Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

O interior, segundo Óia

Deonísio da Silva (*)

 

Revista Veja ou revista Óía? É raro a maior revista semanal de informação ficar à altura de suas responsabilidades. O primeiro mau passo é discriminar o interior no produto oferecido. Quem mora no interior não recebe a Veja São Paulo, também chamada de Vejinha. Mas paga pela revista a mesma quantia paga pelos felizardos metropolitanos de São Paulo e do Rio. O precioso miolinho, encartado na edição normal, não vem para o interior.

Seus editores devem supor que os habitantes do interior de São Paulo, por exemplo, não freqüentam a capital do estado, não vão às livrarias, ao cinema e ao teatro, nem freqüentam cursos e palestras, nem têm parentes, colegas e amigos morando na megalópole. Não seria necessário mais do que deixar por alguns horas a relação bunda-cadeira-telefone e ir além das Marginais dos rios Tietê e Pinheiros para ver que as coisas se passam diferentemente. Afinal, a paisagem mostra a sua cara, mesmo para quem não quer vê-la. E o que se vê todos os dias, principalmente nos finais de semana? Milhares de carros trafegando no sentido capital-interior e vice-versa.

Nos fins de semana, quando anoitece, a rodovia dos Bandeirantes transforma-se em descomunal jibóia, mostrando o lado mais poético (para olhar) e mais trágico (para suportar) da indústria automobilística. Somos um país sobre rodas, apesar de nossas costas largas no Atlântico e de nossos inúmeros rios navegáveis. E São Paulo é o estado que mais mostra isso. Aqui é o paraíso de quem fabrica automóveis, constrói estradas ou vende combustível. Em vez de renunciar a impostos, como estão fazendo diversos governos estaduais, deveriam acrescentar um adicional para as montadoras se instalarem entre nós. Todas vão ganhar um dinheirão!

Qual é o maior emprego que vão obter? É para o dinheiro delas! Mão-de-obra baratinha, povo trabalhador, respeitoso, bem-humorado e cada vez mais qualificado para os ofícios exigidos, já devidamente reciclados. O brasileiro aprende depressa e é bonzinho. Mínimas análises deitam por terra estandartes outrora glorificadores de nossa preguiça macunaímica, de uma certa tristeza brasileira, de uma indolência tropical.

Aos fatos. Paulo Prado não sabia de nada quando disse que aqui vive um povo triste. Não foi a um só e escasso carnaval? A um estádio? A um bar? Não saiu às ruas? Como os repórteres de Veja, pegou o telefone e pôs-se a pesquisar sem sair do lugar, como faz o programa Você decide? Assim só decide quem tem telefone e consegue linha! Convenhamos que o corte sociológico neste caso é fatal! Certamente quem não tem telefone não decide nada neste caso; disside apenas e silenciosamente. O retrato do Brasil nesses lugares freqüentados pelo povo, seja obra de Paulo Prado ou de outros asseclas seus da chatíssima sociologia paulistana, é bem outro.

Até o governo tucano, lerdo para perceber as coisas, talvez por excesso de consultorias de seus pernósticos scholars e PhDs, notou que há um intenso movimento interior-capital e encheu as rodovias de pedágios dos mais rudimentares que existem. Com efeito, a jibóia alonga-se em quilômetros, esticada e aleijada nas catracas que a impedem de deslizar pelas mais modernas estradas do Brasil. Isso é jeito de cobrar pedágio? Esses são modos de aumentar a arrecadação? Irritando o contribuinte?

Digamos que quem vem ao interior, chegue a São Carlos. Aqui vivem descendentes de imigrantes portugueses, os primeiros a chegar, logo acompanhados dos escravos, já que o negro era o American Express do século 19, quando a cidade foi fundada: ninguém saía de casa sem ele. Aliás, tampouco ficava em casa sem ele. Mas a herança lusitana, conquanto de forte presença na formação da região, hoje é minoritária. Os oriundi italianos dão a tônica na cidade que pulsa, com figuras bem diferentes daquelas que a memória preserva nas estátuas. A estátua, aqui como na antiga Grécia, tem função educativa e, portanto, ideológica. Espanhóis, alemães, belgas, franceses, suíços, poloneses e outros europeus completaram o quadro. A topografia levanta os primeiros véus do conhecimento: Estância Suíça, Restaurante Alpenhalle, Ciao Bello, Chez Marcel.

