Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

O discurso único do governo Olívio

Thadeu Niemeyer

 

Esta cartilha do governo Olívio – publicada na Zero Hora – não cheira a maoísmo, Goebbels etc.? União de objetivos é desejável em um governo – mas discurso único?

Para conferir, veja a íntegra em www.zh.com.br/editoria/politica/pagina2.htm.

 

 

Documento prevê a unificação do discurso, a centralização de informações e até a forma como Olívio deve ser tratado

Desde janeiro, todos os secretários, presidentes e diretores de autarquias e fundações do Estado estão orientados a seguir uma cartilha elaborada pelo Palácio Piratini para o relacionamento com jornalistas. No documento, assinado pelo secretário especial de Comunicação, Guaracy Cunha, o primeiro escalão do governo é instruído a continuar destacando nas entrevistas “a herança recebida, a dívida, o rombo, o descaso com que foi tratado o Estado etc”. Também são estabelecidas normas para tratamento do governador Olívio Dutra, que não pode ser chamado simplesmente de “Olívio”.

Revelada na edição de quinta-feira do jornal Gazeta Mercantil, a cartilha também contém os números que os secretários precisam saber na ponta da língua. Sob o título “A realidade sobre a situação financeira do Estado” estão cifras como R$ 1,08 bilhão de ativo, R$ 2,31 bilhões de passivo ou os R$ 625 milhões retirados do Fundo do Magistério pela administração anterior. O governo pretende que esses números sejam transmitidos uniformemente, de modo a fixar a idéia de dificuldades financeiras herdadas do governo passado.

As normas partiram do Palácio Piratini, que vem concentrando a liberação de informações à imprensa. Em vários trechos do documento aparece a expressão “a centralizada”, que significa o grupo do Palácio que centraliza e distribui as informações. O secretário Guaracy Cunha informou que mais de cem pessoas trabalharam na elaboração do documento, distribuído para 65 secretários, diretores e presidentes de autarquias e fundações.

– É um documento estratégico e reservado, porque trata de questões fundamentais para o governo, como a comunicação. Trabalhamos assim desde a prefeitura de Porto Alegre, não há nada de novo. Não é uma cartilha, mas um documento que é a nossa pedra fundamental – explicou Guaracy.

O secretário de Comunicação disse que o documento apresenta ainda as metas do governo até o final de março, como o slogan e a campanha para aumentar a arrecadação do Imposto sobre Propriedade de Veículos Automotores (IPVA). Mas a maior parte trata das orientações de trabalho, desde como atender o telefone até como tratar com a imprensa. O documento foi distribuído para 65 secretários, diretores e presidentes de autarquias e fundações.

– Os governos anteriores nunca funcionaram como um todo. A nossa intenção com esse documento é justamente essa – observou Guaracy.

Na prática, a centralização das informações citada pela cartilha é facilmente observada no dia-a-dia dos integrantes do primeiro escalão do governo. Dificilmente um secretário de Estado atende repórteres pelo telefone celular. Agora, qualquer pedido de entrevista passa, obrigatoriamente, pelos assessores diretos, que, depois de algum tempo, colocam os secretários em` contato com os jornalistas. De todos os secretários, apenas um tem autonomia para dar entrevistas a qualquer hora e falar sobre qualquer assunto. É o chefe da Casa Civil, Flávio Koutzii. Outros, como o vice- governador e secretário-geral de governo, Miguel Rossetto, ou o secretário da Fazenda, Arno Augustin, têm autonomia parcial. Falam sobre os assuntos de suas áreas, mas seguidamente interrompem a entrevista quando o assunto passa para a seara de outro secretário.

– Esse assunto deve ser informado pelo governador – costumam dizer.

A centralização das informações se iniciou ainda na fase de transição, nos meses de novembro e dezembro do ano passado. O acesso aos secretários passou a ser restrito à medida que a equipe conseguia ampliar suas informações sobre o governo que saía. Chegou ao ponto de os jornalistas serem impedidos de entrar na sede da equipe de transição, que funcionava na Companhia Estadual de Silos e Armazéns (Cesa). Na época, para entrevistar os futuros secretários de Olívio, era preciso aguardar no térreo. A justificativa dos assessores de imprensa do então futuro governo era de que não havia espaço para tantos repórteres.

Hoje, o acesso da imprensa ao Palácio foi ampliado, mas nenhum jornalista passa do salão Negrinho do Pastoreio sem ser acompanhado por um segurança ou um assessor de imprensa. Entrevistas com o governador, só coletivas, e há assuntos sobre os quais somente Olívio Dutra fala.

Na semana passada, um incidente em Brasília deixou os jornalistas com informações truncadas. Durante um jantar de Olívio com os governadores de Alagoas, Ronaldo Lessa (PSB), e do Rio de Janeiro, Anthony Garotinho (PDT), no restaurante do Hotel Kubitschek Plaza, cinco repórteres foram afastados pelo chefe de gabinete de Olívio, Laerte Meliga, que se encarregou de dar as informações. Laerte dizia aos repórteres que nenhum dos três governadores aceitaria se reunir com os ministros Pedro Malan, Waldeck Ornélas e Pimenta da Veiga, no o dia seguinte. Enquanto ele falava, um assessor de Garotinho, mais afastado, desmentia as informações fazendo sinal negativo com a cabeça. No dia seguinte, os três governadores se encontraram com os ministros, inclusive Olívio.

A cartilha

Com o timbre da Assessoria de Imprensa do Palácio Piratini, o documento estabelece algumas normas do novo governo para o relacionamento com jornalistas.

Esta é a íntegra do texto com as orientações genéricas ao primeiro escalão:

“A divulgação do Governo Democrático Popular

Os senhores secretários devem falar somente quando tiverem elementos concretos sobre o assunto. Combinar, sempre que possível, a pauta com a centralizada. Isto possibilita a potencialização do assunto a ser divulgado e evita contradições. Podemos, por exemplo, marcar e encaminhar entrevistas através do nosso sistema de rádio para o interior do Estado.

Procurar ser sucintos e objetivos durante as entrevistas. Passar sempre o núcleo das informações e não ficar somente com o discurso de palanque. Os jornalistas perdem o respeito por fontes não-objetivas e a pessoa deixa de ser referência nas redações. Além disso, qualquer deslize pode comprometer a imagem do governo.

Manter uma unidade no discurso. Falar sempre na primeira pessoa do plural, nunca na primeira pessoa do singular. Não falar somente no secretário ou na secretaria, mas em “nós, do governo democrático-popular”. Continuar afirmando sempre a imagem única do governo.

Tratar o governador Olívio Dutra como: companheiro governador, o governador, senhor governador, o governador do Estado, o governador dos gaúchos, o nosso governador. Nunca por simplesmente Olívio.

Os secretários devem recomendar a seus assessores de imprensa para combinarem a agenda de entrevistas com a centralizada para evitar colisões de horários entre dois assuntos importantes na mesma editoria (economia, política, etc).

Vamos continuar destacando a herança recebida – a dívida, o rombo, o descaso com que foi tratado o Estado etc. Mas não esquecer: a auditoria dos negócios da gestão que se encerrou prossegue.

Vamos encaminhar na próxima semana uma reunião geral com todas as Assessorias de Comunicação das secretarias para afinar a centralização. G.C.”