Wednesday, 24 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

O jornalismo na visão do reitor

ENTREVISTA / LEE BOLLINGER

Em julho, Lee Bollinger, o novo reitor [nos EUA, presidente] da Columbia University, desistiu de procurar o decano [no Brasil, chefe de departamento] da Escola de Jornalismo, e disse que pretendia repensar a missão da escola. Nomeou um grupo de trabalho, e na véspera de sua primeira reunião respondeu às perguntas de Brent Cunningham, da Columbia Journalism Review. [Entrevista publicada na edição de novembro/dezembro da CJR]

? Que problemas o senhor espera resolver?

? Meu interesse não é resolver um problema em particular, mas explorar o que uma escola moderna de Jornalismo deve ser. Há um grande debate, há anos, sobre como deve ser a formação em jornalismo, e esse debate chegou à Escola de Jornalismo de Colúmbia. São substanciais as diferenças de opinião sobre currículos, ensino e o uso dos recursos de uma grande universidade na melhoria da educação

? Minha opinião é que é possível realçar um programa já muito bom relacionando a escola a outras áreas da universidade. Finalmente, há sérias preocupações no jornalismo sobre o rumo da profissão e a relação da universidade ? especialmente as escolas de jornalismo ? com a profissão, dadas as mudanças dramáticas que estão ocorrendo.

? Precisamos realmente de escolas de Jornalismo?

? Sim, naturalmente. O jornalismo é uma das profissões mais importantes do mundo; é uma das principais formas de mediação entre o mundo das ações, o mundo das especialidades e o público em geral. A maioria de nós pode realmente entender como o mundo é organizado hoje por intermédio do jornalismo, para que possamos exercer nossas responsabilidades como cidadãos. Então, a forma de educar e preparar os futuros jornalistas é uma questão grave.

? Seria o jornalismo uma profissão tão rigorosa intelectualmente quanto, por exemplo, a advocacia?

? Definitivamente. Mas algumas pessoas gostam de separar o ensino técnico do ensino teórico. Acho que é uma separação artificial. No meu próprio campo, por exemplo, as escolas de Direito decidiram há muito tempo não dar ênfase significativa ao ensino das habilidades básicas de um advogado. Assim, não se aprende em nenhuma disciplina comum da escola de Direito como redigir uma queixa, onde arquivá-la, como interpor uma moção no tribunal. As escolas de Direito focalizam uma parte muito importante da prática da lei, que é a leitura de casos. Um advogado gasta grande parte de sua vida lendo casos para aplicá-los a novas situações. Ler casos é uma experiência educacional intensa e produz o que as escolas de Direito gostam de descrever como a habilidade de pensar como um advogado.

? Isso também vale para as escolas de Jornalismo. Não se trata de ensinar o ofício ou algo a mais. Há nesse ensino áreas da profissão que possam render experiência intelectual maior? Há alguma experiência educacional que aperfeiçoe mais a capacidade intelectual, em comparação às áreas de ensino do ofício? Na vida real nenhuma escola de Jornalismo digna deste nome deixa de ensinar o ofício. Você precisa ensinar o ofício. E a teoria? Seria um erro grave acreditar que a teoria, como uma dimensão do nosso modo de compreender o mundo, é completamente desnecessária aos jornalistas. Compreender a teoria subjacente ao jornalismo, a história do jornalismo, as idéias sobre como os povos recebem a informação e a processam são coisas que é bom saber, na minha opinião, quando se é jornalista.

? Mas, ao contrário do direito, o jornalismo não seria um campo do conhecimento, e sim um processo de investigação crítica. Não estou assim tão certo disso. Acho que é uma questão aberta e muito importante. Não estou convencido de que não haja um campo de conhecimento a ser trabalhado nas escolas de Jornalismo, à semelhança do ensino de Direito, Economia ou mesmo Arte, no sentido de que os estudantes usem conhecimentos no processo de aplicação das técnicas da profissão. Certamente há grandes obras do jornalismo que podem ser proficuamente revistas, desembrulhadas, examinadas com olho crítico. E nesse processo desenvolvem-se hábitos mentais que podem ser úteis quando o jornalista for apurar novas matérias.

? O senhor pode dar algum exemplo de mudanças que poderiam ser feitas?

? Penso que é extremamente importante ter alguma noção de teoria política e de política, como também de teoria e princípios econômicos, das artes, das práticas e descobertas científicas. Outra possibilidade é dar ao estudante a oportunidade de desenvolver habilidades numa determinada área, ou de compreender a história de sua área. Há uma necessidade óbvia de ética. Como fazer é discutível. Tendo a preferir a integração da ética a todos os cursos; é melhor do que isolá-la num único curso. Também é possível pensar de forma diferente sobre o tempo de formação de um jornalista. Uma das coisas que sabemos sobre jornalismo é que os repórteres passam de um campo a outro, e talvez deva haver mais chances para que voltem à universidade, por um período curto, para aprofundar conhecimentos.

? O senhor está falando de um programa de dois anos?

? Podemos ter oportunidades diferentes, de forma que alguns possam vir para períodos de seis meses, outros de um ou dois anos. Acho que a estrutura deve estar aberta a revisões.

? O senhor espera do grupo de trabalho um rascunho ou apenas uma lista de opções?

? Estou pedindo uma perspectiva a longo prazo; não tarefas para o próximo ano, mas para uma década.

? Para que tipo de trabalho o senhor acha que Colúmbia de preparar seus estudantes? Alguns argumentam que a indústria da mídia neste país quer um estudante que conheça o básico, que possa ir cobrir uma reunião de diretoria de escola no primeiro dia.

? As universidades têm a confiança do público, e o público espera que projetemos nossa educação e direcionemos nossa pesquisa de acordo com os elevados ideais de participação das pessoas na sociedade. Mas isso não é a única coisa a fazer numa escola profissional. Nós tentamos criar também um ambiente que se reflita criticamente na profissão, e na sociedade em escala mais ampla, e ao mesmo tempo tentamos relacionar-nos a outros campos do conhecimento. Se a profissão diz que tudo o que queremos é uma pessoa capaz de realizar técnicas, é nosso dever declinar. Não é digno de uma grande universidade produzir graduados que sabem uma técnica e nada mais. Mas não pense que é isso o que a profissão quer.