Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

O Estado de S. Paulo

ASPAS

TV DIGITAL

"A difícil sintonia da TV digital", Editorial, copyright O Estado de S. Paulo, 25/06/01

"Depois de revolucionar a eletrônica e as telecomunicações, o som dos CDs ou a imagem dos DVDs, a linguagem digital dos computadores está chegando agora à televisão aberta ou em broadcasting. Na verdade, essa evolução tecnológica já domina há anos a maioria das fases de produção nos estúdios.

O último lance a ser digitalizado é aquele que vai da torre de transmissão à casa do telespectador. É essa a etapa que está em debate no Brasil neste momento.

A Anatel prepara licitação pública para a escolha do padrão de TV digital a ser adotado pelo Brasil. Com a tecnologia digital, o País caminhará para a chamada televisão de alta definição – High Definition TV (HDTV). A importância e o impacto econômico dessa decisão ultrapassam em muito a simples definição de uma tecnologia de transmissão de sinais de vídeo, já que a TV digital deverá deflagrar uma verdadeira revolução nos serviços de multimídia e telecomunicações no País.

Três padrões de TV digital disputam a preferência brasileira: o norte-americano, conhecido pela sigla ATSC, o europeu (DVB) e o japonês (ISDB). Como não poderia deixar de ser, uma escolha dessa natureza, envolvendo o futuro mercado brasileiro – estimado em cerca de US$ 10 bilhões ao ano no final desta década -, tem mobilizado todos os tipos de pressões e acirrado os debates sobre as qualidades e eventuais limitações técnicas dos três padrões em disputa.

A polêmica se acirrou ainda mais depois que um grupo de engenheiros da Sociedade de Engenharia de Televisão e Telecomunicações (SET) e da Associação das Emissoras de Rádio e Televisão (Abert) promoveu testes de campo com o objetivo de comparar as características técnicas e o desempenho dos três sistemas, mas utilizando em seguida esses resultados para apoiar as preferências da Abert pelo sistema japonês, embora especialistas independentes da Unicamp demonstrem que suas medições e conclusões merecem numerosos reparos.

Não se limitando a manifestar sua preferência por um dos sistemas, o grupo SET/Abert condena os dois outros, considerando-os inaceitáveis para as emissoras. As razões alegadas pelos técnicos desse grupo para rejeitar o padrão norte-americano baseiam-se no fato de esse sistema não permitir a recepção móvel nem o uso de antenas internas. E, para surpresa geral, o grupo SET/Abert considera recurso essencial a recepção em veículos em movimento, tais como carro, ônibus ou trens – sofisticação a que nem os países mais industrializados e avançados atribuem tanto valor ou reconhecem ter utilidade significativa. Pelo contrário, em nome da segurança, especialistas brasileiros e internacionais recomendam que se imponham restrições até ao uso do celular em automóveis quanto mais da televisão. Do ponto de vista econômico, mesmo as projeções mais otimistas não estimam em mais de 1% os veículos que, daqui a dez anos, poderão contar com a recepção de TV digital.

Quanto à recepção interna, é bom recordar que quase 90% dos brasileiros já se acostumaram a utilizar antenas externas, de custo relativamente baixo, para garantir melhor qualidade de recepção na atual fase da televisão analógica. Não haverá, portanto, nenhum choque nem problema mais sério em se falar em recepção mediante antena externa na TV digital, como já acontece em outros países.

Para nós, a questão fundamental em todo esse processo é o interesse do cidadão, ou seja, do consumidor final. Sem entrar em pormenores, lembramos que, na opinião de especialistas independentes, do ponto de vista tecnológico qualquer dos três padrões tecnológicos pode ser aceito pelo Brasil. Com base nessa opinião, é impossível levar a sério a condenação das tecnologias européia e norte-americana, apresentadas no calor do debate como ?inadequadas, inferiores ou inaceitáveis? por um pequeno grupo de técnicos.

Reiteramos, portanto, que, com a evolução tecnológica, poucas diferenças poderão restar entre os três sistemas, quanto à qualidade, recursos e versatilidade num horizonte de três a cinco anos.

Finalmente, nesse quadro agitado, esperamos que prevaleçam os critérios anunciados pelo presidente da Anatel, Renato Guerreiro, para quem a decisão final do padrão de TV digital pelo Brasil envolve questões complementares relevantes, tais como acordos internacionais, seja para reduzir ou eliminar o pagamento de royalties, seja para o financiamento às indústrias brasileiras de equipamentos e às emissoras de televisão, para a fabricação local ou com vistas à realização de pesquisas tecnológicas no País e, especialmente, às perspectivas de exportação. Desse modo, o Brasil, além de contar com um mercado interno expressivo, poderá alcançar razoável escala, transformando-se em plataforma de exportação de televisores digitais e de alta definição."