E agora os alemães voltaram sob a rubrica Volkswagen. Instalada em São Carlos há pouco mais de dois anos, a montadora ostenta o primeiro lugar mundial em assiduidade ao trabalho. Arrumar mão-de-obra qualificada foi fácil. Há duas universidades públicas, a USP e a Universidade Federal de São Carlos, cujo forte são as engenharias, a tecnologia.

São Carlos ainda produz leite e café, mas seu emblema não pode ser nem a vaca e nem o ramo verde. E muito menos o cavalo. A cidade nasceu com vocação moderna e industrial e foi uma das primeiras do Brasil a contar com energia elétrica. Hoje, além de industrial, é uma cidade estudantil, universitária. Aqui existe proporcionalmente o maior número de estudantes por habitante. O segundo lugar no mundo é Genebra. Há um doutor para cada grupo de 200 habitantes. Doutores de verdade, não bacharéis ou graduados apenas. Outrora bem-remunerados, hoje eles todos ganham salários ridículos nas duas universidades, justamente quando o presidente da República é um professor universitário.

Talvez seja difícil encontrar um domicílio sem alguém com curso superior. A maioria das casas mostra ainda mais duas coisas para quem quer e sabe ver: as residências têm garagem e cachorro. Mais automóveis do que os melhores amigos do homem, agora ocupados em afugentar hordas de pivetes que invadem as casas quando seus habitantes viajam. As grades nas janelas indicam que os novos tempos acirraram a guerra de classes sociais travadas no varejo, em campo minado. Mas o poder aquisitivo não pode ser baixo: os cachorros não estão abandonados e latem contentes e bem alimentados, dispostos a morder bandidos e ladrões, entre os quais são encontrados meninos de rua, abandonados por todos. Da família ao Estado, todos os abandonaram. Nem casa, nem leite, nem educação, nem pai, nem mãe. A vida deles é certamente pior do que a dos cachorros que estão nas residências justamente para defendê-las de seus ataques e saques. A questão ficou grave porque os donos dos cachorros e das residências pagaram impostos elevadíssimos – o Brasil tem uma das maiores cargas tributárias do mundo – e deveriam ter o direito de não ser incomodados, já que recolheram quantias suficientes para que não houvesse gente abandonada nas ruas.

Ainda assim, os investimentos continuam chegando, apesar da recessão. Mas os novos empresários não vêm criar gado nem plantar café. Estabelecem-se em outros domínios, privilegiando o setor industrial, o comércio e os serviços. Há pouco tempo, São Carlos, cidade universitária, tinha um cinema apenas. Depois da inauguração do shopping Iguatemi, há dois anos, tem quatro. A proximidade de São Paulo fazia com que a cidade tivesse poucas livrarias. Desde então, há mais duas e boas livrarias, sem contar aquelas instaladas nos campi de USP e UFSCar. Em resumo, tudo poderia ser símbolo e síntese na capa da Veja. Menos o boi ou o cavalo. Um frango já seria esquisito, mas ainda um despautério menor do que os dois anteriores.

Tarde da noite, duas senhoras de vida dificílima, que certamente não lêem Veja, travaram um diálogo desconcertante, mas esclarecedor. Uma delas chamou a outra de tudo: cadela, galinha, gaveta, sirigaita, oferecida e tais e quais, culminando com a suprema injúria: vaca! A outra aceitou todas as ofensas anteriores, mas a última foi recusada: “Vaca, não!” Ela também sabe que vaca, não. Vaca não define o interior de São Paulo.

Mas por que, então, quem produz leite haverá de ganhar menos do que quem mistura um pó à água, engarrafa o líquido escuro e o vende aos milhares? Nossa população precisa mais de refrigerante ou de leite? O governo de Fernando Henrique Cardoso, que se diz moderno, esqueceu-se de quem produz leite, de quem produz e transmite saberes nas universidades e escolas, de quem produz alimentos, de quem atende em hospitais e maternidades – esqueceu-se de todos os brasileiros. Menos daqueles cujos interesses são exclusivamente financeiros, daqueles que estão vendendo o patrimônio nacional, conseguido à força de impostos, em maracutaias que os grampos telefônicos, ainda que ilegais, estão revelando terem sido feitas na maior baixaria!

Relendo Santo Agostinho, em A Cidade de Deus, para terminar: “A cidade terrestre que não vive da fé aspira à paz terrena e o fim que ela atribui à missão da autoridade e da sujeição, entre cidadãos, é que haja, quanto aos interesses desta vida mortal, um certo concerto de vontades humanas”.

