Wednesday, 24 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

O jornalismo e as megacorporações

RELAÇÕES PERIGOSAS

Os elementos do jornalismo ? O que os jornalistas devem saber e o público exigir, de Bill Kovack e Tom Rosenstiel, 304 pp., Geração Editorial, São Paulo, 2003; R$ 29,00; URL: <www.geracaobooks.com.br>; e-mail: <geracao@geracaobooks.com.br>; tel. (11) 3872.0984


[do release da editora]

O jornalismo está em crise. Quantos órgãos de imprensa conseguem sobreviver só do que ganham com rendimentos publicitários, sem aceitar interferência por parte do governo, de anunciantes ou de grandes grupos econômicos em suas decisões editoriais? É uma tendência cada vez maior a compra de jornais, revistas, emissoras de rádio e de TV por megacorporações que muitas vezes igualam a notícia à publicidade ou ao entretenimento, tratando-a de acordo com seus próprios interesses comerciais (a exemplo da compra da Time Warner pela AOL ? America Online, da ABC News pela Disney Company e da NBC News pela General Electric). Jornalistas norte-americanos admitem passar até um terço de seu tempo com assuntos de negócios da empresa, e não com jornalismo. Diante disso, o que é, afinal de contas, o fazer jornalístico hoje?

Não existe um estudo sobre isso no Brasil. Na verdade, não existe um estudo assim em lugar algum do mundo, a não ser no país dos criadores do jornalismo ocidental como o conhecemos ? os Estados Unidos, onde foi lançado como livro em 2001. Os elementos do jornalismo ? O que os jornalistas devem saber e o público exigir (Geração Editorial, 304 pág., R$ 29,00) é o exame mais consistente, sistemático e abrangente jamais feito sobre o processo de recolher e apurar informação e suas responsabilidades. Escrito pelos jornalistas americanos Bill Kovach e Tom Rosenstiel, o livro finalmente chega ao Brasil, com prefácio de Fernando Rodrigues, da Folha de S.Paulo. E já vem com o rótulo de leitura obrigatória para todo profissional da comunicação ? e para todo cidadão que perceba como sua vida, seus pensamentos e sua cultura são diretamente influenciados pelas notícias e pelo jornalismo disponível.

A idéia do livro surgiu após um encontro realizado em Harvard em 1997, que reuniu 25 dos mais importantes jornalistas norte-americanos para discutir o que havia acontecido com o jornalismo entre Watergate (1974) e Whitewater (era Clinton). Foi criado o Comitê dos Jornalistas Preocupados, que, dois anos depois, idealizou, sob a batuta de Kovach e de Rosenstiel, 21 fóruns reunindo mais de 3 mil pessoas e 300 jornalistas para debater se e como a imprensa livre pode sobreviver. Chegou-se à conclusão de que a finalidade do jornalismo é definida pela função exercida pelas notícias na vida das pessoas. E seu princípio mais importante seria, assim, o compromisso com a verdade, para que as pessoas disponham de informação para sua própria independência.

Além deste, foram estabelecidos nesses fóruns oito outros princípios: a primeira lealdade do jornalismo é com os cidadãos; sua essência é a disciplina da verificação; seus praticantes devem manter independência de quem estão cobrindo; o jornalismo deve ser um monitor independente do poder; deve abrir espaço para a crítica e o compromisso público; deve empenhar-se para apresentar o que é significativo de forma interessante e relevante; deve apresentar notícias de forma compreensível e proporcional; e os jornalistas devem ser livres para trabalhar de acordo com sua consciência.

À primeira vista, podem parecer simplistas ou banais. Mas Kovach e Rosenstiel analisam detalhada e profundamente cada um desses elementos. O que está em xeque aqui é a ética que está, ou deveria estar, atrás do fazer jornalístico. Ela envolve respostas a algumas questões fundamentais, brilhantemente mencionadas por Fernando Rodrigues no prefácio: como as empresas jornalísticas vão fazer a cobertura de assuntos que envolvam companhias que pertencem a um mesmo conglomerado? Deve-se aceitar a desmoralização do formato clássico dos noticiários de TV, agora imitados por programas cuja finalidade é outra? Como evitar a banalização das grandes reportagens investigativas, que muitas vezes tornam os jornalistas reféns de procuradores ? a grande fonte de notícias atualmente?

Apesar de trazer uma visão pessimista acerca do futuro do jornalismo, o livro não traz o tom apocalíptico comum aos demais estudos sobre media criticism. Antes, coloca-se no papel de anfitrião para um debate com a sociedade e com os profissionais de comunicação sobre como reverter o quadro atual: "Se o jornalismo ? o sistema pelo qual recebemos nossas informações ? estava subordinado a outros interesses, o que poderia substituí-lo? A publicidade? O entretenimento? O e-commerce? Uma mistura de tudo isso? E qual seria a conseqüência no final das contas? (…) A menos que possamos entender e reivindicar a teoria de uma imprensa livre, os jornalistas correm o risco de ver sua própria profissão desaparecer."