Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

O fato e a notícia

SALA DE AULA

Pedro Celso Campos (*)

1. O lead

A notícia usada como informação, no jornalismo, tem duas partes muito claras: Entrada e Corpo. A entrada, ou lead, informa resumidamente o que aconteceu, com técnicas que visam "prender" a atenção do leitor para conduzi-lo ao corpo da matéria, onde o fato será explicado com mais detalhes e contextualização.

Na pressa do fechamento ou para simplificar o trabalho mesmo, a maioria dos jornalistas começam a matéria na ordem direta ("O Presidente da República disse ontem, em Belo Horizonte, que o Governador Itamar Franco está blefando. O motivo do comentário foi a anunciada intenção do governador mineiro de mandar a Polícia Militar Mineira ocupar a Usina de Furnas se o Governo Federal insistir na idéia de privatizar a empresa").

Com um pouco mais de tempo e criatividade, o repórter pode abrir a matéria de forma menos simplista, talvez com uma declaração interessante do Presidente ("Se ele ocupar nós vamos desocupar", disse ontem o presidente, em Belo Horizonte, referindo-se…"), com algum dado que reflita a briga dos dois ("Preocupado com a ameaça do governador Itamar Franco de ocupar a estatal Centrais Elétricas de Furnas se a empresa for privatizada, o Presidente da República disse ontem em Belo Horizonte…"), ou com outra forma indireta ("Se depender do Presidente da República, o governador Itamar Franco já pode mandar a PM mineira ocupar Furnas porque o processo de privatização das estatais não vai parar. Foi o que deixou claro, ontem, em Belo Horizonte, o presidente FHC ao comentar….")

Na verdade há mil maneiras de abrir uma notícia.

O importante é que a abertura seja criativa mas não empolada como o antigo "nariz de cera", pois hoje o leitor não tem tempo a perder. Ser direto e ser criativo ao mesmo tempo é o grande desafio para quem precisa escrever bem e depressa.

Na notícia acima, o lead ou entrada responde a perguntas básicas para prender o leitor:

QUEM? ? o presidente da República

FEZ O QUE? ? disse que não está preocupado com a ameaça de Itamar Franco

QUANDO? ? ontem

ONDE? ? em Belo Horizonte

COMO?? ao comentar informações de que o governador pretende ocupar Furnas

POR QUÊ? ? porque o processo de privatização não pode parar

É recomendável que as quatro respostas iniciais venham logo no início da matéria, isto é, na abertura, conduzindo (daí a palavra lead ) a atenção do leitor para o corpo do texto onde haverá mais espaço para dar as duas últimas respostas (Como? Por quê? ) que o leitor cobra numa notícia completa, por menor que seja.

Um bom lead não precisa ter mais de cinco linhas. Se for preciso desdobrá-lo, pode-se usar um segundo parágrafo como sublead.

"O QUE" ? indaga sobre o fato.

"QUEM" ? refere-se ao protagonista da ação

"QUANDO" ? informa a data correta do evento

"ONDE" ? esclarece em que lugar o fato ocorreu

"COMO" ? descreve o modo

"POR QUE" ?esclarece os motivos que causaram o fato.

A "resposta" de abertura da matéria pode se referir a qualquer uma das seis perguntas básicas:

POR QUÊ? ? "Sentindo-se traído pela mulher, Joana da Silva, o pedreiro Joaquim Santos chegou em casa, no Jardim Alphaville, ontem à noite, embriagado e disposto a se vingar. Após violenta discussão, matou a mulher com três tiros à queima-roupa…"

COMO? ? "Com três tiros, à queima-roupa, após uma discussão, o pedreiro Joaquim Santos…"

ONDE? ? "Na casa número 130, da Rua Anchieta, no Jardim Alphaville, o pedreiro Joaquim Santos…"

QUANDO? ? "Ontem, às duas horas da madrugada…."

QUEM? ? "Joaquim Santos, 32 anos, pedreiro, residente na Rua Tal…"

O QUE? ? "Matar a mulher com três tiros foi a solução que o pedreiro Joaquim Santos deu a uma suspeita de traição".

Depois de satisfazer a curiosidade do leitor, o redator pode partir para explicações mais detalhadas que vão se situar no vértice da chamada "pirâmide invertida", de modo a não comprometer a compreensão da notícia se for preciso cortar o "pé" da matéria por falta de espaço. Observação: Usa-se o termo "pirâmide invertida" em contraposição ao estilo literário (pirâmide normal) onde o autor deixa o mais importante para o final, fechando o livro em clima de tensão e suspense (Amaral, 1987).

