Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

O general da pena de morte

VIOLÊNCIA

Mauro Malin

 

O

general Nilton Cerqueira, secretário de Segurança do Estado do Rio, pede "plebiscito já" em prol da adoção da pena de morte (O Globo, 15/2/98). O general é deputado. Em ano eleitoral, agita uma bandeira deixada pelo falecido Amaral Neto.

Dias antes (8/2), o economista Ib Teixeira defendeu a pena de morte no mesmo Globo. Ib é admirador proclamado da "política de segurança" do general-secretário. Arthur Dapieve, colunista do segundo caderno do Globo, repercutiu (14/2/98) a manifestação de Ib Teixeira, mas hesita em aderir à pena de morte.

A respeito, convém saber:

1) Em Londres, no ano de 1807, quarenta mil pessoas foram assistir ao enforcamento de um assassino. Quando acabou a execução – durante a qual ladrões agiram sem se intimidar -, quase cem cadáveres jaziam na praça, vitimados pelo clima de total histeria coletiva em que transcorrera o justiçamento. Começou ali uma longa campanha pela abolição da pena de morte, prevista na legislação penal inglesa da época, praticamente sem limite inferior de idade, para 230 diferentes crimes e delitos – entre os quais, por exemplo, o simples roubo de legumes na feira. Charles Dickens seria o corifeu dessa campanha.

2) De modo geral, países que hoje ostentam os menores índices de criminalidade violenta foram os primeiros a abolir a pena capital: Noruega, Dinamarca, Suécia, Holanda, Bélgica, Suíça, a própria Inglaterra. Na Itália, as taxas de homicídio caíram pela metade depois da primeira abolição da pena de morte, em 1890, e reduziram-se dez vezes depois da segunda abolição, em 1944.

3) Nos Estados Unidos, a pena de morte jamais foi abolida. Os resultados são infames. O número de janeiro de 98 da revista Vanity Fair publica reportagem de Christopher Hitchens sob o título "Cenas de uma execução". Ele supunha conhecer todos os argumentos a favor e contra a pena de morte até ter testemunhado, em 24 de setembro de 1997, no Centro Correcional de Potosi, Missouri, a execução de Samuel Lee McDonald, 48 anos, negro, veterano condecorado e enlouquecido da Guerra do Vietnã que em 1981 matou um policial também negro. A conclusão de Hitchens:

"A despeito de um declínio competentemente alardeado da taxa de homicídio em Nova York, o número de assassinos e assassinados nos Estados Unidos continua muito, muito maior, per capita, do que em qualquer outro país comparável. (E certamente, diga-se de passagem,, do que em qualquer outro país comparável que tenha abolido a pena de morte.) Há aproximadamente cem mil condenados por homicídio amontoados no sistema prisional americano. Se se resolvesse executar todos, o país viraria uma vasta vala comum: uma orgia macabra de olho por olho, dente por dente. Assim, em vez disso alguns são selecionados para a vingança final e a pena mais severa. Pode-se tornar o procedimento o mais meticuloso e pretensioso que seja humanamente possível. Podem erigir-se tantas ?salvaguardar? e ?revisões? que o processo seja esticado até se tornar verdadeira tortura. Mas tudo isso só colocará em relevo o que mais se quer encobrir – o fato de que se pratica um jogo de azar com uma roleta viciada.

Com efeito, ninguém que não pertencesse às classes perdedoras foi jamais colocado numa cela da morte nos Estados Unidos. Clinton Duffy, diretor do presídio de San Quentin que supervisionou 90 execuções, certa vez descreveu sucintamente a pena como ?um privilégio dos pobres?.

(….) Há muitos argumentos fortes contra o princípio mesmo da pena capital, os quais qualquer pessoa inteligente pode alinhar, e que eu mesmo gostaria de poder alinhar de modo conclusivo em outro texto. Mas é a prática, não o princípio, que tem produzido o maior número de conversos entre antigos defensores, exatamente pessoas que deveriam administrar o negócio.

(….) Donald Cabana, antigo diretor da temida prisão-fazenda de Parchman, Mississipi, que eu encontrei na Universidade do Sul do Mississipi, onde abolicionistas não dão em árvores – ainda que algumas pessoas adorassem vê-los pender delas -, demitiu-se do cargo e escreveu um livro extraordinário chamado ?Morte à meia-noite: confissões de um carrasco?. Ele me disse: ?Christopher, é puro bingo. Com a diferença de que as chances mudam drasticamente de acordo com a localização geográfica, a loteria do júri, a…? Donald não precisou acrescentar raça, ou classe social, ou nível educacional."

4) No Brasil, o problema principal é que a Polícia e a Justiça funcionam precariamente. A pena de morte apenas acrescentaria um cap&iaciacute;tulo a mais – sangrento e irremediável – à atuação injusta e ineficiente dessas instituições.

O Globo, em editorial ("O remédio não serve"), sensatamente, rebate no mesmo dia a cantilena do general Nilton Cerqueira:

"No dia em que a Justiça funcionar e os crimes hediondos forem punidos na medida justa, sem falta ou excesso, a violência se reduzirá a níveis aceitáveis – e os defensores da pena de morte não terão o que defender."

Mas a campanha eleitoral vem aí e Cerqueira não deixará de ter tribuna em páginas da imprensa, microfones e câmeras.