Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

O último bilhão do magnata

TED TURNER

Marinilda Carvalho

Em longo perfil para a edição de 12 de maio da Fortune <http://www.fortune.com/>, revista americana especializada em negócios, a repórter Patricia Sellers retrata o homem de mídia Ted Turner como celebridade de Hollywood. E já a partir do título, de filme famoso: "Gone with the wind", na versão brasileira, …E o vento levou. Tradução literal, "levada pelo vento", alusão à carreira feita em pó do magnata, de 64 anos. "Vivi a 100 por hora. Construí uma empresa multibilionária e venci a America?s Cup [a mais importante competição de vela do mundo]. Fui o maior velejador do mundo. Tive três mulheres e numerosas namoradas, e cansei todas elas." Se alguém pergunta, "A Boca do Sul", como é conhecido, acrescenta: "Ainda ando rápido."

Assim é Ted no Turnerverse ? uma espécie de Turnercaverna ?, como ele chama seu mundo particular, fora do papel de megastar que representou na AOL Time Warner (a Fortune pertence à Time Inc., braço do conglomerado). O Turnerverse está em expansão: ele acaba de embolsar US$ 790 milhões por mais da metade de participação na maior empresa de mídia da América. E deixa revoltado seu cargo de vice-presidente.

Nas vésperas da partida embalou as 91 capas emolduradas de revistas em que figurou, seus 400 troféus de velejador, seus 34 títulos honorários, as incontáveis matérias de louvor na mídia, e enviou tudo de seu escritório na sede da CNN em Atlanta, que ocupou por 16 anos, a um prédio dois quarteirões adiante, na Luckie Street (rua sortuda), 133. O novo endereço é bom presságio, imagina. De lá ele vê o gigantesco logotipo vermelho da CNN.

"Salvador" do mundo

Sinais de sucesso confortam o desalojado titã. Até um Oscar, mesmo que conquistado por ter comprado os títulos da MGM, entre eles …E o vento levou. Ele pergunta à repórter sobre o que é a matéria. "A nova vida de Ted", responde Patricia. "No momento estou como Rhett Butler, a caminho de Charleston em busca de uma vida mais nobre", diz ele. "Ou então de sexo!"

"Este é o grandioso e profano Ted Turner dos últimos 30 anos, desde que subiu ao palco, um ousado jovem de boca grande e idéias loucas", diz Patricia. "Ele ainda tem as duas coisas, mas experimenta uma nova sensação: a de ter perdido o controle." Por exemplo, no que se refere a sua fortuna, ou o que restou dela: a cotação das ações da AOL Time Warner caiu 81% desde 2000, para US$ 13. O patrimônio de Turner despencou de US$ 10,7 bilhões para "míseros" US$ 1,4 bilhão.

Em 1996 ele vendeu à Time Warner sua holding Turner Broadcasting (CNN, TNT, TBS Superstation, Turner Classic Movies, Cartoon Network, New Line Cinema e vários times, incluindo o Atlanta Braves). Em 2000, a Time Warner uniu-se à AOL, na maior fusão da história. E começaram os problemas. "Sou o homem mais estúpido do mundo por não ter vendido antes minha participação", diz. Ele tem apenas outro investimento significativo: terras. Segundo a Fortune, é o maior latifundiário da América. Juntando tudo, Ted Turner agora tem algo acima de US$ 2 bilhões.

Mas Turner prometeu US$ 1 bilhão à ONU em 1997 ? "O mundo nadava em dinheiro naquela época", justifica ?, e deve à organização US$ 600 milhões. Então, conclui Patrícia, o pobrezinho caminha para seu último bilhão.

Ao perder a fortuna, Turner perdeu também um sonho, diz Patrícia, o de "salvador" do mundo. "O que eu fazia com meus muitos bilhões era doá-los", lamenta ele. A redução de sua atividade filantrópica causa-lhe dor, porque "as necessidades são maiores do que nunca". Para ele, essas necessidades devem ser atendidas pela cooperação e a compreensão internacionais.

Búfalos sob controle

A CNN foi concebida como uma TV de notícias 24 horas, mas também com a visão internacionalista de Turner: um meio de levar ao mundo o próprio mundo. Sua fortuna foi dedicada a grandes causas: preservação do meio ambiente, controle populacional, cura de doenças, erradicação de armas nucleares, fortalecimento da ONU e eliminação da miséria ? que considera terreno fértil para o terrorismo.

Assim, Turner perdeu seu dinheiro, a capacidade de salvar a humanidade, e o que mais? Ah, o poder, ironiza Patricia. Em janeiro, quando anunciou que sairia da AOL Time Warner na assembléia anual de acionistas em maio, deu o primeiro sinal claro de perda de poder.

