Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

O ex-cabo Anselmo, jornalistas e historiadores

Victor Gentilli

 

Octávio Ribeiro, conhecido como “Pena Branca”, e Percival de Souza são repórteres policiais da velha e boa cepa. Octávio já é falecido; Percival é um veterano da reportagem. Ambos conseguiram duas façanhas que nenhum outro profissional alcançou. Entrevistaram o polêmico cabo Anselmo, uma das personagens centrais da história do Brasil no período 1964 a 1973. Anselmo desempenhou um papel importante nos episódios de março de 1964 que culminaram com o golpe militar. Liderava a Associação dos Marinheiros e seu discurso no aniversário da entidade, em 25 de março daquela ano, foi o argumento que faltava para a precipitação do golpe. Perto do teor de sua peroração, o discurso de João Goulart no comício de 13 de março, na Central do Brasil, era conversa de liberal…

Após o golpe, Anselmo exilou-se numa embaixada, foi preso, fugiu da prisão, esteve em Cuba e outros países. Mais tarde retornou ao Brasil. Em 1971 mudou de lado e decidiu delatar seus companheiros. Até 1973 operou como agente duplo. Foi responsável pela morte de pelo menos oito pessoas, dentre elas Soledad Viedma, sua jovem companheira que, segundo versões, estaria grávida de sete meses de Anselmo.

A história brasileira deve o conhecimento desses fatos aos jornalistas Octávio Ribeiro e Percival de Souza. O asco, o desconforto, o ódio, até mesmo a preguiça impediriam que um historiador tivesse acesso ao ex-cabo. Jornalistas com o perfil de “Pena Branca” e Percival de Souza cumpriram, assim, uma importante tarefa na reconstrução da história recente do país.

A fala de Anselmo é uma versão, claro. Aliás, várias. A Octávio Ribeiro afirmou que entregou-se voluntariamente em 1971, quando iniciou sua colaboração com a repressão do regime militar. Qualificava a versão com a afirmação, recorrente, de que fora uma escolha “em liberdade”. Já na entrevista a Percival de Souza, diz que foi preso pela equipe do delegado Fleury e após um “amaciamento” decidiu colaborar. Detalhes a serem confirmados, se possível.

Entrevistado por Octávio Ribeiro em 1984, Anselmo revelou uma versão e algumas omissões em relação à sua entrevista a Percival de Souza, em 1999. A entrevista de “Pena Branca” teve duas versões: uma da revista IstoÉ, outra em um livro publicado pela Editora Global. A entrevista concedida a Percival de Souza já teve duas versões – na revista Época e no site da revista Época. Os trechos das entrevistas não são exatamente os mesmos. Percival, conforme informou no Observatório da Imprensa na TV, pretende também fazer uma versão em livro.

A versão em livro pode resolver algumas dúvidas que ainda permanecem:

  • Já em 1964 Anselmo não era confiável. Segmentos importantes do Partido Comunista Brasileiro consideram-no agente da CIA. A tese parece fantasiosa, mas vale a pena uma investigação histórico-jornalística.
  • Em 1966, Anselmo foge da prisão. O episódio não está esclarecido.
  • Há um período da vida de Anselmo, entre 1966 e 1971, com muitas lacunas. Cabe investigar.
  • O período da traição. Até para diminuí-lo, companheiros de Anselmo reduzem sua importância como traidor. É indiscutível que as oito mortes do Recife foram causadas por ele. Anselmo falara em mais de cem mortes quando entrevistado por Octávio Ribeiro

Cabe aos historiadores debruçarem-se sobre o material colhido pelos repórteres, e sistematizar velhas e novas questões e incongruências.

 

“Conversar com Joel Silveira vale tanto quanto ler suas histórias de repórter e seus contos, espalhados em 38 livros, lançados em 60 anos de jornalismo. Aos 80 anos e com a memória privilegiada em forma, o correspondente dos Diários Associados que cobriu a aventura da Força Expedicionária Brasileira (FEB) na Segunda Guerra Mundial relembra casos que são um deleite para quem aprecia narrativas sobre a vida política brasileira entre os anos 30 e 70. Joel foi o tipo de repórter sortudo, sempre no lugar certo e na hora certa. Por outro lado, pior para aqueles que estiveram diante dele no lugar errado e na hora errada. Ele não perdoa, por exemplo, a decisão do Partido Comunista Brasileiro que autorizou o escritor Jorge Amado a dirigir uma revista nazista porque Stalin assinara um pacto de não-agressão com Hitler – que praticamente entregou a Polônia ao exército nazista.