Antigamente os cortes no final da matéria jornal&iacutiacute;stica eram inevitáveis por causa da composição das linhas gráficas em chumbo. Com o off-set e, depois, com o computador, é possível reduzir o tamanho da notícia para que ela saia sem cortes. Mas isto também tem limites, pois o jornal tem necessidade de publicar o maior volume possível de notícias para não ser furado pelos concorrentes ou para tentar "competir" com os meios eletrônicos, afinal, para manter o leitor bem informado. De qualquer forma, a boa técnica manda sintetizar toda a notícia no lead, garantindo-se informação plena sobre o assunto. Conforme o espaço que lhe for destinado, o repórter poderá detalhar mais.

Esse detalhamento, respondendo ao "Por quê?" ou "Para quê?" vai dar o contexto social, econômico, cultural, histórico etc do fato. Quais os antecedentes? O que causou isto? Como se chegou a isto? O que motivou fulano de tal a dizer isto ou a fazer aquilo? O que este acontecimento vai significar? Quais os desdobramentos possíveis no caso? Que objetivos se buscam com isto?

Com essas respostas o repórter poderá dar um caráter interpretativo ao fato, talvez ouvindo outras fontes, citando pessoas que conhecem o assunto, como veremos ao tratar do gênero Interpretativo. Tudo vai depender do volume de informações que o repórter tiver em mãos e do espaço que lhe for destinado.

Nas reportagens há espaço para aberturas mais originais, mas isto veremos ao tratar exatamente das técnicas de reportagem. Na notícia é preciso seguir pelo menos o básico, isto é, dar logo o fato principal, a essência da informação. Se a notícia comporta vários fatos importantes, simultaneamente, é preciso escolher o mais impactante deles para começar.

Alguns autores acham desnecessária essa preocupação com o lead. Entendem que o mais importante é abrir a matéria de modo a torná-la interessante para o leitor e ir revelando aos poucos os detalhes da história. O que se deseja é que a noção de lead não se transforme numa camisa de força que possa prejudicar a criatividade do jornalista. Mas a resposta às perguntas clássicas não deve se afastar muito das linhas iniciais do texto se queremos passar uma informação inicial ao leitor mais apressado, àquele que faz uma "primeira leitura" e depois decide se entrará nos detalhes.

É fundamental que se tenha um estilo claro, correto, conciso, sem nenhum gasto supérfluo de palavras. Muito elogiado por um repórter iniciante que depois viria a se tornar o grande Ernest Hemingway, o manual de estilo do Star recomenda que o primeiro parágrafo da notícia empregue frases curtas, que seja breve, que tenha uma linguagem vigorosa sem esquecer a suavidade e que seja positivo, não negativo.

Para ser claro, por exemplo, é preciso algum cuidado na escolha das palavras e das frases. Palavras muito compridas dificultam a leitura. O mesmo ocorre com as frases muito longas. As frases da Associated Press, por exemplo, são construídas de modo a terem de 23 a 27 palavras. Outros textos dão como limites ideais 18 a 23 palavras (Amaral-1987). Mas o autor observa que não está no lead, na pirâmide invertida ou nas regras da estilística, apenas, a garantia de uma boa matéria. Há que se levar em consideração o interesse que poderá despertar no possível leitor. É preciso que a abertura da notícia fale ao leitor…e isto vai depender do interesse humano, vale dizer, do sentimento, da capacidade de sentir. Assim, ao selecionar os assuntos de abertura da matéria, o jornalista deve descobrir um ponto de interesse, de contato, uma brecha capaz de conduzir o leitor para dentro da matéria.

A palavra-chave da boa abertura, portanto, é criatividade. E não há criatividade sem sensibilidade, sem estar aberto para o que acontece em volta.

Uma boa técnica para despertar o interesse humano do leitor é escolher informações que lhe dizem respeito, diretamente, de modo que o leitor sinta-se incluído na matéria, identificado com ela, participante.

Alguns psicólogos defendem a seguinte escala de interesses, conforme registra Luiz Amaral: O próprio leitor (experiência quotidiana, trabalho, ambiente, ambições, curiosidades ), o próximo (família, vizinhança, comunidade); pessoas conhecidas (personalidades, artistas, heróis, "olimpianos" em geral); os homens em geral (sentimentos e preocupações de valor universal, mitos, grandes problemas ), animais (animais domésticos, animais exóticos, animais pré-históricos) além de sexo, morte,destino, dinheiro, tempo, piedade, generosidade, novas tecnologias etc.

2. Como encerrar

Muitos iniciantes têm dificuldade para abrir a matéria. Antigamente embolava-se a lauda iniciada que era jogada no lixo. Mas agora não há mais máquinas de escrever. Apaga-se o texto ruim no computador. O tempo, porém, é precioso na hora do fechamento. Por isto o mais recomendável é aproveitar a viagem de volta no carro da reportagem ? entre o local dos fatos e a redação ? para traçar mentalmente um plano de ação de modo que ao sentar-se diante do teclado não seja preciso recomeçar nada, iniciando-se com o fato principal e seguindo adiante com o plano já traçado, a menos que surjam fatos novos durante a redação do texto.

