Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

O mal que se esconde

CAIXOTINS

Carlos Brickmann (*)

O personagem radiofônico, se não me engano, era do monumental jornalista Moysés Weltman. O seriado começava sempre com a mesma frase: "Quem sabe o mal que se esconde nos corações humanos?" Quem sabia era O Sombra.

Hoje o Sombra é Sérgio Gomes da Silva, ex-segurança que em poucos anos virou empresário rico, amigo fraterno do ex-prefeito de Santo André, Celso Daniel, agora acusado como mandante de seu assassínio.

Se o Sombra é culpado ou inocente, as investigações e a Justiça o dirão. Este colunista não o conhece pessoalmente e não tem qualquer opinião sobre ele. Mas vê-lo tratado previamente como culpado ? gente, não fomos nós, da imprensa, que lutamos pela volta do Estado democrático?

Sombra sabe o mal que se esconde nos corações humanos. Se é culpado, certamente conhecerá seu próprio mal; se inocente, irá descobri-lo na cobertura jornalística, que já o crucificou sem se dar ao trabalho de julgá-lo.

Está aí uma palavra que sempre pensei em usar, mas nunca se me havia oferecido a oportunidade. Ei-la: é a palavra que define um relacionamento (não-profissional) como o existente entre parte da imprensa e parte do Ministério Público. Muitas vezes, o repórter recebe de um promotor uma matéria praticamente completa por volta de duas da tarde. Mas espera para terminá-la: liga para as empresas envolvidas depois das seis, quando raras estão abertas. E tem a chance de publicar a matéria só com o ponto de vista do promotor, informando ao público que a empresa citada, ou acusada, não respondeu às ligações do jornal.

É feio: a função do promotor é a de Fiscal da Lei, não a de demolir reputações de pessoas ou empresas eventualmente suspeitas. A função da imprensa é informar o público, e não a de se colocar ao lado da acusação ou da defesa.

A propósito, o bom promotor não é o que leva os acusados à prisão: é o que faz justiça, mesmo que isso signifique defender a absolvição de um réu. Aquele e-mail atribuído ao procurador Luís Francisco de Souza, de Brasília, é por isso uma aberração ? aquele em que ele defende o uso intensivo da imprensa para que os juizes não tenham coragem de negar um pedido de prisão preventiva. Mais aberrante ainda é saber que há jornalistas e veículos de comunicação que se prestam a ser intensivamente usados.

É segredo para alguém que grandes empresas jornalísticas se safaram de sérios problemas ganhando do governo o direito de imprimir listas telefônicas? É segredo para alguém que, neste momento, muitas empresas jornalísticas negociam com o governo federal um belo aporte de recursos, essencial para sua sobrevivência?

Então, caros amigos, deixemos de bobagens: ninguém pode falar mal do Joelmir Beting, não. O Joelmir é limpo e ético. Eu sou seu leitor (e adversário; algum trincado no cérebro o transformou em palmeirense, arrastando nisso toda a família) há mais de trinta anos. Nunca vi, na coluna, o Joelmir cuidar de microeconomia. Sempre tratou de assuntos macro. Nada que se relacionasse com aplicações em fundos de investimentos, como o que ele agora anuncia.

Há alguns anos, o sempre brilhante Washington Olivetto contratou Telmo Martino para sua agência. O objetivo de Washington era ter na empresa uma referência cultural. Como ele tinha razão!

Há um anúncio dos sutiãs Wonderbra que mostra isso direitinho. Na foto, uma mulher belíssima, com seios magníficos, e o texto: "Disfarça se sua namorada está ao seu lado ? Wonderbra. Valoriza os seus seios".

Se o anúncio está dirigido ao namorado, como dá a entender, de quem são os "seus seios"? Ou será que a namorada tem ao lado outra namorada, cujos seios seriam valorizados pelo sutiã? Alô, Professor Pasquale!

Parece incrível, mas até José Celso Martinez Corrêa às vezes tem razão. Numa carta muito bem escrita à Folha de S.Paulo ? sem nenhum daqueles arroubos que caracterizam seus textos mais triunfalistas e os tornam quase ilegíveis ? o diretor teatral e dramaturgo se queixa de pequenas intervenções do jornalista que mudaram o sentido de uma entrevista. Traduzindo: em vez do bom e tradicional "diz", que é neutro, o entrevistador preferiu coisas como "provoca", "orgulha-se", "alfineta". E comentários bem-humorados feitos por Zé Celso viraram ataques.

É boa regra jornalística e vale para todos os entrevistados: o uso de substituições para "diz" muitas vezes distorce declarações ou revela apenas a opinião do entrevistador. Ou, como surgiria numa frase distorcida desse tipo, "normalmente distorce declarações", acredita Brickmann.

O Ministério Público de São Paulo pediu o indiciamento de 53 policiais envolvidos naquilo que se chamou de "massacre da Castelinho" ? a morte de 12 pessoas, consideradas membros da organização criminosa PCC, pela PM paulista. O caso ocorreu já há algum tempo e este colunista foi um dos primeiros, em artigo na Folha de S.Paulo, a levantar a hipótese de que poderia ter ocorrido ali alguma coisa estranha.

Bom, o tempo passou, o Ministério Público acredita que houve assassínio em massa, a Justiça examina o caso ? e a imprensa continua ouvindo opiniões de um lado e de outro. Nenhum repórter foi a fundo verificar como é que as fitas de vídeo que gravam toda a movimentação do pedágio desapareceram e ressurgiram editadas, sem o momento do tiroteio. Não houve aquele trabalho chato de ouvir um PM atrás do outro, conferir depoimentos, encontrar ou não contradições. Reportagem dá trabalho ? mas, quando este trabalho é bem-feito, quantas vezes esclarece as coisas!

O presidente talvez esteja viajando tanto que não lhe sobre tempo para leitura. Mas seria utilíssimo ler A ditadura derrotada, o ótimo livro de Elio Gaspari. Ali aparece claramente uma política externa parecidíssima com a de Lula, baseada numa concepção autoritária e ultradireitista da vida brasileira. O presidente Geisel, claro, não faria as homenagens que Lula fez a Fidel Castro. Mas Kadafi, Assad, emires e xeques, estes eram tão heróis para um como para o outro.

(*) Jornalista, e-mail <carlos@brickmann.com.br>