Nesta entrevista exclusiva [© Gazeta Mercantil, 1-4/4/99], além de fazer revelações sobre a promiscuidade que marcou a relação entre parte dos intelectuais e o Departamento de Imprensa e Propaganda do Estado Novo, Joel explica por que dedicou um livro de 650 páginas a contar seus 12 primeiros meses no Rio, entre os tumultuados anos de 1937 e 1938. O livro, o recém-lançado Na Fogueira – Memórias, foi o vencedor do Prêmio Machado de Assis, da Academia Brasileira de Letras, e narra como um garoto de 19 anos trocou a pequena Aracaju, no Sergipe, pela capital federal para estudar Direito. Mas o que ele queria mesmo era ser jornalista. Joel chegou com dinheiro suficiente apenas para pagar três meses de pensão. Entre um bico e outro, caiu na panela do diabo: acompanhou o golpe que impôs o Estado Novo, viu a explosão do movimento integralista – ouviu da janela de um sobrado os tiros do cerco a Getúlio pelos ‘galinhas verdes’ de Plínio Salgado –, a efervescência do nazismo no Brasil e a violenta repressão do Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP). Como se não bastasse, foi arrastado pelo irmão comunista para distribuir panfletos sem se dar conta do risco que corria: acabar nas salas de tortura da Polícia Federal de Vargas, treinada pela Gestapo de Hitler para punir os inimigos da ditadura.

No livro, Joel lembra suas aventuras com humor, misturando o malabarismo que fazia para pagar um quarto de pensão e garantir a comida e o deslumbre por uma cidade que vivia seus tempos áureos. Até que se abrigou nas páginas do hoje esquecido jornal Dom Casmurro, importante publicação literária que circulou nos anos 30. De repente, estava convivendo com Graciliano Ramos, José Lins do Rêgo, Cecília Meireles, Oswald de Andrade, Jorge Amado e Marques Rebelo, entre tantos.

Enquanto faz as revisões de Mão e Contramão, que reúne suas memórias e reportagens dos anos 60 e 70 – a ser lançado pela Mauad em setembro –, Joel anuncia que já tem pronta a continuação de Na Fogueira – Memórias, referente aos anos de 1939 a 1944, véspera de seu embarque para cobrir a FEB na Itália.

Se o senhor conta um único ano num livro, quantos serão necessários para contar toda a sua vida?

Joel Silveira – (Risos) Nesse livro, conto como minha chegada ao Rio coincidiu com um momento crucial da história do Brasil, em fevereiro de 1937. Aquele foi um ano terrível. Então procurei fazer um contraponto: conto um pouco da minha história – que não tinha qualquer importância – e os fatos políticos que ocorreram. Eu já tinha alguma formação política, pois desde os 14 anos presidira um grêmio e escrevia em jornal operário. Eu acompanhava muito a política porque meu pai e meu irmão mais velho assinavam quase todos os jornais e revistas do Rio. Ao mesmo tempo, tinha um irmão em São Paulo que era do Partido Comunista. Eu estava entrosado.

O senhor chegou e já foi engolido sem querer pelas tarefas do Partido Comunista?

Joel – Tenho a impressão de que a minha vida se resume a 1937. Meu primeiro emprego mais ou menos certo foi no Dom Casmurro, do Álvaro Moreyra, que era um jornal esquerdista. E meu irmão começou a mandar de São Paulo material do partido para que eu distribuísse aqui no Rio. Era uma tarefa arriscada, mas ele sempre mandava um dinheirinho dentro; como eu vivia de biscate, aquela era uma ajuda muito útil.

‘Dom Casmurro’ foi uma publicação literária importante?

Joel – Era o único jornal literário do país. Pela sua redação passava todo mundo, todos aqueles escritores que eu já conhecia de nome, de Aracaju. Fui fazendo amizade com todos eles – José Lins do Rego, Oswald de Andrade, Anibal Machado, Adalgisa Nery, Jorge Amado, Marques Rebelo. O Graciliano Ramos não, ele eu fiz questão de ir conhecer pessoalmente na José Olympio.

Aquela foi a melhor época da literatura brasileira neste século?

Joel – Acredito que foi, depois da Semana de Arte Moderna de 1922. Claro, foi um movimento que não começou em 1937, mas culminou naquele ano. Primeiro, tivemos a explosão da literatura nordestina no mercado editorial, com autores como Graciliano, José Lins, Jorge Amado, Raquel de Queiroz, José Américo Almeida. O José Américo, na verdade, foi quem começou tudo, com A Bagaceira, o primeiro livro a trazer a questão da essência nordestina. Então os jornais começaram a falar, a querer saber o que estava acontecendo. Havia também um marasmo depois de 22 – dez ou doze anos em que não se fez praticamente nada. Parecia que as idéias de 22 haviam empacado. Assim, 1937 foi um anos efervescente sob o ponto de vista literário, cultural e político, principalmente. Quando estava no auge, veio o golpe do Estado Novo.

‘Dom Casmurro’ estava mesmo sozinho no mercado?

