Wednesday, 24 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

O jornalismo que a escola não quer ver

FORMAÇÃO PROFISSIONAL

Margarethe Steinberg Elias (*)

O jornalismo brasileiro mudou. Hoje, é mais a sociedade que chega até as redações do que os jornalistas vão para a rua em busca de um furo. O cotidiano do profissional é receber montanhas de releases, despachos de agências e material online, reciclar tudo isso e mandar adiante.

Alguns sustentam que isso não significa necessariamente notícia de má qualidade, e eu concordo. Dá para checar a informação de um bom release e, a partir daí, ampliar as fontes, remontar a pauta, desenvolver uma bela matéria.

A maioria das escolas de Jornalismo do país não quer ver essa mudança. Continuam insistindo na imagem do profissional que inventa a roda a cada matéria, contando mais com seu faro do que com o banco de dados da redação. É o sujeito que tem uma idéia na cabeça e um palmtop na mão, sai em busca da notícia, easy rider.

Fato e fruta

O problema com isso não é só a arrogância do jornalista de se ver como o começo de tudo. É ignorar que a sociedade-cidadã se afirma hoje chegando ao espaço público da mídia, cada segmento criando chance de competir por seus interesses. O profissional da área é instrumento do coletivo, atende com sua competência jornalística aos interesses das comunidades, de ONGs, associações, corporações, agremiações partidárias, tudo isso.

Então, já não é só o jornalista que corre atrás da notícia, é a notícia também que tenta seduzi-lo na redação, vender-lhe uma pauta, conquistar espaço no noticiário do dia. Nesse conceito, o jornalista vira mais um assessor social de informação do que aquele sujeito romântico com seu faro mágico.

Além disso, as escolas também não gostam de admitir que o bom profissional já não tem que carregar seu banco de dados na carcaça, ser um arquivo vivo. Basta saber pesquisar, ter um bom banco de fontes. E saber interpretar as informações apuradas, que é o essencial.

As competências para pautar e para interpretar são correlatas. Quem interpreta bem é naturalmente um bom pauteiro. Isso porque os fatos não vêm pendurados em árvores, prontos para serem colhidos. Os fatos existem em redes, em teias, associados uns aos outros. Um fato isolado é só a ponta de um imenso iceberg. O profissional mal preparado só enxerga essa exterioridade burra, não sabe avaliar o tamanho da teia.

Professor acomodado

Acompanhar o noticiário cotidiano ajuda muito o jornalista a reconhecer uma teia a partir de um ou dois fatos isolados. Mas não basta. É preciso mais do que informação, é preciso conhecimento. E conhecimento é informação em uso. Não basta saber individualmente usar uma informação, é preciso saber qual o seu valor social. O valor social da informação é um valor de troca. A informação é moeda social de troca, não é produto de criação artística nem de assistencialismo romântico.

Boa parte das escolas de Jornalismo hoje prefere berrar contra o "jornalismo canalha" do que buscar os caminhos do profissional nas novas práticas de cidadania. Não são os estudantes que rejeitam a grande mídia, é ela que os abandona ao desemprego em primeiro lugar. Cada vez mais as redações estão sendo enxutas à custa do trabalho escravo de estagiários ? e mesmo assim falta lugar para tantas levas de formandos.

O jornalismo mudou. O lugar do profissional já não está mais nas redações apenas. Está do lado de fora, junto aos segmentos da sociedade que requerem sua competência técnica para expressar seus interesses. Trabalhar nesse tipo de assessoria social é missão-cidadã, não é se vender, não. Chega de demagogia podre de professor de Jornalismo acomodado que só enxerga o mundo pelas lentes dos anos sessenta.

Deslocados temporais

Na nova sociedade da informação, nunca houve tanto trabalho para o jornalista. Cadê? Não procure nas redações, vá à luta para descobrir onde estão os excluídos da mídia, os grupos que não têm voz porque ainda não puderam contar com os competentes serviços de assessoria que você pode oferecer. Saia em campo, você vai ver que, enquanto perde tempo gritando slogans e fabricando panfletos, cara que nem é jornalista está tomando seu lugar, prestando serviço de assessoria social de informação.

Jornalista hoje não é só o da carteirinha assinada, você já descobriu isso. O mundo mudou, mas as escolas continuam formando jornalista de redação. Você escolheu o curso de Jornalismo porque gosta de escrever? Ótimo, isso é ferramenta de trabalho, tanto melhor se você a tem. Mas não basta. Dizem que inglês e informática é bom? Claro que é. Abrem as portas de um gigantesco mundo de informações na internet (confiáveis ou não).

A ferramenta essencial do jornalista hoje, no entanto, é a competência para reconhecer quem é seu patrocinador, quem é aquele que, para buscar um lugar sob o sol midiático, precisa dos seus serviços e talentos jornalísticos. Se você atender uma instituição social ou um pelego do patronato, e daí? Sua ética é oferecer sempre o melhor serviço possível. O que mais se pode esperar de um profissional? Você não veio ao mundo para salvar a pátria de ninguém.

Enquanto as escolas de Jornalismo não quiserem enxergar tudo isso vão continuar formando jornalistas dos anos sessenta em pleno século 21.

(*) Jornalista, professora do Departamento de Jornalismo e coordenadora de pós-graduação latu sensu em Jornalismo da PUC-SP