Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

O direito à informação e o dever de veracidade

Vera Maria de Oliveira Nusdeo Lopes (*)

 

Não parece haver dúvida quanto à existência de um moderno direito à informação, pertencente a toda a sociedade, o qual engloba desde o conhecimento dos fatos relevantes sob todos os aspectos, político, econômico, cultural, etc., até as diferentes análises e debates que existam quanto a eles. Este direito, com a sociedade de um lado, vincula – do outro – os operadores dos meios de comunicação de massa, os chamados media.

Tal direito é básico num Estado com pretensões à democracia, onde a condição de cidadão conduz à participação política, social e pessoal cada vez mais e mais profunda.

Assim, parece óbvio dizer que a informação posta à disposição do público deva ser veraz. No entanto, uma análise um pouco mais profunda deve necessariamente conduzir à discussão sobre o que – exatamente – se entende por veracidade, uma qualidade tão fácil de ser dita e igualmente difícil de ser precisada, e quais os meios aptos para garanti-la.

Inúmeros estudiosos da área são unânimes em apontar a dificuldade imensa em se aferir de forma objetiva o que seja uma informação dotada de tal requisito. Isso porque um fato determinado, qualquer que seja, apreendido por uma pessoa e submetido à sua peculiar visão, moldada – esta – indiscutivelmente – pela história desse sujeito, fatalmente será diferente do entendimento, acerca do mesmo fato, visto por outra pessoa.

Pode-se recolher estudos analisando esta questão tanto na área jurídica como entre os estudiosos de comunicação propriamente. Exemplo do primeiro, Jean Rivero, conhecido administrativista francês, analisando exatamente o direito à informação, afirma que entre a realidade e o receptor um sujeito se interpõe, o informador, o qual apreende a realidade com sua sensibilidade e inteligência próprias e não pode dar uma imagem senão conforme sua própria visão subjetiva (1).

Já dentre os comunicadores, pode-se mencionar Francis Balle, que em conhecida obra rechaça o chamado “direito ao fato”, afirmando não existir um cisão nítida entre os fatos e as opiniões. Segundo ele, os fatos “são recortados da realidade social de um lado pelas convenções comuns a todos, ao espírito do tempo e às opiniões do comentador. (…) Os fatos da realidade são ambíguos e equívocos e oferecem um entendimento evidente à subjetividade do observador, às suas opiniões, ou, se assim se preferir, à sua ideologia” (2).

Por mais difícil que seja para os operadores da área do direito, acostumados que somos às reduções da realidade social em forma de artigos, incisos e alíneas, é absolutamente fundamental que saibamos estar diante de um direito que não aceita formulações fáceis e indiscutíveis nem parâmetros rigidamente estabelecidos.

Portanto, como dar eficácia a um direito que quase todos insistem em qualificar como de difícil precisão e impossível de ser reduzido a fórmulas legais?

Parece que a primeira medida seria exigir um verdadeiro pluralismo de fontes informativas, impedindo a formação de monopólios e oligopólios dos meios de comunicação (mandamento, aliás, constante da Constituição Federal – art. 220, #5o.), possibilitando que as pessoas escolham dentre as várias versões apresentadas para um determinado fato e suas interpretações, a que melhor lhe parecer e assim estar apto a formar sua própria consciência política, social, cultural e pessoal.

Também através do pluralismo pode-se minorar os efeitos de tendenciosismo através da omissão, tão perversa quanto a distorção intencional de um dado acontecimento, pois a verdade ou os fatos relevantes sempre poderão surgir e se definir com uma multiplicidade de versões, possibilitando a todos os interessados uma ampla gama de notícias e interpretações.

Por outro lado, ainda o pluralismo permite que se alcance outro dos qualificativos tão sonhados num verdadeiro Estado Democrático, que é precisamente a oportunidade de todos os segmentos relevantes de se fazerem conhecer e ouvir, possibilitando à sociedade um amplo espectro de escolha de seus representantes.

Porém, ainda que se tenham em mente as dificuldades acima, é fundamental a exigência quanto à necessidade de uma atitude correta por parte dos informadores, exigindo-se deles que a notícia, o fato ou sua interpretação não sejam objeto de distorções ou omissões intencionais, com a nítida predisposição de induzir o público em erro, por motivos que podem ir do ideológico, passando pelo econômico e culminando no meramente empresarial.

Nesse sentido, é interessante mencionar o entendimento do Tribunal Constitucional espanhol acerca desta questão, já que a constituição desse país fala expressamente no direito de receber livremente informação veraz. Num julgado (6/1988), o Tribunal entendeu referir-se esta exigência ao dever de diligência do informador, que deve checar antes os fatos com dados objetivos, não atuando com menosprezo à verdade ou falsidade do comunicado (3).

A conclusão a que se chega, sem dúvida, é a de que o terreno é pantanoso para a pretensão de fórmulas fechadas e inevitavelmente vazias de conteúdo. De nada adiante exigir-se o direito a uma informação de qualidade, veraz, sem que se aprofunde o sentido exato e os limites implícitos nessa noção. Porém, as dificuldades existentes não podem servir de álibi para os profissionais da comunicação eximirem-se do dever de buscar a mais completa qualidade possível na sua atividade cotidiana.

(1) Les libertés publiques, Paris, LGDJ, 1976, p. 246

(2) Institutions et publics des moyens d?information, Paris, Montchrestien, 1973, p. 206

(3) Aguilera Fernandes, Antonio, La libertad de expresión del ciudadano y la libertad de prensa o información (possibilidades y limites constitucionales), Granada, Comares, 1990, p. 11/12.

(*) Procuradora do Estado em São Paulo, mestre em direito administrativo pela USP, membro do grupo Tver e do Instituto Direito e Cidadania e bacharel em jornalismo.

 



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