Joel – Não, não. Havia uma porção de jornais literários, mas de vida efêmera. A concorrente do Casmurro era a Revista Acadêmica, de Carlos Lacerda e Murilo Miranda, que tinha colaboradores como Rubem Braga, Moacir Werneck de Castro, Arnaldo Pedroso D’Horta e outros. Do lado de cá, no Dom Casmurro, estavam Álvaro Moreira e o pessoal novo que chegava. Eram publicações contemporâneas e concorrentes. E havia também a José Olympio, que era uma editora de prestígio fantástico. Todo mundo queria ser editado por ela e sua livraria funcionava como um ponto de encontro de intelectuais todas as tardes. Ou o pessoal ia para lá ou passava no Dom Casmurro ou na Revista Acadêmica, ou em todas. As três ficavam próximas, naquele quadrilátero entre a Rua do Ouvidor e a Cinelândia.

Além de artigos políticos ‘Dom Casmurro’ pesquisava o furo, a notícia literária?

Joel – Éramos o único jornal do gênero com circulação nacional. Vendia muito em São Paulo. Tirávamos 50 mil exemplares por semana, o que era extraordinário. Todos os literatos do Brasil escreviam ou visitavam a redação quando passavam pelo Rio e Dom Casmurro ficou como um ponto de referência para todos da esquerda. É curioso hoje folhear a coleção do jornal porque ali você tem um retrato de todo mundo. Jorge Amado criou um concurso literário para romance, em 1938, e vieram originais de todo o canto. Todo mundo tem um romance na gaveta. O diretor Brício de Abreu era muito amigo dos filhos do Ramalho Ortigão, donos do primeiro shopping center do Brasil, o Parque Royal, e descobriram as cartas inéditas que trocou com Eça de Queiroz; duplicamos a tiragem porque nem Portugal conhecia essa correspondência. A edição sobre o centenário de Machado de Assis foi antológica, teve mais de 200 páginas, todo mundo escreveu. A gente sempre publicava algum capítulo inédito de grande escritor, como Graciliano Ramos e José Lins do Rêgo.

Havia uma polarização radical entre esquerda e direita em 1937. Parece que o DIP soube tirar proveito disso para atrair intelectuais para o lado do governo, não?

Joel – Naquele momento, ou você era do lado de cá ou do lado de lá, isto é, do governo. Lourival Fontes, comandante do DIP, era um fascista e um homem fabulosamente inteligente. Um sujeito culto, lia tudo, inclusive escrevia muito bem. Acabou socialista (risos). Veja você que fui eu quem endossou o nome dele para entrar no Partido Socialista… Fiz isso pelo homem que me perseguiu a vida inteira. Um dia, durante o Estado Novo, fui com Joracy Camargo a uma granja que ele tinha na região serrana do Rio e ele fez questão de me pegar pela mão, pois sabia que eu era de esquerda, e me mostrou uma parede forrada de livros e me perguntou: ‘Sabe o que é isso aí? Todos os livros sobre fascismo. Eu sei mais sobre fascismo do que o Mussolini. Tenho as obras completas de Mussolini com dedicatória dele’.

Lourival sabia da importância de seduzir intelectuais para o governo?

Joel – Não tenha dúvida. Ele era maquiavélico, sabia o que estava fazendo. Tanto que se casou com Adalgisa Nery, que era de esquerda e a grande paixão do Murilo Mendes. O Lourival, fisicamente era o oposto do Murilo, um sujeito alto, bonitão, bem educado; Lourival tinha um olho torto, cabelo sempre caído do lado. Ele corrompia com dinheiro, mas era honestíssimo. Com sua astúcia, sabia que poderia tirar proveito dividindo a esquerda. O pessoal (escritores e jornalistas) vivia mal e, logo que ele chegou ao DIP, criou uma revista chamada Cultura muito bem feita, muito bem paginada e com dinheiro do Erário. Era inspirada numa revista italiana simpatizante de Mussolini.

Ela foi criada para fazer oposição a ‘Dom Casmurro’?

Joel – Lourival queria duas coisas: acabar com Dom Casmurro e comprar os intelectuais de esquerda. O pior era que nosso jornal não pagava pelas colaborações. A gente recebia um valezinho que não dava nem para pagar o aluguel. Mas de lá a gente arrumava uns bicos. Enquanto isso, Cultura oferecia dois contos de réis por colaboração, uma fortuna na época. Tinha gente que estava devendo aluguel havia quatro ou cinco meses, e uma só colaboração no Cultura botava a vida em dia. Muita gente não resistia, muito mais por necessidade.

Quem é o escritor ilustre que colaborou com DIP, de quem o sr. fala no livro sem citar o nome?

Joel – Eu não gosto de falar no nome desse escritor porque era uma pessoa fantástica, por quem até hoje tenho uma admiração muito grande; ele tinha acabado de sair da cadeia. É melhor não falar. É preciso entender que ele estava para ser despejado com a família.

Graciliano Ramos?

Joel – Graciliano só escreveu um conto. O Anibal Machado também escreveu. Mas ninguém defendia o Estado Novo; eram colaborações literárias, crônicas, resenhas. Oswald de Andrade também escreveu. Ele era bem moleque, piadista, gostava de fazer graça.

Havia muita arbitrariedade no governo de Vargas – e seu livro mostra bem isso –, mas parece que a imagem do estadista e pai dos pobres se sobrepôs, não?