MILHÃO DE ERROS

"SBT reconhece erros do programa", copyright Folha de S. Paulo, 1/07/01

"Dos oito erros do programa ?Show do Milhão? expostos pelo TV Folha em sua edição de domingo passado, o SBT assume três. Para outros quatro, cita a enciclopédia ?Barsa? ao defender as respostas da atração, apesar de elas serem questionáveis conforme outras fontes consultadas (veja quadro ao lado). Em um caso, a formulação de uma das questões foi informada incorretamente por participante do programa.

A diretora de comunicação do SBT, Ana Teresa Salles, afirma que a ocorrência de erros é ?bem razoável?, após 190 programas e mais de 8.000 perguntas.

A atração promete R$ 1 milhão a quem conseguir acertar as respostas de 16 questões de múltipla escolha. E, segundo a diretora, quando um concorrente é prejudicado, pode voltar.

É o caso de um participante que respondeu ser azul a cor de Tom, do desenho ?Tom & Jerry?. O programa afirmou que o certo era cinza, mas, em alguns episódios da animação, Tom aparece azul. O concorrente terá outra chance.

Quanto ao fato de o regulamento do programa não explicar qual será o procedimento em caso de erro, Ana Teresa diz que isso não é verdade. ?O regulamento é de consulta aberta. Nele, está prevista a ação em caso de erros e é informado que a ?Barsa? é a base de consulta.?

Entretanto, ela confirma que da ?Revista do SBT?, onde está o cupom necessário para a participação no ?Show do Milhão?, não constam essas informações, fato descrito pelo TV Folha.

?Mas o Silvio sempre fala disso no ar, todo mundo sabe. E quando você compra um bilhete da Loteria Federal, por exemplo, não há o regulamento completo do concurso lá?, diz Ana Teresa.

A assessoria de imprensa da Caixa Econômica Federal informa que todos os bilhetes de loterias da instituição trazem impresso o regulamento completo.

Novo erro

Durante a semana passada, leitores apontaram, por e-mail, mais um erro no ?Show do Milhão?. A resposta de uma questão afirmava que o topázio é azul. A pedra pode ser tanto dessa cor quanto amarela (outra alternativa apresentada).

Segundo Ana Teresa, os leitores estão certos, mas, como a duplicidade de respostas não prejudicou o concorrente, a emissora não tem o que fazer.

Outros leitores dizem não terem sido pagos por perguntas enviadas ao programa. Parte das questões da atração vem de internautas, que recebem R$10 ou R$ 50 por contribuição levada ao ar.

A diretora de comunicação afirma que as participações são pagas corretamente, mas, às vezes, uma mesma questão é enviada por mais de um internauta. ?Nesses casos, paga-se a quem enviou primeiro. Os outros acabam achando que há má fé, mas só nos últimos dois meses foram pagos R$ 300 mil a internautas.?"

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"As falhas apontadas e os comentários da emissora", copyright Folha de S. Paulo, 1/07/01

"Quantos anéis tem o planeta Júpiter? o TV Folha informou: segundo a Nasa (a agência espacial dos EUA), são três o SBT comenta: segundo a enciclopédia ?Barsa?, são dois As dunas são características das regiões: o TV Folha informou: ou não havia resposta, ou existiam duas corretas (Nordeste e Sul ou Sul e Sudeste) o SBT comenta: segundo a ?Barsa?, a resposta correta é Nordeste e Sul nota da Redação: o texto da enciclopédia não diz que as dunas são ?características? de regiões geopolíticas A guarda de honra do Vaticano é composta por quais cidadãos o TV Folha informou: suíços, alternativa não apresentada pelo programa o SBT comenta: segundo a ?Barsa?, há uma Guarda Suíça e uma Guarda de Honra, composta por romanos (alternativa apresentada pelo programa) nota da Redação: segundo a Nunciatura Apostólica Brasileira, a Guarda de Honra deixou de existir em 15/9/1970 Qual clube brasileiro possui um anjo como mascote? o TV Folha informou: a resposta dada pelo programa (São Paulo Futebol Clube) estava incorreta o SBT comenta: houve mesmo erro Qual o sinônimo de arrematar? o TV Folha informou: duas respostas apresentadas eram corretas -finalizar e comprar (alternativa escolhida pela participante, que foi desclassificada) o SBT comenta: houve erro, e a participante voltou ao programa Em que tipo de paciente o urologista é especializado? o TV Folha informou: segundo a Sociedade Brasileira de Urologia, não havia alternativa correta o SBT comenta: segundo a ?Barsa?, o urologista também é especializado no aparelho genital masculino, portanto, em homens (uma das alternativas) Quantos 9 há de 0 a 100? o TV Folha informou: três respostas seriam corretas (11, 20 e 1) o SBT comenta: não há problema nisso, pois o participante desistiu e, apesar das possibilidades de resposta, saiu do programa com R$ 500 mil O Eclipse ocorre em que fase da lua? o TV Folha informou: a participante respondeu cheia; o programa, nova. As duas respostas são corretas, caso não se diga qual é o eclipse (solar ou lunar) o SBT comenta: a questão, na verdade, era ?Em que fase está a lua quando ocorrem os eclipses solares??, portanto, a concorrente realmente errou."

