Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

O desempenho da mídia brasileira

BALANÇO 2002

José Maria Leitão (*)

Em recentíssimo número do Observatório, o último de 2002, 25/12, seus leitores são convidados a opinar sobre o desempenho da mídia brasileira em 2002. Felizmente, como esperávamos, e comprovamos posteriormente, nada menos que 49,8 % dos leitores cravaram seus votos nas opções ruim e péssimo; e, caso o item "faccioso" tivesse ganhado espaço ? óbvio, impensável inseri-lo ? não duvidamos que alentado número de votos ali se concentrassem. Paciência, ignoraram o grosseiro e incabível faccioso e, deste… escaparam.

Ora, como o Observatório da Imprensa não vem deixando passar, por meio de artigos assinados, entre outros, por Alberto Dines e Luiz Egypto, e nem vale a pena citar as flagrantes posições unilaterais e condenáveis das grandes revistas semanais, Veja, IstoÉ e Época, às dos mais badalados telejornais de âmbito nacional, o da TV Globo e o da Rede Record, este entregue à peçonhenta análise do Sr. Boris Casoy, e de uns tantos periódicos desta Bruzundanga (nossas homenagens a Lima Barreto), ignorando os mais recentes escândalos financeiros e políticos dos EUA, quando não apenas citando-os a "vol d?oiseau", basta atermo-nos às concentradas e nada simpáticas notícias sobre a ameaça bélica americana ao Iraque e, em quase igual escala, à crise venezuelana e a Chávez, seu presidente democraticamente eleito. Praticamente, ao terreno de nosso vizinho ninguém vai lá. Tão-somente opina-se por ouvir dizer e haja bobagens a entupir nossas leituras, ouvidos e olhos!

E se assim ousamos contestar a lisura dos pronunciamentos da mídia brasileira, encontramos guarida, para tanto, na simples leitura de periódicos da Espanha e França (p.e. Hoy, Le Monde, L?Humanité etc., via internet, tão decantada quanto mal aproveitada pelos profissionais dedicados ao jornalismo), ou no tempo dedicado a assistir, via TV paga, a programas originários dos próprios EUA. Referimo-nos, no tocante aos últimos, ao 20/20, sob o comando de Barbara Walters, e o do conhecidíssimo e admirado Mike Wallace e equipe (60 Minutos). Sem contestação, os dois voltados preferentemente para problemas internos, entretanto, não ignorando e livrando de críticas o próprio sistema americano e seus dirigentes; notadamente Bush e seus assessores diretos: Condoleezza Rice, Colin Powell etc.

Assim é que, assistindo a um dos últimos 60?, tomamos conhecimento das acerbas dúvidas que vêm incomodando a população americana ao ver-se arrastada a mais uma "guerra de nítidos interesses comerciais". Mais, não se poupando o comentarista de relembrar, de modo desfavorável, as chamadas patrióticas (slogans) de anteriores presidentes ao convocar o país às várias guerras em que os EUA intervieram a partir do início do século 20. Desde o "Lembrai-vos do Maine", destinada a expandir o império, tomando Cuba e as Filipinas da Espanha; "A guerra que acabará com todas as guerras", de Wilson, ante a Primeira Guerra Mundial; o "Dia da infâmia", explorado por FDR, face ao ataque japonês e, arriscamos, posteriormente justificar as bombas atômicas lançadas em Hiroshima e Nagasaki, já sob o comando de Truman, até os atuais esforços do trio Bush/Condoleezza/Colin Powell, orquestradamente repetindo os mesmos argumentos em diferentes ocasiões e espaços (imagens e discursos são mostrados no decorrer do programa), destinados a ganhar, à maneira de Goebells, diríamos, a unânime opinião do povo contra Saddam Hussein.

Outrossim, no tocante ao affair contra Saddam, apontam reiteradas mentiras perpetradas pelo trio. Como a falsa acusação, que o trio atribuiu a uma agência da ONU (!), de Saddam encontrar-se "a seis meses de fabricar uma bomba atômica", de pronto negado por um representante da organização mundial; ao fracassado ensaio de relacionar Saddam aos despropositados ataques de 11 de setembro, insistindo em um fictício encontro de "representantes do Iraque com o terrorista Mohamed Atta, em Viena (episódio rejeitado pela CIA e pelo FBI) e, por último, para não nos alongarmos, a de relacionar uma recente e frustrada compra de tubos de alumínio, pelo Iraque, ao "propósito de destinarem-se ao processamento de plutônio", logo contestado por especialistas no assunto.

Competência e destemor

Além disso, a par das críticas ao governo Bush-filho (atual), por outro lado relembrou-se algo semelhante ocorrido sob a responsabilidade de Bush-pai. No caso, o ensaiado depoimento fraudulento de uma jovem do Kuwait, apresentada como vítima e testemunha ? porém, posteriormente, comprovado que se tratava de ninguém menos que a filha do embaixador kuwaitiano, e muito distante do Oriente Médio, porquanto residente nos EUA ? sobre atrocidades praticadas por soldados iraquianos: o de "retirar um sem-número de criancinhas de incubadoras e jogá-las no chão para morrer", servindo, a contento, aos objetivo de levar a ONU a apoiar ao primeiro entrechoque com o Iraque.

Por fim, apresentam a mais nova arma do trio, o contrato de 15 milhões de dólares com a empresa responsável pela propaganda do arroz Uncle Bean ? no programa, denominado de "constante união com a Madison Avenue" ?, destinado à realização de filmes favoráveis aos EUA e contrários ao Iraque e a Saddam, além da recém-fundada rádio exclusivamente montada para, ad eternum, mostrar as bondades e belezas americanas, em oposição ao inferno do demônio iraquiano.

De resto, nada divergente do que já sabíamos desde a leitura, nos idos da década de 60, do então sucesso editorial O Estado Militarista, de Fred J. Cook, edição brasileira da saudosa Civilização Brasileira de Ênio Silveira. Pelo visto, constato, incapaz de ser contestado até hoje. Até mesmo as íntimas relações da indústria armamentista com a Madison Av., as sucessivas invasões e imposições de novos mandatários e ditaduras aos países de seu quintal e o conseqüente avanço do poderio americano.

O que é de estranhar, e ressalta nossa posição de crítica à mídia brasileira ? diante de sua arraigada parcialidade, sempre favorável aos EUA nos comentários e notícias sobre os conflitos em que os mesmos destratam e desafiam o mundo ?, é o respeito que não podemos negar aos meios de comunicações dos EUA. Do mesmo modo, aos jornais da Espanha e França, citados no início, ao contestarem e mostrarem os erros de seus próprios dirigentes e sistemas políticos. Exemplo evidente, a nota no Le Monde de 30/12, em que se comenta o "desconvite" ao príncipe Charles para visitar os EUA. Motivo? Seu declarado desacordo à posição de Tony Blair pró-invasão do Iraque. Deu nos jornais falados e escritos do Brasil? Não vimos. Desse modo, parece lógico o resultado da pesquisa do Observatório, e só nos resta perguntar: quando teremos uma imprensa com iguais competência e destemor?

(*) Médico