Joel – Getúlio fez coisas terríveis. Filinto Müller mandou gente sua aprender métodos de repressão com a Gestapo. Filinto mandou a mulher de Prestes, Olga, grávida, para Hitler. Aquilo foi vingança pessoal porque ele havia sido expulso da Coluna Prestes, acusado de roubar os fundos do movimento. Quando ele se viu no poder, não quis conversa. Tinha porões que eram uma coisa, o quartel-general da polícia de Filinto, e tinha o Dops.

O senhor acredita que o Estado Novo (1937-1945) reprimiu menos que o Regime Militar (1964-1985)?

Joel – Olha, não reprimiu mais porque demorou menos. Mas os processos de repressão eram os mesmos. Creio que a tortura durante o governo de Getúlio era mais ‘refinada’ porque sua polícia de repressão fora instruída pela Gestapo de Hitler. Os militares de 1964 eram broncos, torturavam com pau de arara – o que não quer dizer que fossem menos brutais. Mas o Getúlio não assumia a tortura. Ele sabia de tudo. Inclusive porque sua filha, Alzirinha, que era muito simpatizante dos estudantes e da esquerda, contava tudo para ele. Dizia: ‘Patrão, está acontecendo isso e aquilo’. Havia o navio “Dom Pedro”, que ficava ancorado no mar, cheio de presos políticos.

Em ambos os casos , a diferença não estava na eficiência da censura em esconder a tortura?

Joel – No caso do Estado Novo, as informações circulavam porque a Agência Nacional – que era do DIP e fazia aquelas campanhas horrorosas de louvação a Getúlio, enviava rolos e rolos de papel sobre Getúlio, dizendo que ele fez isso e fez aquilo – tinha pelo menos 50% de seu pessoal simpatizante ou pertencente aos quadros do PC. Era uma verdadeira infiltração. De modo que tudo que o DIP escondia a gente sabia, inclusive até antes da proibição, pois bastava passar pela galeria Cruzeiro ou pela Lapa à noite e o pessoal dava todo o serviço.

Essa ‘infiltração’ passava despercebida de Lourival?

Joel – Lourival era como o Roberto Marinho foi durante o regime militar – sabia que os melhores redatores eram comunistas. Ele queria fazer o melhor para Getúlio e, por isso, procurava o melhor texto, a melhor foto. Para isso, contratava o sujeito, mas o xingava e avisava: ‘Eu sei que você é comunista e estou de olho em você’.

Como Lourival controlava as rédeas desses subversivos?

Joel – Ah, ele fez uma triagem e colocou nos cargos de confiança pessoas que lhe davam segurança, como o Licurgo Costa, o Lincoln Nery. Tudo passava por essas pessoas, que prestavam atenção para ver se havia alguma informação insidiosa, uma frase que levasse algum tipo de mensagem subversiva – comunista é fogo para fazer isso.

Filinto Müller foi o tipo de ‘vilão’ que não recebeu a atenção merecida dos historiadores?

Joel – Alguém ainda tem de contar a história dele. Esse homem foi senador da República, foi cacique, teve um papel importante na ditadura militar. O David Nasser chegou a escrever alguma coisa, mas o Nasser era panfletário. É preciso alguém que conte uma história isenta, fria, feita por um jornalismo investigativo mesmo. A história não pode ser escrita por um contemporâneo dele porque não é possível ser imparcial diante de uma figura daquelas.

Voltando à literatura, havia também as birras pessoais dos escritores, como a famosa raiva que Marques Rebelo nutria contra os autores nordestinos. O senhor acompanhou isso?

Joel – Esse era o lado cômico daquilo tudo. Rebelo gostava de brigar por tudo e procurava sarna para se coçar, apesar de ter um físico franzino. Ficou famosa a surra que levou do Osvaldo Orico na José Olympio. O culpado disso foi o Josué Montello. Orico escrevia na Careta e assinava as iniciais ‘O. O.’. Rebelo, então começou a fazer graça, chamando-o de ‘Double Zero’. Montello brincou com Orico, que não gostou. Um dia, os dois se encontraram e foi um deus-nos-acuda. Essa história quando era contada pelo Zé Lins do Rêgo era de morrer de rir.

E a implicância dele com os nordestinos?

Joel – Rebelo tinha horror dos nordestinos. Acho que era porque eles vendiam muito e ele não (riso). Ele queria jogar os mineiros contra os nordestinos. Mas o Jorge não topava as provocações.

Por falar em Jorge Amado, ele é uma das personagens de seu livro de memória?

