal que a mídia seja um serviço de reverência ao poder. Muitos políticos que ocupam altos cargos na hierarquia das instituições, ainda que eleitos pelo povo, servem-se do mandato para fazer prevalecer suas idéias pela força. Uma força que não reside necessariamente nas armas mas num jogo de poder simbólico. Tentar calar um jornal acusando-o de delito de opinião é forma de violência simbólica comumente usada pelos ditadores.

Numa democracia, a questão ética central entre mídia e poder é a convivência cidadã. As instituições de poder são ainda a principal fonte de notícias e, portanto, precisam conviver com a mídia, o parceiro primordial para se legitimarem socialmente. Antes, durante e após as eleições.

Sempre que a batalha entre imprensa e políticos for conduzida com dignidade, a democracia se tornará mais saudável. Os políticos alegam que os jornalistas, por não serem eleitos, exercem o poder sem responsabilidade. Mas é preciso lembrar que os jornalistas são tão responsáveis perante o público quanto os políticos, pois, se o político tem o mandato do eleitor, o jornalista tem o mandato do leitor.

A história da liberdade de expressão é longo percurso na evolução da humanidade. Desde os homens das cavernas, os indivíduos e os grupos procuram se comunicar. Nossos valores contemporâneos de liberdade têm suas origens na "filosofia das luzes??. É pela razão que os homens podem se emancipar. Tolher o fluxo da informação e da comunicação com ameaças veladas ou discursos públicos explícitos é negar essa conquista da civilização.

Sem restrições nem chantagens

No momento em que a liberdade de opinião e de expressão, direito adquirido pela Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (26 de agosto de 1789 ? Revolução Francesa) e consolidado 150 anos depois pelo artigo 19 da Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU (1948), é ameaçada pelo poder vigente de um governo local, somos obrigados a nos sentir recuar no tempo.

Estamos no Brasil colonial, em 1808. Fazer um jornal aqui é um risco, uma temeridade. Mas é também um dever dos cidadãos conscientes, como Hipólito da Costa, que funda em Londres, no exílio, o primeiro jornal brasileiro: o Correio Braziliense. Juarez Bahia escreve que o Correio dispara sua artilharia contra a violência da polícia política (leia-se violência e morte contra grevistas em 2000); os atos discricionários da administração colonial (leia-se maracutaias e propinas da administração local); e a conspiração dos poderosos para reduzir ao silêncio as idéias liberais e democráticas (leia-se hoje entraves e obstáculos ao exercício profissional dos jornalistas do Correio em atividades do GDF).

Diz ainda Juarez Bahia: Hipólito da Costa luta no Correio Braziliense por princípios liberais e democráticos, contra as práticas obscurantistas e despóticas. Defende mudanças substanciais no sistema político-administrativo, econômico e social. Quer a emancipação de seu país, não por métodos violentos mas por meios legais.

Quer a história que no início do terceiro milênio, dentro de uma democracia conquistada a duras penas pela sociedade brasileira, o Correio Braziliense de hoje sofra perseguições como o Correio Braziliense de Hipólito da Costa. Mas os tempos mudaram. Quer isso agrade ou não aos poderosos, o jornal precisa continuar a fazer seu trabalho. Liberdade de imprensa significa coletar informações sem qualquer restrição, valer-se das habilidades profissionais para transformá-las em matérias e divulgar o resultado do trabalho para o público. Sem restrições nem chantagens. Isso é uma garantia constitucional que o Correio, como qualquer jornal no Brasil, tem o direito de usufruir. Quem quer que seja o governador. Esse é o papel da imprensa. Aliás, os americanos têm uma fórmula claríssima para sintetizar o papel da imprensa na sociedade: satisfazer os aflitos e afligir os satisfeitos. É isso que o Correio Braziliense deve continuar fazendo.

(*) Professora da Faculdade de Comunicação da UnB, coordenadora do GT de Estudos de Jornalismo da Compós e integrante da direção do Sindicato dos Jornalistas do DF