DOMINGO DA GENTE

"A princesa e a república", copyright Folha de S. Paulo, 1/07/01

"No que considero uma das mais inspiradas passagens da literatura universal, Tolstoi escreveu: ?Todas as famílias felizes se parecem entre si; as infelizes são infelizes cada uma à sua maneira? (?Ana Karenina?, 1, 1). Por trás de cada família infeliz, há uma história, um romance inteiro, houvesse um escritor russo para desenvolvê-lo. ?Se queres ser universal, canta a tua aldeia.?

Como a pobreza quebra vínculos e desgasta relações, favorecendo o surgimento de famílias infelizes, chamar favelas de ?filão de romances ainda não lapidados? seria uma forma poética de designá-las. Cada barraco contém a sua história. E, dentro de cada um deles, há uma pessoa cuja perspectiva pode servir de fio condutor para a narrativa.

Por alguma razão obscura, nós, seres humanos, gostamos de histórias que acabam bem. Melhor ainda, gostamos de fazer o bem. Fazer o bem é o corolário da virtude, a atualização da transcendência, o dever mesmo do homem que pretende elevar-se. Até o maior celerado reconhece o valor da filantropia, uma vez que procura transvestir de benemerência suas más ações. Não deixa de ser uma forma irônica de o vício prestar homenagem à virtude.

Nesse contexto, como criticar um programa como o ?Domingo da Gente?, de Netinho? O músico-apresentador promove o bem quase que em sua forma mais pura. Escolhe uma jovem de vida difícil e a torna princesa por um dia. Sai com ela em grande estilo (limusine incluída) e a enche de presentes. É claro que a beneficência não se esgota num único dia. O apresentador, que é um poço de simpatia, vai conversando com a princesa e seus parentes mais chegados e expondo para o público os principais problemas da família, aos quais tenta dar uma solução.

Para o cunhado, Netinho consegue, com a ajuda da Força Sindical, um emprego de segurança no shopping center. A mãe recebe, de uma grande central de cursos profissionalizantes, a reciclagem de que precisava para voltar a trabalhar como auxiliar de enfermagem. Para o pai, é oferecida a versátil máquina de fazer pizza. Agora ele poderá montar seu próprio negócio.

Os sorrisos que se estampam no rosto da princesa e de seus familiares à medida em que vão recebendo os prêmios são comoventes. Não acho que seja exagero dizer que se tornar princesa é um pouco como ganhar na loteria ou ser sorteada para participar do ?Show do Milhão?. O programa do Netinho oferece à garota pobre e a toda a família a chance de se reerguer. A empatia é sincera e inevitável.

Mais ainda, o espectador é mais do que um mero espectador. Ele é parte essencial da ?corrente do bem? que se forma a cada exibição. ?Domingo da Gente? não esconde seu caráter comercial. Os presentes são oferecidos por empresas que têm seus nomes e produtos claramente divulgados pelo apresentador. Às vezes, é o próprio dono da companhia quem vai pessoalmente entregar a dádiva à princesa. O espectador, à medida em que oferece sua audiência ao programa, justifica o gesto-cálculo do benfeitor-anunciante. A simples dona de casa, apenas por ligar a TV e sintonizá-la no ?Domingo da Gente?, passa a fazer parte do círculo virtuoso que promove o bem.

Se eu fosse sacana, diria que esse formato de programação beneficente, que está se espalhando rapidamente pela TV aberta, é um pouco o lava-rápido das consciências. Mas é impossível deixar de reconhecer que os resultados concretos são bem-vindos, pelo menos para a família agraciada, a emissora e a empresa doadora. Não houvesse essa onda filantrópica, a TV e o mundo seriam mais ou menos os mesmos, mas algumas pessoas seriam menos felizes.

O problema é que essa moda em torno do voluntariado, da filantropia e da caridade, apesar de resultados positivos palpáveis, tem um componente ideológico complicado. O discurso pode ser mais ou menos explícito, mas tem inevitavelmente um viés anti-republicano. Funciona um pouco como o ?conservadorismo com compaixão? da direita norte-americana, que pretende, em nome da eficiência, transferir do Estado para igrejas as verbas assistenciais. O próprio Netinho, em vários momentos, se põe a criticar instituições públicas ou tenta fazê-las funcionar utilizando o seu prestígio pessoal.

O grave nessa discurseira é que ela sugere que o Estado é dispensável, um elefante branco gordo e ineficiente. Isso pode até ser parcialmente verdadeiro do ponto de vista operacional, mas, em termos teóricos, o Estado, enquanto espaço da ação pública, é fundamental e insubstituível.

E não se pode simplesmente transferir o que é tipicamente público a terceiros, sejam eles empresas, ONGs ou apresentadores de TV, ainda que bem-intencionados. O Estado não é um capricho de políticos, mas o resultado da existência de uma coletividade com demandas públicas que exigem respostas públicas, impessoais.

Prefiro acreditar que os que sugerem o contrário o fazem apenas por ignorância e audiência."

    
    
                     

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