Joel – Ninguém podia calcular que, às vésperas da guerra, Stalin entregasse a Polônia a Hitler, e isso chocou o mundo esquerdista inteiro. Mas havia as chamadas ‘ordens de Moscou’, que eram aceitas sem discutir. Diziam apenas: ‘O bigodudo sabe o que faz’, ‘é estratégia’, “esse bigodudo poderia estar fazendo aquele pacto?” Por isso, o Partido Comunista autorizou Jorge para dirigir aqui no Rio – e o Oswald de Andrade em São Paulo – o suplemento literário do jornal Meio Dia, editado por Joaquim Inojosa com dinheiro da embaixada alemã. Aquilo foi um negócio nojento. Não que o Jorge escrevesse elogiando Hitler. Era como a revista Cultura de Lourival, com colaborações literárias. Monteiro Lobato também publicou um conto no caderno. Claro que esse suplemento publicava artigos contra o imperialismo inglês, mas nada assim frontalmente.

O próximo volume de suas memórias cobre que período?

Joel – Cobre uma época em que eu já tinha perdido a inocência; estava na selva, atuando na imprensa sob um regime autoritário. Pouca coisa podia ser dita e a gente escrevia sempre ouvindo ‘Isso não pode’, ‘aquilo não pode’.

O sr. chegou a ser preso?

Joel – Não, não. Em 1944, eu já trabalhava num semanário de Samuel Wainer, Diretrizes, que era um dos poucos que faziam restrições a Vargas dentro da medida do possível. A maneira de ‘beliscar’ – digamos assim – o Estado Novo era escrever sobre os Estados Unidos, democracia americana, material que a embaixada americana mandava. O leitor era inteligente e percebia logo a intenção da revista.

O DIP respondia cortando a importação de papel?

Joel – Completamente. Diretrizes, por diversas vezes, quase deixou de sair. E isso só não aconteceu porque os jornais, mesmo os contrários, como os Associados, emprestaram papel, restos de bobina. O papel era importado da Finlândia e do Canadá. Com a guerra e o racionamento, era aquela história: aos amigos do governo, papel de sobra; aos inimigos, nada.

Mas esse controle do governo era anterior ao Estado Novo?

Joel – Não, foi o Lourival Fontes quem criou isso. Nos mesmos moldes da imprensa na Itália e na Alemanha. Lourival era fortíssimo, mas foi enfraquecido porque em 1942 houve o torpedeamento dos navios, a UNE pressionou muito porque era muito forte, diferentemente de hoje. Antes os estudantes iam para a rua, ficavam ao lado do povo, das causas populares. Os estudantes daquela época estariam hoje ao lado dos sem-terra, por exemplo, mas o que você vê é a UNE pedindo audiência ao presidente da República para dar direito a meia-entrada nos cinemas.”

(*) Copyright © Gonçalo Jr, Gazeta Mercantil, 1-4/4/99

 

“O empresário Assis Chateaubriand, dono da maior cadeia de rádio, jornal e televisão do Brasil entre os anos 30 e 60, deixou uma imagem histórica de simpatia por causa de seu espírito empreendedor. Tal característica, no entanto, confunde-se com uma leitura mais subjetiva da intrigante personagem: egocentrismo que chegava a ser doentio, movido por um comportamento muitas vezes desonesto. O homem que trouxe a TV para o Brasil em 1950 – a quarta do mundo – e construiu o Museu de Arte de São Paulo (Masp) costumava atingir seus propósitos graças à utilização de métodos reprováveis, que lhe permitiu desenvolver seu império, arrancando dinheiro e favores forçados de empresários e políticos. Para isso, usava seus jornais e emissoras de rádio e TV para fazer chantagem. Não raro, tentava demolir seus desafetos com violentas campanhas de difamação.

Chatô, claro, sempre procurou cercar-se de pessoas leais, algumas dispostas a colocar em prática esse tipo de pressão. Esses senhores de confiança eram principalmente jornalistas, para quem a veracidade da notícia muitas vezes dependia dos propósitos de Chateaubriand. Poucos profissionais foram tão competentes nessa tarefa quanto o repórter Edmar Morel (1912-1988). Por quase uma década, entre 1937 e 1948, Morel projetou seu nome por todo o país pela rede de jornais e revistas dos Associados, relacionando-o a furos jornalísticos legítimos e matérias de veracidade duvidosa que lhe custaram desafetos, acusações e processos.

Morto há dez anos, Morel deixou um livro de memórias inédito – Histórias de Repórter –, ditado a sua mulher pouco antes de morrer. Somente agora a obra está sendo lançada pela Record. No livro, Morel contou sobre episódios importantes da história do Brasil e, em alguns deles, participou diretamente e deu sua versão como realizou suas principais reportagens. Com um texto rancoroso, às vezes arrogante e preconceituoso, a autobiografia de Morel é principalmente um desfile de mágoas contra jornalistas que conviveram com ele em meio século de profissão. Poucos escaparam de seus odiosos adjetivos. Sobre Celso Kelly, ele o descreveu como ‘meloso por excelência, era um subliterato’; Berilo Neves: ‘simplesmente fútil’; Nestor Moreira: ‘dado ao seu estado permanente de embriaguez, não escrevia’; Bráulio Guimarães: ‘amoral e anormal, despido de qualquer escrúpulo’; e Carvalho Neto: ‘não era apenas um pobre secretário, era um emproado, incapaz de escrever uma nota de aniversário’. Marcos André foi reduzido a um sujeito ‘repulsivo’.