E Sérgio Buarque de Holanda, em Raízes do Brasil: “Mas a comunidade dos justos é estrangeira na terra, ela viaja e vive da fé no exílio e na mortalidade”.

A utopia está nessas últimas frases. A utopia para os cristãos, e o Brasil é um país cristão, somente se realizará depois de nossa morte. Enquanto estivermos vivos, é bom que haja “um certo concerto de vontades humanas”. Não havendo isso, não haverá mídia que tenha o poder de subordinar cidadãos, transformando-os em mercadorias. A revista Óía, empenhada em defender FHC, caso seu governo triunfe no rumo que tomou seu segundo mandato, ficará sem leitores. Eles não poderão assiná-la ou comprá-la nas bancas porque estarão todos desempregados, doentes, mal alimentados e sem dinheiro algum. Porque tudo foi parar nos bancos. E o Brasil terá saído pelo ralo.

Enquanto isso, os leitores esperam que a imprensa cumpra o seu dever. Não que defenda ou ameace o governo. Que informe, que esclareça. Quem aprova ou desaprova governantes são os eleitores, não a imprensa. E para isso eles têm uma arma poderosa e igualitária: o voto. O voto do dono do banco e o da faxineira da última agência têm exatamente o mesmo valor. E a maioria dos eleitores é composta de leitores ou fregueses da imprensa no rádio e na televisão! Sobretudo nesta última, por ser este o século da televisão. Será que nos esquecemos disso?

(*) Escritor, doutor em Letras pela USP e professor da Universidade Federal de São Carlos. Seus livros mais recentes são o romance Teresa e De onde vêm as palavras

 

Toni André Scharlau Vieira

 

Os sites de jornais impressos tradicionais (como Folha de S.Paulo, O Globo, Estadão e até Zero Hora) parecem estar refletindo a crise de identidade por que passa a imprensa brasileira. Crise que, em geral, afeta a imprensa escrita de todo o mundo. Como “clones eletrônicos” dos jornais impressos, os sites dos principais jornais do país se mostram lentos, não são práticos e pouco se diferem do conteúdo disponibilizado com antecedência pela televisão e rádios (o que aliás é um problema de algumas décadas no casos dos impressos).

Mesmo que se registre a juventude deste tipo de mídia, o que acaba ficando patente é a falta de estratégia e planejamento diante do novo meio. Claro que existem esforços consideráveis e avanços interessantes (o site do Estadão, por exemplo, é rápido e tem poucas ilustrações que demoram para carregar). Mas o grande problema não é o software, a linguagem java ou o uso de imagens em tiff, gif, jpg, htm, e sim a perda de leitores e de credibilidade/rentabilidade.

Uma pesquisa da Pew Research Center for People and Press, divulgada em janeiro deste ano, em Londres, revela que os jornais on line não são a principal fonte de notícias de grande parte dos usuários de Internet. Entre 3 mil internautas adultos, 41% afirmam que procuram na rede informações mais detalhadas sobre assuntos que já viram em outros veículos, principalmente na televisão a cabo. Outros 44% crêem que a Internet oferece um noticiário mais detalhado do que os jornais diários. Os usuários que perfazem este percentual (em torno de 40%, levando-se em conta os dois resultados) certamente pouco lêem as edições impressas dos jornais e visitam muito esporadicamente os sites mantidos pelos jornalões.

As empresas jornalísticas, no entanto, não parecem estar se preocupando com a opinião manifestada pelos leitores (pesquisas informais realizadas no Brasil indicaram resultados semelhantes aos do Reino Unido). Ainda que vivamos um período de crise econômica (mesmo que os jornais não reconheçam isto), as quedas de circulação ou mesmo o congelamento do número de exemplares vendidos revelam que algo deveria ser alterado.

Conforme informação do Instituto de Verificação de Circulação (IVC), entre agosto e dezembro de 1998 a circulação dos principais jornais de Rio, São Paulo e Porto Alegre permaneceram rigorosamente iguais. Os dados foram divulgados na revista Mídia, Propaganda e Negócios de janeiro/fevereiro e de março/abril de 1999.

