Tuesday, 16 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1283

O desejo como mercadoria

PROPAGANDA ENGANOSA

Vera Silva (*)

A propaganda aproveita as datas comemorativas, assim como aproveita o desejo sexual, o desejo de poder e o desejo de seduzir, para vender o produto do cliente. Isto é uma tradição do marketing mundial.

No Natal e no Ano Novo, principalmente na TV, o marketing tenta convencer o receptor que o seu produto é o próprio espírito de Natal. Grandes anunciantes receberam prêmios pelo sucesso em fazer esta associação. Mas, em geral, os grandes anunciantes evitavam associar diretamente comprar com Natal, preferindo fazer seus anúncios como se fossem cartões de Natal coletivos, buscando a simpatia dos usuários: lembram-se dos antigos anúncios da Varig, da Sadia, da Perdigão etc?

Neste Natal, os anunciantes deixaram cair a máscara: "Quem acredita em espírito de Natal? Só bobo. Nós acreditamos no espírito do consumo!" As grandes empresas adotaram o Natal sem fome e estão garantindo para si um Natal bem cheio de reais, deixando as migalhas da mesa farta às famílias famintas. Isto me chamou a atenção nestes dias, vendo TV. As propagandas ou destroem a fantasia dos pequeninos em Papai Noel, ridicularizando-o, ou associam o comprar à doação de uns tantinhos porcentos às famílias carentes.

Pode parecer que, de repente, as empresas no Brasil se deixaram tomar pelo espírito do Natal, não é? Mas não é nada disso. A CartaCapital de 12 de dezembro traz pesquisa do Preal (Programa da Promoção da Reforma Educativa na América Latina) mostrando que, das 300 empresas contatadas entre as que afirmaram investir em educação, 90% delas investem apenas em si mesmas (ISO 9000, melhor qualificação de funcionários), isto é, não estão "afinadas com a idéia de responsabilidade social". Do universo geral pesquisado, 51% das empresas afirmaram não investir em educação porque "o Estado é que deve investir" (25% delas) ou porque "o pagamento de taxas já é um investimento indireto" (25% delas).

Como se vê, ao encampar o Natal sem fome, o objetivo das empresas no Natal é apenas vender e afastar de seu comprador em potencial a culpa de estar servindo ao espírito do consumo. Durante todo o ano, a maioria esmagadora das empresas no Brasil pouco se preocupou com justiça social, educação, emprego e miséria, mas no Natal surgem com seus belos anúncios falando em paz, em Natal, em harmonia entre os homens e se dispondo a "doar" uns porcentos de seus lucros aos que passam fome. Não dizem, é claro, que suas doações vão diminuir o imposto de renda a pagar – ou a sonegar.

Vender espírito de consumo como se fosse espírito de Natal deveria ser considerado propaganda enganosa.

(*) Psicóloga