Depois de deixar as empresas de Chatô , ele foi trabalhar com Samuel Wainer na revista Diretrizes e, nos anos 50, no jornal Última Hora. Com Wainer não foi diferente: Morel vestiu a camisa política de seu patrão do mesmo modo que se tornou o repórter favorito de Chateaubriand. David Nasser, o pivô da saída de Morel dos Associados, é citado com destaque. Depois de reconhecer algumas de suas qualidades profissionais, ele espinafra: ‘Nasser era, todavia, despido de qualquer caráter. Suas reportagens eram constantemente montadas num esquema de mentiras, porém rendoso do ponto de vista comercial’.

O mesmo poderia ter dito Morel, quando observados episódios que ele criou em meio século de jornalismo. Um caso curioso de novembro de 1953, ‘esquecido’ em suas memórias, envolveu Roberto Marinho. Para rebater as denúncias de que teria sido favorecido com empréstimos do Banco do Brasil para a fundação do jornal Última Hora, Wainer encomendou ao repórter uma série de reportagens que pudesse colocar em dúvida a honestidade de Marinho. Na ocasião , o dono de O Globo era o maior editor de revistas de contos policiais e de histórias em quadrinhos do país. Morel, então, montou uma denúncia que tentava responsabilizar o empresário pelo crescimento da criminalidade infanto-juvenil no Rio de Janeiro, uma vez que suas revistas estavam incentivando a garotada a cometer crimes. Morel partiu de uma polêmica tese do psiquiatra americano Fredric Werthan e ouviu juristas, médicos e padres para dar legitimidade à denúncia. Por duas semanas, Marinho foi destaque nas páginas policiais do jornal como o ‘tubarão da subliteratura’ que devia 60 milhões de cruzeiros à Caixa Federal.

Contemporâneos de Morel costumam lembrá-lo como um repórter obstinado que costumava encarar suas reportagens como se fossem a primeira; alguém empenhado em conseguir o furo jornalístico. Esses mesmos colegas ressalvam, porém, que ele se ‘perdia’ quando misturava jornalismo com politicagem. Mesmo assim, o retrato não-romântico de Morel sobre as redações – competitivo e pouco leal – fez com que seu livro possa ser visto como um registro que merece atenção, mas que deve ser lido com outras referências bibliográficas sobre a imprensa brasileira. Nesse período, começou a industrialização do país, e, timidamente, iniciou-se a modernização da imprensa brasileira. Nesse momento, jornalistas como Morel, Carlos Lacerda, Joel Silveira e David Nasser ganharam projeção de estrelas, graças principalmente à valorização do furo jornalístico.

As lembranças de Morel são seletivas e deixam de fora alguns episódios polêmicos em que esteve envolvido ou deu ao assunto um tratamento à sua conveniência. Uma curiosidade comum na época era o fato de alguns repórteres criarem e até provocarem notícias. Morel relembrou dois exemplos que se encaixam nesse caso. Em abril de 1939, com o explícito propósito de agradar Chateaubriand – que fazia uma campanha para expandir a frota brasileira de aviões –, ele produziu, em Santa Cruz de Cabrália e Porto Seguro, um show para a chegada do projeto de rede aérea Rio-Porto Seguro-Rio que emocionou o empresário e virou notícia em todo país. Numa outra ocasião, levou a cantora Josephine Baker a um terreiro de macumba na Baixada Fluminense.

Morel trocou o Ceará pelo Rio em 1932, aos 20 anos de idade. Depois de uma passagem rápida e polêmica pelo O Globo – quando tentou mobilizar a redação para exigir a demissão do secretário de redação, José Maria Pereira –, caiu nas graças de Chatô. Começou nos Associados como redator do Diário da Noite, O Jornal, Agência Meridional e colaborador de O Cruzeiro. O próprio jornalista recordou: ‘Passei a ser chamado com freqüência ao gabinete do dr. Assis, como o tratava. Era um homem imprevisível, capaz de gestos mais nobres, porém mesquinho quando irado (…) Vestia-se de maneira horrível, sempre com calça diferente do paletó, sapato de duas cores’.

Entre as poucas confissões está a do emprego público que acumulou no Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP) durante o Estado Novo. O DIP era o órgão responsável, entre outras arbitrariedades, pela censura à imprensa. Sobre o episódio, recordou: ‘Alfredo Pessoa, que era também diretor de divulgação do DIP, à minha revelia nomeou-me posteriormente redator do órgão oficial, função que nunca exerci. Era, sim, encarregado de controlar a marcha dos livros e plaquetas nas oficinas, entregando os originais aos revisores’. Morel perdeu o cargo quando fez uma reportagem sobre o drama de mulheres, idosos e crianças que disputavam restos de comida da base aérea americana instalada no bairro de Ibituba, em Recife. O texto e as fotos passaram despercebidas pelo censor do DIP.

