Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

O Globo


SEQÜESTROS
Globo On Line

“Seqüestro da filha de Silvio Santos: resposta necessária”, copyright Globo On Line, 22/08/01

“O Globo On Line decidiu não atender ao pedido de Silvio Santos, no sentido de que não se noticiasse o seqüestro de sua filha, em obediência a decisão tomada em 1990 pelas Organizações Globo, quando era intensa a onda de seqüestros no Rio. A decisão foi anunciada pelo GLOBO no dia 4 de julho de 1990, em editorial de primeira página intitulado ?Resposta necessária?. Verificou-se na época, e não foi desmentido até hoje, que o silêncio sobre seqüestros só beneficia os seqüestradores — e é exatamente por essa razão que eles pressionam as famílias de pessoas seqüestradas, exigindo um apelo que é apenas do seu interesse.

Quando a população ignora o seqüestro, torna-se extremamente difícil a denúncia sobre ações suspeitas e principalmente sobre a localização de cativeiros. Independentemente disso, a sociedade é mantida na ignorância sobre uma atividade criminosa que tem o direito de conhecer, para melhor se proteger. Isso fundamenta a decisão tomada, da qual evidentemente não cabe qualquer exceção.”

 

“Imprensa paulista atende a apelo da família”, copyright O Globo, 23/08/01

“Os principais jornais e emissoras de TV de São Paulo optaram por nada divulgar sobre o seqüestro de Patrícia Abravanel dizendo que atenderam aos apelos de Silvio Santos. O apresentador Bóris Casoy, da Rede Record, disse acreditar que a divulgação de notícias sobre um seqüestro pode ajudar no esclarecimento do caso e na localização do cativeiro, mas também pode pôr em risco a vida do seqüestrado:

– A decisão de nada divulgar é a mesma que adotei quando era editor-chefe da ?Folha de S.Paulo?. O direito do leitor ou do telespectador de saber dos fatos fica prejudicado em benefício de um direito maior, que é a preservação da vida da vítima.

Diretor de Redação do ?Estado de S. Paulo?, Sandro Vaia afirmou:

– Já é uma norma no jornal não publicar informações sobre seqüestros, especialmente quando a família ou a polícia entende que a divulgação do caso pode pôr em risco a vida da pessoa seqüestrada. Como a família fez o apelo para que não divulgássemos reportagens sobre o assunto, preferimos nada publicar.

Vaia informou que repórteres e fotógrafos do jornal estão acompanhando o caso normalmente para divulgar as reportagens completas quando o seqüestro terminar.

– Acho até que a divulgação do seqüestro não ajuda, mas o fundamental é respeitar o pedido da família. Quando nem a polícia nem a família pedem, acho até que se pode se publicar – disse.

O diretor de jornalismo da Rede Bandeirantes, Fernando Mitre, também entende que os veículos de comunicação não devem divulgar nada sobre seqüestros antes de eles serem solucionados.

– Não divulgamos para não atrapalhar as investigações da polícia e em respeito à dor das famílias. Essa já é uma posição antiga da direção da Rede Bandeirantes. Acho que a divulgação de pistas sobre seqüestros mais atrapalha do que ajuda. A divulgação do caso aumenta a tensão dos seqüestradores e põe em risco a vida da vítima – disse.

A ?Folha de S.Paulo? optou pelo silêncio respeitando uma regra de seu manual de redação, informou Otávio Frias Filho, diretor de redação. No item razões de segurança, o manual afirma: ?A Folha pode decidir omitir informação cuja divulgação coloque em risco a segurança pública, de pessoa ou de empresa?.

A direção do SBT não respondeu às ligações para comentar o caso. Em 99, a emissora fez ampla cobertura do seqüestro de Wellington Camargo, irmão da dupla Zezé di Camargo e Luciano.

Desde 1990, quando era intensa a onda de seqüestros no Rio, O GLOBO tem por norma noticiar seqüestros. Verificou-se, na época, e não foi desmentido até hoje, que o silêncio sobre seqüestros só beneficia os seqüestradores – e é por essa razão que os criminosos pressionam as famílias de pessoas seqüestradas.”