Ele não conseguiu sequer levar ao ar na CNN seu documentário de oito horas Avoiding Armageddon (evitando o armagedon), sobre armas de destruição em massa. Um de muitos insultos que ele atribui ao ex-presidente da emissora, Gerald Levin. O insulto específico que o levou à renúncia é revelado nesta entrevista a Patrícia: ninguém, nem o atual presidente Richard Parsons, o consultou quando o chefe da rede CNN, Walter Isaacson, pediu demissão, substituído por Jim Walton. "Foi a última gota."

A segunda parte do texto se dedica inicialmente à saúde (sofreu parada cardíaca em abril), às paixões (da última namorada, a francesa Frederique Darragon, de 53 anos, ao grande amor, Jane Fonda, de quem se divorciou há dois anos) e ao estilo de vida do magnata. Patricia descreve suas muitas propriedades ? a casa da fazenda na Flórida, comprada em 1985, tem pilastras brancas que lembram a Tara de …E o vento levou. Um grande retrato de Scarlett O?Hara está no hall das escadarias.

Turner compra terras especificamente para preservar espécies, humanas e animais. Se gastou US$ 500 milhões em terras, empregou bem mais na restauração da vida selvagem nativa ? de pica-paus a búfalos, de condores a ovelhas, de Montana ao Novo México. Além de sustentar velhos empregados aposentados. Ele tem 26 propriedades em 10 estados e dois países. Quando decidiu fixar residência na Flórida ? por questões de imposto ? espantou os habitantes de Atlanta, na Geórgia, que o consideram seu filho dileto.

Ele mostra orgulhoso seu rosto na capa da revista Nation?s Restaurant News. "E só estou no negócio há um ano!" Patrícia fica melancólica ao comentar que o big boss, um dia capa da Time como "Homem do Ano", agora festeja sua foto numa publicação comercial sobre restaurantes… Isso graças à cadeia Ted?s Montana Grill, oito churrascarias que vendem carne de búfalo, faturamento anual de US$ 16 milhões. É um negócio pequeno, desdenha a repórter da Fortune, mais afeita a bilhões. "É, mas será grande, com 500 restaurantes!" Carne de búfalo grande negócio? Carne de búfalo em 500 restaurantes?, pergunta na matéria a repórter, incrédula. Turner desafia os poderosos Rupert Murdoch [dono do conglomerado News Corp.] e Sumner Redstone [dono da rede MTV] a entrarem para o negócio de restaurantes. Mas nenhum dos dois teria a motivação de Turner: o que ele quer é salvar os búfalos. Cria-os desde 1978. Nos primeiros 10 anos não comeu um só bife. Agora, maior criador do planeta, seu rebanho reúne 37 mil cabeças (numa população mundial acima de 350 mil, esclarece a repórter, lembrando que há um século não passavam de 300).

Embora os preços do búfalo estejam abaixo do das ações da AOL Time Warner, pelo menos aqui Turner mantém o controle: "Ninguém está nos investigando!"

Investimento prudente

Na quarta parte do perfil Patrícia lembra que no momento Turner tem seu nome envolvido, com outros executivos da AOL Time Warner, em vários processos de irregularidades no balanço da empresa. Sua obsessão, exagera a repórter, é Jerry Levin. Seja qual for o assunto ? restaurantes, búfalos, ex-mulheres ?, ele encontra um jeito de falar de Levin. "O maior erro que cometi foi confiar demais em Jerry", diz, do executivo da Time Inc. de quem era sócio desde os anos 80, e que o anulou nas duas vezes em que tentou comprar a NBC News. A pior afronta foi quando Levin o dispensou, em 2000: teria de deixar a área de operações de sua querida CNN. "Eu deveria ter saído naquela época, mas eu amava o pessoal." Levin não quis falar à Fortune.

Turner se tornou o mais chato acionista da AOL Time Warner. Em novembro de 2001 declarou-se insatisfeito com o presidente-executivo, no que foi apoiado por Steve Case, dono da AOL e engenheiro da fusão. Um mês depois Levin se aposentava. O que de pouco serviu: as intrigas continuaram na diretoria, a par de investigações do governo nas contas da empresa, que tem dívidas de US$ 26 bilhões. "Voz da discórdia" na diretoria, evitou um acordo que uniria a CNN e a ABC News, da Disney, mas não pôde evitar que a AOL Time Warner vendesse seus 50% na Comedy Central à Viacom, por US$ 1,2 bilhão. "Fortaleceram nosso maior concorrente", reclama.

A pior besteira foi a fusão com a AOL, na visão de Turner. "Desastre total!" Mas Turner nada fez para impedi-lo, ressalva Patrícia. Ele se justifica dizendo que na verdade não entendia a internet. "Sou da velha mídia", diz. "Tinha uma idéia geral do que a AOL fazia, mas minha ênfase era a TV, não a internet." Como os operários ingleses que há dois séculos destruíram as máquinas temendo o desemprego, Turner é um ludita. Não usa e-mail, jamais navegou na web. "Não sou nerd. Não há nada de errado em ser nerd, mas minha secretária é quem cuida dos meus e-mails."