Mas Morel também fez revelações importantes em suas reportagens. Entre as matérias que lhe deram popularidade, algumas merecem destaque. Uma deles foi a entrevista que fez com Manso de Paiva, o assassino do general gaúcho Pinheiro Machado, presidente do Partido Republicano, latifundiário da República Velha. Coube a ele também desmascarar o episódio conhecido como ‘Carta Brandi’, em 1955, quando Carlos Lacerda fez tudo para impedir a posse de Juscelino e Jango e pregou abertamente um golpe. O pretexto encontrado por ele seria uma carta que seu jornal Tribuna da Imprensa atribuiu ao deputado argentino Antonio Brandi, na qual foi revelado um suposto plano de Jango e o presidente argentino Perón para instalar uma república sindicalista no Brasil. A operação incluía contrabando de armas da Argentina para a fronteira brasileira. Morel estava na Argentina e teria arrancado do deputado a informação de que tudo não passava de um documento falsificado por Lacerda.

Morel também revelou que o inventor brasileiro Alberto Santos Dumont não morreu de morte natural, mas de suicídio. Sua descoberta, incontestável, aconteceu por acaso. Dumont fora encontrado morto no Hotel La Plage, em 1932. Na época, o médico legista Roberto Catunda assinou o óbito como morte natural. Quando passava pelo hotel, o repórter perguntou à camareira se conhecera o inventor do avião. A moça fez, então, a revelação. Algum tempo depois, Morel conseguiu do delegado Raimundo de Menezes, que investigou o caso, uma carta em que afirmava ter Santos Dumont se enforcado com a própria gravata num hotel no Guarujá, litoral paulista. O Cruzeiro publicou a carta, mas a família negou o fato.

Uma farsa que tornou Morel conhecido internacionalmente e que viria a abalar sua credibilidade aconteceu em 1943, quando Chateaubriand lhe pediu para desvendar o mistério do explorador inglês Percy Harrison Fawcett, o coronel Fawcett, que desaparecera vinte anos antes, numa expedição na floresta amazônica. O repórter fez uma série de entrevistas com o explorador brasileiro Marechal Rondon e revelou pela primeira vez quanto o aventureiro inglês recebeu em dinheiro do governo brasileiro para realizar sua expedição. Ele teria descoberto que Fawcett fora morto na aldeia dos kalapagos após agredir índios que se recusaram a acompanhá-lo até a Serra do Roncador. Teria encontrado também um índio branco, Dulipé, que seria neto do explorador. Morel não contou que pelo menos parte de sua história era uma farsa, desmascarada pouco depois por exame de sangue. Descobriu-se que se tratava de um índio albino.

Uma das lembranças de adolescência de Edmar Morel, no Ceará, foi o episódio em que ele fugiu com um pequeno circo que passara por seu bairro. O circo era tão pobre que tinha um único animal, uma macaca.

Localizado por um delegado num município vizinho, acabou recambiado. Antes, porém, ajudou a divulgar o espetáculo numa pequena cidade e convenceu muita gente a vê-lo. ‘Por alguns dias fui herói para a meninada da Rua da Cruz e, cansado de repetir a mesma história, resolvi aumentá-la, colocando uma onça nela. Foi um sucesso: a mentira criou asas, e no final eu já havia matado o felino a pauladas.’ Edmar Morel parece ter gostado tanto da experiência que a repetiria diversas vezes ao longo de sua carreira profissional.”

(*) Copyright © Gonçalo Jr., Gazeta Mercantil, 1-4/4/99

 

“As memórias do jornalista cearense José Carlos Bardawil, O repórter e o poder, que acabam de lançadas pela Editora Elegro, servem de contraponto à biografia de Edmar Morel no que se refere às relações da imprensa com os políticos. Ao contrário do repórter dos Diários Associados, Bardawil deixa de lado a visão romântica da profissão para falar de um assunto que entendia como poucos: a relação de promiscuidade que marcou a imprensa e o poder em Brasília nos anos 70 e 80 – bem mais intensa que em outras cidades, devido, principalmente, ao isolamento da nova capital. Com o cuidado de não comprometer sua imagem de repórter obstinado pela notícia, Bardawil faz uma radiografia minuciosa de como muitos jornalistas sucumbiam a generosos salários do Senado e da Câmara Federal, a viagens gratuitas ao exterior e a apartamentos gratuitos financiados pela Caixa Econômica Federal.

Morto prematuramente aos 54 anos, em 1997, vítima de câncer, Bardawil parecia saber que sua luta contra a doença estava perdida, e falou com franqueza sobre sua carreira – embora às vezes pouco convincentemente – durante 20 horas ao atual redator chefe da revista IstoÉ, Luciano Suassuna. Bardawil chegou a Brasília em 1968, como repórter da recém-fundada Veja, e tinha o projeto de tornar-se o maior repórter de política do país, como costumava dizer. Para isso, desenvolveu métodos próprios de apuração, como esconder-se debaixo de mesas e no banheiro ou disfarçar-se de funcionário da companhia telefônica para participar de reuniões de políticos. Sua ousadia, segundo ele, teria lhe custado o ódio incontido de colegas acostumados à troca de favores com o poder.

