Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1280

O grotesco que alimenta a sociedade

BEIRA-RIO & BEIRA-MAR

Fernando Machado (*)

No musical Chicago, Velma Kelly e Roxie Hart estão presas por terem, cada uma, matado um homem. A primeira é uma famosa cantora e dançarina e a segunda, mesmo sem muito talento, sonha com o estrelato. Uma quer a liberdade e manter a fama, e a outra, a liberdade e construir a fama. Para conseguir o que querem, dão tudo o que têm a um advogado astuto que, manipulando os jornalistas como se fossem suas marionetes, leva suas vedetes para as capas dos jornais. É ele quem arma o circo da imprensa, quem cria as "notícias quentes". As manchetes falsas e sensacionalistas dos tablóides, somadas às dramatizações sentimentalistas nos tribunais, acabam tirando as vigaristas da cadeia e as levando para os palcos da Chicago de 1930. A dupla de assassinas arrasta multidões para o cabaré.

Sonhos semelhantes ao de Roxie deve ter experimentado Fernandinho Beira-Rio ? traficante uberabense preso acusado de comandar o crime de dentro da cadeia ? ao ver seu nome ganhando capas e espaços nobres num dos jornais de Uberaba. Guardadas as proporções, Beira-Rio poderia ver em Beira-Mar o que Roxie via em Velma. Afinal, o traficante do Rio de Janeiro é uma celebridade e está sempre nos jornais. Fora das grades, poderia apresentar um programa e distribuir beijos e autógrafos. Fazer papel de malvado também é um excelente investimento. Ou então, Beira-Rio poderia convencer Beira-Mar de que uma dupla, a exemplo de Velma e Roxie, agradaria mais ainda. Que tal?

O estilo poderia ser o sertanejo, o fanque ou o rap. Em caso de uma dupla, com sorte, o uberabense teria a chance de, um dia, subjugar a fama do parceiro. Principalmente se o ele morresse.

Simulacro da imprensa

Quando cheguei em casa, após o cinema, o cantor Belo ? recentemente acusado de envolvimento com o crime organizado ? saltava de bungee jump num programa de televisão. Uma mulher que, da arquibancada do Maracanã, certa vez soltou um foguete num jogador dentro de campo foi capa da Playboy. As principais apresentadoras de televisão comprovam que vale tudo nesse jogo: uma ganhou fama ao conseguir "a transa mais cara da história" com Mick Jagger, outra por ter namorado Ayrton Senna, e a "rainha" de todas nos foi inicialmente apresentada no colo do "rei do futebol". Hoje em dia, a fama de Xuxa é algo tão complexo e cheio de reveses quanto o também famoso nariz de Michael Jackson.

No circo dos programas de fofoca, com o intuito de permanecerem na mídia, celebridades aparecem desmentindo inverdades que elas mesmas criaram. Os próprios programas também fazem isto. Em meio à balbúrdia e aos flashes, a ausência de talento passa despercebida. Tem muita gente famosa por ser famosa.

Chicago não é apenas mais um filme de Hollywood a dar certo charme a ladrões de banco, de obras de arte ou a assassinos, mas o simulacro de uma parte da imprensa. Exemplos não nos faltam para atestar que não era só na Chicago de Al Capone que o grotesco alimentava a sociedade.

(*) Estudante de Jornalismo da Universidade de Uberaba