Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

O último escaler do Titanic

Carlos Marchi (*)

 

D

epois do que se viu este ano, não há mais como adiar a adoção de uma regulamentação para a divulgação de pesquisas de preferência eleitoral em datas próximas a eleições. Nas eleições de 1998, as pesquisas foram (ab)usadas de forma imprópria e, em alguns casos, escandalosa; com freqüência incômoda, transformaram-se em instrumento de campanha, com números notoriamente forjados, objetivando favorecer um candidato.

Pesquisas eleitorais influenciam decisivamente o comportamento do eleitor. Fazem mudar voto, debilitam candidaturas, induzem a “voto útil”, abalam a confiança do eleitor no candidato menos fornido de intenções de voto. Se as pesquisas revelam que um candidato está muito atrás, amplia-se a tendência de reduzir o seu balaio de votos, dentro da brasileiríssima tese do “não-adianta-votar-nele-porque-ele-não-vai-ganhar-mesmo”.

Essa desejável regulamentação precisa separar joio de trigo. Existem institutos de pesquisa sérios e baiúcas que se auto-intitulam institutos de pesquisa mas são meras arapucas para vender pesquisa falsa e fazer dinheiro. Como não há meios democráticos de fortalecer uns e fechar outros, é preciso criar ferramentas que distingam claramente os bons e os maus, para não arrastar todos, sérios e fraudulentos, num roldão de descrédito.

Assim, a principal medida dessa regulamentação é óbvia: instituto que vende pesquisa para candidato não pode ter seus resultados publicados na imprensa, seja sério ou não sério, grande ou pequeno, regional ou nacional. Os institutos de pesquisa têm de escolher um caminho a seguir no campo (ou “mercado”, se assim preferem) político: ou pesquisam para informar o eleitorado ou pesquisam para vender a candidatos. As duas coisas são definitivamente antagônicas e conflitantes.

Isso, no entanto, talvez não seja bastante. O contorcionismo de certas instâncias políticas pode forjar institutos pseudo-sérios – publicamente anunciam que não atendem encomendas de políticos e assim se credenciam para ter seus resultados divulgados na mídia. No fundo, serão vendedores de pesquisas fraudulentas.

Para cobrir as brechas da lei, é preciso que a sociedade e a mídia séria exercitem sobre os institutos credenciados a divulgar pesquisas uma intensa fiscalização, inclusive – e principalmente – sobre a eficácia de seus resultados, aferida no pós-eleição. A imprensa séria tem de aprender a distinguir qual instituto deve apoiar (e publicar) e qual deve repudiar (e não publicar).

O problema é que nem sempre a imprensa séria está atenta a isso. Ainda agora, grandes jornais, rádios e TVs (nacionais e regionais), com poucas e honrosas exceções, se fartaram de publicar resultados de pesquisas que eram confrontados pelas evidências político-eleitorais. Quando a apuração desmascarou os números da maior parte dos institutos, a imprensa séria passou a defender uns e atacar outros, de acordo com suas preferências. Em vez de abrir o debate em busca de soluções, ofereceu seus espaços para explicações dos institutos em xeque (que, aliás, não convenceram).

Ninguém, no entanto, concluiu pelo óbvio: como está, a questão das pesquisas eleitorais descredencia os institutos, mas vai mais longe – desacredita a própria democracia eleitoral. Com a votação informatizada, a sociedade parece ter encontrado meios de, eficazmente, reduzir a mácula da fraude eleitoral – o eleitor fantasma, o mapismo, a compra de votos. A manipulação das pesquisas parece ser o sucedâneo moderno que maus políticos usam para contaminar as legítimas preferências do cidadão-eleitor.

Em sua defesa, os institutos agarraram-se a argumentos imaginativos, como se fossem o último escaler do Titanic. Em geral, eles alegaram que (1) acertaram a boca-de-urna e (2) às vezes a tendência de voto muda muito rapidamente nos últimos dias antes das eleições. O primeiro argumento não prova nada; acertar boca-de-urna é o mínimo que se pede a qualquer instituto mediano. Boca-de-urna, no entanto, não entra na discussão, porque não influencia o eleitor, já que é divulgada após encerrada a votação. Logo, não tem o dom de compensar erros cometidos antes contra um candidato.

As pesquisas que influenciam – e por isso são alvo da discussão e merecem ser fiscalizadas com rigor – são as das últimas semanas antes das eleições, aquelas que minam as possibilidades de um candidato e favorecem outro. Foram essas que derrubaram Marta Suplicy em São Paulo e prejudicaram Zeca do PT, no Mato Grosso do Sul, Olívio Dutra, no Rio Grande do Sul, e Cristovam Buarque, no Distrito Federal. Coincidência ou não, todos os prejudicados (esses e outros não citados) são do PT.

O desconhecido Zeca do PT enfrentava parada dura: Pedro Pedrossian, um velho cacique populista, e Ricardo Bacha, candidato do PSDB. Sua candidatura era vista como um penduricalho algo folclórico. Segundo os números dos institutos de pesquisa, Pedrossian ficou na frente até duas semanas antes das eleições, quando Bacha arrancou o salvador “empate técnico” que glorificou o duelo entre os dois; Zeca vinha em último, carta fora do baralho. Resultado final das apurações: o segundo (Bacha) ficou em primeiro, o terceiro (Zeca) em segundo, coladinho, e o primeiro (Pedrossian, o velho favorito das pesquisas), comendo poeira, em terceiro.

No Distrito Federal, um jornal de larga distribuição gratuita que é notório apoiador do PMDB chegou às casas das pessoas na véspera das eleições estampando em letras garrafais na primeira página que a última pesquisa dava o candidato Joaquim Roriz (do PMDB) dez pontos à frente do candidato Cristovam Buarque (do PT).

No dia seguinte, o resultado eleitoral apontava que o candidato Roriz ficou três pontos atrás do candidato Cristovam. Nenhuma pesquisa feita com um mínimo de seriedade pode – a três ou quatro dias do pleito – errar por 13 pontos. Quando isso acontece, no mínimo temos um caso de profundo desvio ético do jornalismo e, no máximo, um deslavado caso de Justiça Eleitoral. Como nós aqui estamos tratando de desvios éticos, vamos já discutir a regulamentação.

(*) Jornalista