Outros não conseguem "fechar" a matéria. Sempre acham que falta alguma coisa para "arredondar" a notícia. Como sempre, cada caso é um caso. Há encerramentos que comportam uma citação que condensa o conteúdo da informação, um fato concreto que ajuda a entender melhor etc. Do contrário, basta encerrar quando o estoque de dados disponíveis se esgotar.

Todo gênero jornalístico é informativo. Não se pode noticiar, interpretar, opinar ou mesmo redigir um texto recreativo sem partir de uma informação qualquer. Para Cremilda Medina (Notícia, um produto à venda. São Paulo: Summus, 1988), "fora alguns espaços, como o da história em quadrinhos, por exemplo, onde a mensagem diversional (ou recreativa ) é diretamente vinculada com o lazer, fica muito difícil separar informação de distração no contexto da cultura de massa".

Ela também observa que "um grande incêndio ou acidente aéreo exige uma cobertura extensa, interpretativa; a queda de um governo ou de um regime cria espaço repentino em várias páginas; a morte de uma personalidade célebre pede um histórico, um perfil amplo. Mas na cobertura diária normal em que os telegramas refletem a rotina, a informação de consumo é o fato imediato de significação primariamente emocional".

Hoje os "telegramas" de que fala a autora são mensagens nacionais e internacionais via Internet. Mas a idéia é a mesma.

3. O corpo da matéria

No jornalismo "corpo" tem duas significações: o tamanho das letras usadas nas páginas do jornal e a parte da matéria que dá seqüência ao lead. O tamanho das letras também tem a ver com o tipo de fonte (ou "família de tipos") usada e com o espaço reservado para a matéria. Em geral o texto noticioso sai em corpo 12. Publicações legais, como editais, proclamas, classificados etc saem em corpo 8, 9 ou 10.

Interessa aqui tratar do corpo da matéria como espaço para detalhamento das informações contidas no lead. É o que se chama, também, "desenvolvimento do texto". O professor Nilson Lage ensina que os tópicos frasais devem formar parágrafos pequenos que terminem com expressões de transição ou com palavras-chave, de modo que um parágrafo interligue-se com o seguinte, evitando o texto desconexo que dificulta o entendimento do leitor.

Palavras e frases de transição dão continuidade e coerência à notícia através dos parágrafos. Indicam a relação que existe entre uma idéia e outra. Geralmente vêm no início da sentença. Servem tanto para dar continuidade ao parágrafo anterior como para introduzir uma nova idéia. Exemplos: Mas, em conseqüência, portanto, no entanto, além disso, também, ainda, antes, finalmente, por exemplo, especialmente, sobretudo etc.

Outro recurso que o jornalista usa para advertir o leitor de que, dentro da notícia, começou outra idéia, é escolher uma palavra-chave e colocá-la no início da frase. A palavra-chave está ligada com a idéia que começa e rompe a continuidade com a idéia precedente. Ao mesmo tempo forma parte do contexto geral da notícia, isto é, serve para juntar um novo aspecto dentro da idéia básica.

O fato é abordado por partes e uma palavra-chave, que introduz cada uma das partes, é usada para iniciar cada parágrafo. Exemplo: Ao falar de uma nova máquina no mercado, cada parágrafo poderia começar com os vários aspectos da notícia: A invenção…O motor….O consumo de energia….Outra vantagem….O único problema….A comercialização….

4. A prática da notícia

Na opinião do professor Nilson Lage (Estrutura da Notícia. São Paulo: Ática, 1998) "aprende-se a escrever notícias como se aprende a andar: tentando e levando tombos. Por isso, quem quiser ser jornalista deve ler por hábito e manter-se informado; freqüentar bons autores, a gramática e o dicionário; contar por escrito o que se vê e pode ser interessante para alguém; resumir documentos; interrogar pessoas; colher e processar informações; vencer a inibição; cuidar de ser confiável. Tudo isto até ficar bom, muito bom, perfeito".

Com isto Nilson Lage, que é jornalista, quer dizer que é mais fácil fazer notícias do que explicar como se faz, a exemplo do que ocorre em todas as práticas.

Quando era ombudsman da Folha de S.Paulo, em 1989/1990, em palestras a estudantes de Jornalismo por todo o Brasil, Caio Túlio Costa ensinava que para ser um bom jornalista, captando as informações corretamente e redigindo a notícia com o melhor texto, "é recomendável, antes de tudo, leitura, leitura e leitura, além de uma sintonia diária com o mundo, com as ruas, com os problemas do cotidiano, com o que as pessoas estão vivendo".

Sobre a objetividade que o lead comporta, Caio Túlio ensina: "Objetividade jornalística é uma balela, mas aproximar-se dela é dever do profissional".

(*) Professor de Jornalismo da Unesp-Bauru

Leia também