Os donos dos jornais sabem que é bem mais difícil mudar os leitores, alguns até prefeririam importar “exemplares suecos” (que estão entre os que mais lêem jornais no mundo), mas isso ficaria muito caro. O que parece estar fora de propósito mesmo é mudar o perfil editorial e gráfico dos jornais. Conservadorismo ou teimosia, o fato é que os jornais vão perdendo leitores e os que conseguem ganhar são atraídos apenas por “brindes” colecionáveis e outras ofertas e concursos. Muitos jornaleiros comentam, estupefatos, que alguns leitores compram o jornal mas só levam o “brinde” – por sinal, um diário de Porto Alegre já está vendendo seu colecionável diretamente, sem necessidade de adquirir o jornal. Mudaram de ramo (ou estão mudando!).

No caso das versões on line dos diários, reproduzem-se vários problemas vividos pelo produto original, o impresso, acrescido das dificuldades de trabalhar com uma mídia diferenciada. Para começar, os jornais que se auto-intitulam on line na maioria não o são. Isto é, a versão eletrônica da publicação só é disponibilizada de três a quatro horas após o fechamento da impressa e, muitas vezes, é liberada aos pedaços, a conta-gotas.

Se uma das principais vantagens da Internet é a sua agilidade e a possibilidade de uma imediata consulta ao que está ocorrendo, em tempo real, qual o motivo para atrasar a oferta das informações via rede? Há um custo muito alto, poderão dizer alguns. Bem, existem certos investimentos a fazer, mas nada de tão grandioso que não permita, pelo menos, disponibilizar os textos dos repórteres já aprovados pelos editores e, portanto, inseridos no sistema.

Calcula-se que até 2006 o número de pessoas conectadas à Internet será superior ao de usuários de telefone. Para 2003 é possível prever uma movimentação financeira perto dos 3,2 trilhões de dólares em termos de comércio eletrônico. São números nada desprezíveis, apesar da projeção que aponta 300 milhões de pessoas conectadas à rede no ano 2000, o que representa apenas 5% da população mundial. De qualquer modo, esses internautas podem ser considerados uma camada privilegiada de consumidores, com poder aquisitivo e padrões de consumo acima da média geral.

As pessoas que estão pesquisando a Internet como fenômeno social, ou como uma das principais inovações tecnológicas da contemporaneidade, têm apontado a necessidade de se investir numa linguagem dirigida para o novo meio. Não se trata da criação de mais um manual, uma nova gramática do tipo “como escrever para a Internet em 30 lições”, pelo contrário. A maioria das pessoas que estão se dedicando ao estudo do impacto da Internet sobre a sociedade se dá conta de que o espaço tem características específicas muito mais no plano estético (como qualquer outra mídia) do que no teórico.

A questão é muito mais como apresentar a informação de qualidade que possuímos do que como obter beleza estética na apresentação do que temos a oferecer. Em poucas palavras: não se trata de “reinventar a roda”. Mas não se pode perder de vista que, em muitos casos, a melhor solução é utilizar recursos antigos reorientados para a comunicação em um novo espaço.

Foi nessa direção que o presidente da Intel Corporation, Andy Grove, se manifestou à Sociedade Americana de Editores de Jornais. Segundo ele, os veículos estariam sucumbindo à avalanche de informações disponíveis na Internet. Os leitores/internautas já possuem condições de produzir os próprios “furos jornalísticos” em função da crescente democratização do acesso às fontes de informação. O presidente da Intel acredita que a saída é concentrar esforços e ampliar as coberturas “interpretativas”, nas quais os fatos são trabalhados para que se mostre o contexto em que eles ocorreram ou estão ocorrendo.

É bem possível que os donos dos jornais não tenham gostado do que ouviram, nem mesmo Andy Grove (caso fosse um editor) gostaria de saber que precisará investir ainda mais na qualidade profissional. Andy ficou rico e poderoso vendendo o que se pode chamar de capacidade artificial de processamento de informações – os processadores – que em certa escala substituem o trabalho humano e as despesas sociais que eles acarretam.

Para os donos de jornais não vai ser tão fácil. Como não inventaram o repórter-robô e, ao que tudo indica, o super-homem não existe, só resta a eles investir na contratação de bons profissionais que possam dar conta de “interpretar” os fatos contemporâneos e contextualizá-los. Este será o diferencial de qualidade que não só os milhões de internautas vão procurar, mas também todos os membros da sociedade que consomem informação, seja impressa ou eletrônica. Alguém pode dizer que isto é excesso de otimismo. Esperemos que não seja.