Sobre uma eventual separação da AOL, ele acha que enquanto perdurarem as investigações da SEC (a Comissão de Valores Mobiliários americana) e do Departamento de Justiça nas contas da empresa é melhor segurar a fusão. Em longo prazo, porém, acha que a separação é melhor, e pode ter um aliado no frustrado criador da AOL, especula Patricia. Turner lamenta que 90% de seus bens estivessem aplicados na AOL Time Warner. "Ninguém deve concentrar sua fortuna num só negócio como eu fiz, ainda mais numa companhia cujo controle não detinha", chora agora.

Turner diz não saber ainda o que vai fazer com seus US$ 790 milhões. Só que vai investi-los "prudente e conservadoramente". O Ted?s Montana Grill demandará uns US$ 40 milhões nos próximos dois anos. E ele ainda deve US$ 627 milhões à ONU, repisa a repórter. O terrorismo o apavora, e ele lamenta os US$ 9 bilhões perdidos. O que esse dinheiro não faria pela humanidade!, exclama Patrícia ? sem aspas ?, em seu tom de repórter da Fortune.

Sonho hollywoodiano

Turner tem quatro filhos, todos maiores de 35. Um deles, o de 37 anos, chama-se Rhett, como o personagem de Clark Gable em …E o vento levou, e lembra que Ted Turner sempre quis ser melhor do que o pai, que se suicidou. Turner se diz agnóstico, e em lugar da fé cultiva zelo missionário. Mas no clima atual encontra dificuldades para atrair seguidores, numa época em que "crentes vencem agnósticos e defensores da guerra vencem diplomatas", escreve Patrícia. "Se continuarmos usando a força, com armas de destruição em massa, uma dessas guerras vai virar nuclear", alerta Turner.

"Rupert Murdoch é o homem mais perigoso do mundo", resume Turner sobre seu maior rival. Não se trata mais de uma competição puramente de negócios, ou mesmo pessoal, já que Murdoch, aos 72 anos, expande seu império, enquanto o de Turner definha. A rivalidade hoje em dia é sobre valores. A Fox News de Murdoch, pró-Bush e pró-guerra no Iraque, teve 3,3 milhões de espectadores, contra 2,1 milhões da CNN. A News Corp. também controla publicações conservadoras como o New York Post, que ridiculariza tanto Turner quanto a ONU, e Weekly Standard, must-read na Casa Branca. Murdoch é inteligente? Responde: "É, as pessoas também achavam Hitler inteligente quando ele invadiu a Polônia". Ele vê Murdoch e outras dark forces (para usar a expressão da própria repórter) levando a humanidade por um caminho perigoso. "Se existe Deus, ele não está protegendo direito a Terra."

Patricia fala em seguida, longamente, das ações de filantropia de Ted Turner. Segundo ela, a crise financeira está afetando a família. Há poucos meses ele decidiu acelerar a exploração de gás natural em sua maior propriedade, no Novo México. O filho Beau, que cuida da vida selvagem nas terras, ficou injuriado. "Pai, se você não estivesse em dificuldade financeira faria esse acordo?", perguntou. Não faria. "Que tal usar então os lucros em boas causas?", sugeriu o filho. "Como pagar as contas? É uma boa causa."

O futuro, com eventos planejados com grande antecipação, é incerto quanto a investimentos. "Eu meio que me desliguei do media business", diz. Ele esperava que Gods and generals, seu épico pacifista sobre a Guerra Civil, fosse o bilhete para uma carreira de produtor independente. Mas o filme fracassou. "É um jogo muito caro para mim."

Turner diz que o que realmente quer é uma mulher que cuide dele. Todos torcem por Jane Fonda. Mas isso não é Hollywood, admite enfim a repórter.

Por poucos dias. Em 24 de junho ela publicou a seguinte nota na Fortune, sob o título "Ted buys a Jane" (Ted compra um Jane):


Logo depois de receber US$ 790 milhões pela maior parte de suas ações na AOL Time Warner, em maio, Ted Turner disse à Fortune que investiria o dinheiro "prudente e conservadoramente" (veja "Gone With the Wind".) Imaginamos que ele compraria mais terras, ou parte do time do Atlanta Braves. Mas um retrato de sua ex-mulher?! Num recente evento beneficente da Campanha da Geórgia para a Prevenção da Gravidez de Adolescentes, fundada por Jane Fonda, uma tela de 1982 de Andy Warhol retratando Jane Fonda teve uma única oferta, de US$ 22 mil, de um único homem. Ted! Ele diz que vai pendurar o quadro na casa de hóspedes do rancho D Voador, em Montana. "Sempre amarei Jane", Turner diz. Obviamente, um investimento em Jane Fonda aquece mais seu coração do que ações da AOL.


Até repórteres da Fortune, quem diria, trocam os cifrões da cabeça por sonhos de final feliz para um ex-magnata solitário.