Em quase três décadas, entre idas e vindas, Bardawil trabalhou, além de Veja, em O Globo, Senhor e IstoÉ. Entre as confissões de sua incontida busca pela ascensão profissional, ele narra em seu livro histórias envolvendo presidentes, generais, ministros, senadores e deputados em reportagens que lhe renderam vários furos. Entre os pecados cometidos, ele recorda que, aos 15 anos, para aparecer na primeira página do Correio do Ceará, inventou uma longa reportagem sobre a festa de aniversário do papa Pio 12 – desmentida no dia seguinte por uma agência internacional – que quase lhe custou o emprego. Confessa também que recebia comissões de anúncios que conseguia durante suas reportagens para os Associados e que resolveu sair de Veja em 1973 apenas pela frustração de ter sido preterido na sucursal da revista em Brasília.

Em 1970, Bardawil protagonizou um episódio que, segundo ele, teria lhe rendido o isolamento dos colegas e acusações de traídos, quando convenceu um sobrinho do senador e ex-torturador do Estado Novo Filinto Müller a publicar as cartas que trocava com o tio. O jornalista prometeu ao parente de Müller que atribuiria a ele, em sua matéria, o grau de herdeiro político do tio. ‘A fonte só quer dar a notícia que interessa a ela. E algumas vezes você tem que enganar a fonte. É um jogo. Ela também quer te enganar. Usei a vaidade dele para ver se conseguia a informação e consegui. Eu acho que é válido’, justifica.

Noutra ocasião, Bardawil diz que trocou o financiamento quase de graça de um apartamento por um furo de reportagem. A história teria sido assim: havia um programa de financiamento de imóveis criado pelo Congresso para bajular jornalistas cuja prestação era quase simbólica. Como vinha colecionando inimigos, Bardawil não conseguia receber as chaves. Até que procurou um secretário responsável pela distribuição dos imóveis e lhe propôs trocar seu nome no programa de financiamento por outro de algum amigo do secretário, desde que lhe contasse os detalhes da demissão do governador do Paraná, Leon Perez. A proposta teria sido aceita.

Uma das tentativas mais ousadas de ‘jabá’ – uma das muitas denominações para os presentes dados a jornalistas com segundas intenções – contadas por Bardawil aconteceu no Mato Grosso, nos anos 70. O líder local da Arena queria que ele ‘plantasse’ uma nota em O Globo sobre o suposto candidato ao governo estadual em troca de uma pasta recheada de dinheiro. Ao ver sua recusa, o político se surpreendeu: ‘Eu não estou entendendo: afinal de contas o senhor é ou não jornalista’?

A conclusão sobre a biografia de Bardawil é que, para ele, seu principal desafio profissional era enfrentar a concorrência de seus próprios colegas de profissão. De duas formas: envolvendo-se na disputa pelos cargos de chefia nas principais publicações onde trabalhou – onde competência se confundia com amizade –; a outra, mais selvagem, estava em resistir ao fascínio da riqueza rápida e da vida confortável que o poder oferecia aos repórteres que adotassem o chamado jornalismo ‘chapa branca’. Ele recorda, por exemplo, que levou dois chutes na canela de um colega, por ter feito uma pergunta ‘impertinente’ ao presidente da Câmara dos Deputados, Flávio Marcílio, em 1972. Marcílio era conhecido como ‘o homem do jabá’. Bardawil cita nomes desses agraciados e se questiona se teria valido mesmo a pena não ter cedido às tentações do poder. O caso do presidente do Comitê de Imprensa da Câmara, Tomás Coelho, foi exemplar, segundo Bardawil. Além de acumular o cargo de repórter no Jornal do Brasil e na Folha de S. Paulo, Coelho recebia salários do Instituto de Colonização e Reforma Agrária (Incra), da Câmara dos Deputados e da Assembléia Legislativa do Ceará. Ele tinha chegado a Brasília em 1972 e teria ficado rico em três anos. ‘Ele vivia no Lago, fazia festas, recebia deputados. (…) Então, sempre ganhei cinco vezes menos que ele, embora fosse mais famoso, mais conhecido’.

Apesar de criticar as relações entre imprensa e poder e de nunca ter acumulado emprego público, Bardawil acaba não sendo muito convincente quando explica o fato de inscrever-se em quase todas as promoções criadas pelos deputados e senadores para bajular a imprensa. Uma delas, as famosas viagens para o exterior com direito a diárias para membros do Comitê de Imprensa do Congresso. Seu nome nunca era escolhido porque não gostavam dele. Bardawil chegou a comprar briga, mas desistiu. Sobre seu envolvimento nesses benefícios, ele admitiu: ‘Sim, eu estava envolvido, digamos, na onda. Porque eu realmente não tinha posição sobre isso. Hoje tenho’”.

(*) Copyright © Gonçalo Jr, Gazeta Mercantil, 4/4/99