 

“Seqüestro da Notícia”, editorial copyright Jornal do Brasil, 27/08/01

“À margem da eterna discussão sobre lei de imprensa, e agora não sobre direito de opinião, mas sobre direito de decidir quais assuntos devem ser publicados pela mídia, o juiz da 17? Vara Cível de São Paulo condenou a Rede Globo, em primeira instância, a pagar indenização por ter informado o sobrenome de uma vítima de seqüestro em março de 2000.

Das argumentação e da contra-argumentação das partes se fica sabendo que os seqüestradores não sabiam que o refém se chamava Matarazzo e que parentes e amigos da família pediram ao chefe de jornalismo da emissora para sustar o noticiário sobre o assunto, por temer que os seqüestradores aumentassem o pedido do resgate ou torturassem a vítima indefesa. A emissora, tendo consultado seu foro íntimo, em consonância aliás com outros órgãos de imprensa que nos últimos anos se recusam a calar sobre seqüestros, para não fazer o jogo da marginalidade que prefere agir em silêncio e sem a interferência da polícia, manteve o noticiário.

Casos de seqüestro são específicos e o noticiário sobre eles se relaciona com o direito de informação que é uma conquista da sociedade nos regimes democráticos. Informação e democracia praticamente se equivalem, porque uma não funciona sem a outra. Neste sentido há uma frase clássica de Thomas Jefferson, de 1787: ”Coubesse a mim decidir se devêssemos ter governo sem jornais ou jornais sem governo, não hesitaria em preferir a segunda opção.”

Poder-se-ia argumentar que a frase jeffersoniana se torna pomposa quando aplicada a fait-divers policial. Mas, guardadas as proporções, quando se julga a imprensa deve-se pensar duas vezes se não se está culpando-a pelas notícias desagradáveis. A mídia brasileira suprimiu o silêncio auto-imposto a respeito dos seqüestros – verdadeira indústria criminal que se avantaja sempre que outras atividades marginais são reprimidas pela polícia – porque entendeu que assim compactuava com os seqüestradores e preferia assumir atitude de neutralidade, sempre obedecendo ao dever de informar.

Cada seqüestro é um caso individual e a respeito de cada caso a imprensa deve consultar suas obrigações em relação ao público e divulgá-lo (ou não) de acordo com sua consciência. Nada que se pareça com censura deve se intrometer nesta decisão. Qualquer ato censório é em princípio inconstitucional, já que a Constituição, no artigo 220, dispõe que ”nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social”. Na era da internet e da TV a cabo, com todo o volume de informação que os cidadãos recebem diariamente, é ingênuo imaginar que a simples lei controlará a informação. Prejudicar veículos impondo-lhes multas proporcionais ao tamanho de suas rendas é pisar em terreno perigoso, já que notícias sobre seqüestros fazem parte, sob o ponto de vista dos meios de comunicação, de suas normas de trabalho assumidas com deliberação e (espera-se) com responsabilidade.

Seja seqüestro, seja opinião política, seja julgamento sobre atos públicos de autoridades, a partir do momento em que a própria sociedade encontra mecanismos reguladores do que ela aceita ou rejeita, não há necessidade de mecanismos paternalistas. Os jornalistas se debatem todos os dias com a questão da responsabilidade da informação. Por definição, quem não tem esta preocupação nunca será jornalista sério. Antes de estabelecer códigos morais excessivamente inibidores, a sociedade deve se preocupar primordialmente com os outros problemas sociais para que o desenvolvimento da população a leve a criar seu próprio código moral.

No caso específico, a defesa da emissora argumentou que a divulgação do sobrenome do seqüestrado nem fez aumentar o resgate inicialmente pedido nem impediu que a libertação tivesse desfecho pacífico. Ficou no ar apenas a propriedade ou a impropriedade da divulgação do seqüestro, coisa que a maioria dos órgãos de comunicação, entre os quais o Jornal do Brasil, já decidiu que é de seu dever informar.

Nos dias de hoje o controle da informação e das idéias – coisas que às vezes se confundem no bom e no mau sentidos – se faz em sociedades com travo totalitário a despeito das garantias formais de liberdade. Neste caso, a mão pesada da repressão policial se associa aos constrangimentos da vida social e política que não sabe se adaptar aos novos tempos.”

    
    
                     

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