Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

O escândalo nosso de cada dia

ARGENTINA

Jorge Marcelo Burnik (*)

Para os céticos, que acreditavam que a Argentina não poderia se fragmentar mais, o presidente uruguaio, Jorge Battle, optou por estourar a polêmica na mídia argentina e uruguaia, na semana passada. A opinião do primeiro mandatário do país vizinho atingiu heterogeneamente os argentinos: alguns encresparam-se, outros sentiram que a acusação de "ladrões" era dirigida aos políticos argentinos em particular. Mas a tentativa midiática de esclarecer os seus ditos acabou escurecendo-os mais ainda, já que, para muitos, se o que Battle pensava era mesmo que os (políticos) argentinos são todos ladrões tinha direito a manter posição firme a respeito. Mas, no dia seguinte à publicação da entrevista da TV Bloomberg, o presidente uruguaio não só desmentiu tudo o que dissera antes, como, ao fim do "chorado" pedido de perdão a Duhalde e ao povo argentino, resmungou que se houvesse outra câmera ligada falaria (e choraria) de novo.

A mesma falsidade ideológica que o povo argentino condena nos políticos locais parece ter contagiado Battle.

A mídia não esquece a difícil situação do país mesmo com o Mundial como pano de fundo dos escândalos políticos de todos os dias. Pela TV o povo ficou sabendo que um deputado (Ricardo Falu-PJ) apresentou projeto no Congresso no qual sugere a renovação de todas as autoridades do país em curto prazo. Porém, para analisar o projeto nenhum deputado deu quórum. Cabe então inferir que os políticos atuais não estão dispostos a ir embora, segundo reclama o povo com seu "que se vayan todos".

Outra variável que não pode ser descartada, uma das bandeiras da vigilância citada, é a depuração e o resgate da credibilidade institucional. O jornalista de Le Monde Diplomatique Carlos Gabetta assinala que "a crise argentina não é um problema de nomes nem de partidos, senão de modelo econômico, de conduta e hábitos políticos" <www.primeralinea.cl/c_lemonde/14_resumen.asp>.

Panelaços continuam

"Aqui não haverá moeda segura até que exista confiança, e não haverá confiança até que aconteça uma mudança política em prol da credibilidade", sentenciou a deputada Elisa Carrió (ARI) ? segundo notícias de 5/6/02, ela não esconde suas aspirações à presidência daqui a pouco. De seu lado, Duhalde reconheceu publicamente que após a eliminação (do sentido) da Lei de Subversão Econômica, o FMI ainda exige mais condições para ajudar a Argentina com novos empréstimos <www.clarin.com/diario/2002/06/09/e-399908.htm>. Tudo isso enquanto se anuncia que o pior da crise passou (Rádio Nacional e Rádio Mitre). Mas poucos levam a serio o presidente que promete devolver os depósitos na moeda de origem e logo volta atrás; o mesmo que ameaçou ir embora se a exigência do FMI não fosse atendida.

A credibilidades dos políticos é questionada, e a do presidente nem é considerada pela mídia. Recente levantamento indica que "duas em cada três pessoas são contrárias às negociações com o FMI" (Ibope, Página 12, 12/5/02). Em outras pesquisas, 54,4% dos cidadãos acreditam que as eleições na Argentina terão que ser antecipadas. A data estabelecida, até agora, é dezembro de 2003, período em que Duhalde deveria ficar no poder <www.clarin.com/diario/hoy/p-02101.htm>.

Há três meses o economista Rudiger Dornbusch apresentou na Argentina a proposta de deixar a economia do país em mãos de estrangeiros, uma espécie de "protetorado". Isto foi considerado ofensivo pelo governo argentino, e de fato até o era. O patético é que desde dezembro do ano passado os governantes não sabem para onde vão em matéria econômica, e isso ressoa como um eco na mídia toda do país. Segundo o jornalista e analista econômico Maximiliano Montenegro, "no futuro próximo haverá bancos que fecharão, e o dólar disparará porque o Banco Central está ficando com poucas reservas e não sairia, como até agora o fez, a salvar pequenos bancos com redescontos" (America TV, 5/6/02).

No entanto, os panelaços continuam presentes na mídia. A Argentina continua esquentada com o que uma vez o escritor Eduardo Galeano descreveu como "nossos governantes governados" ? não precisamente pela vontade popular nem pelo bem-estar geral.

(*) Jornalista graduado na Universidade Nacional de Misiones, Argentina