Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

O melhor comercial de todos os tempos

Carlos Knapp

Na Inglaterra, 10 mil leitores do Sunday Times e espectadores do Channel 4 votaram nos 100 melhores comerciais jamais vistos na TV. O resultado foi publicado em maio. O mais votado de todos foi um comercial de 60 segundos da cerveja Guiness. Filmado no Havaí, ele mostra 4 surfistas diminuídos por uma imensa muralha de água que ameaça arrebentá-los. Saltando da crista da onda surgem 4 cavalos brancos que se fundem com a espuma. Depois de um vertiginoso galope, os 4 homens saem à praia e comemoram com cerveja o feito de terem domado a onda eqüestre. Essa orgia cinematográfica foi produzida em 1999 pela agência AMV BBDO e levou o crítico do The Times a qualificá-la como “o mais belo e poderoso conjunto de imagens filmadas em exibição”. Segundo a revista Campaign, trata-se do “mais belo anúncio de todos os tempos”.

Entre os demais 99 mais votados, estão alguns exibidos há quase 30 anos, como um comercial da Coca-Cola (1971), um comercial do papel higiênico Andrex (1972) e um da limonada R.Whites (1972). Em 18º lugar aparece um comercial do desodorizador Shak’n Vac, feito em 1972. Unanimemente detestado na época, por causa da sua exibição excessivamente freqüente, esse comercial apresentava uma dona de casa que, dançando, borrifava toda a sala com o produto enquanto cantava “Do the Shak’n Vac and put the freshness back”. O refrão era tão irritante que os espectadores saltavam para desligar o som (ainda não existia o comando remoto). Contudo, ao ser lembrado, e lembrado como um dos melhores, mesmo depois do produto anunciado ter desaparecido do mercado, esse comercial passou a ser uma das glórias da propaganda.

Sem aborrecer

É inevitável a comparação dessa votação pública com os inúmeros festivais, nacionais e internacionais, em que publicitários premiam publicitários por sua criatividade. Não só no Brasil, em outros países são também freqüentes as denúncias de participação de filmes produzidos expressa e exclusivamente para concorrer aos festivais. Sem estar condicionada pelo briefing do cliente e pela conjuntura de mercado, uma agência se permite criar um produto para sua idéia e realizá-la. Se premiada, poderá enriquecer sua vitrina e seu slogan.

O concurso do Sunday Times tem a validação do mercado. Dez mil consumidores citaram os comerciais de que se lembravam e elegeram os cem melhores de sempre. Como observa o próprio jornal, 10 mil pessoas raramente votam em outra coisa que não seja eleição. Vale a pena ler trechos do artigo de Stephen Armstrong que acompanha a reportagem, matéria de capa do suplemento Culture. Abre aspas:

“Podemos conhecer os ideais de uma nação por meio de seus anúncios’, disse em 1917 o famoso publicitário americano Norman Douglas. O que ele diria então de uma nação tão orgulhosa de seus anúncios que 10 mil cidadãos responderam quando o Sunday Times e o Channel 4 quiseram saber quais são os melhores anúncios de todos os tempos?

Parece que temos uma intensa admiração por um gênero que se transformou numa forma de arte. Em 1955, quando o creme dental Gibbs apresentou o primeiro comercial em televisão, era inconcebível que os anúncios pudessem se tornar tão sofisticados e inovadores como os programas que os cercavam. Mas já em 1978 o escritor Jonathan Price declarava: ‘Os comerciais representam o pináculo da expressão artística da nossa cultura popular. Em comparação com cinema, teatro, ópera, pintura ou video-tape, sua produção custa muito mais dinheiro por segundo, seu impacto produz muito mais resultados financeiros e cada uma das suas palavras implica em crescimento de negócios’.

Os anúncios merecem realmente uma apreciação cultural, do mesmo modo que os programas de TV? O que é que faz de um comercial um bom anúncio? ‘Esteticamente, um bom comercial é aquele que pode ser visto mil vezes sem aborrecer’, afirma Robert Opie, fundador do Museu de Propaganda e Embalagem de Gloucester. ‘Tem algo a ver com uma atuação impecável e com a perfeição até nos últimos detalhes. E assim como numa peça de música clássica, há aquelas camadas sobrepostas que podemos apreciar uma a uma, inúmeras vezes’.

Mais do que os programas de TV ou o cinema, a propaganda tem o poder de revelar como as nossas aspirações sociais se modificam. Isto se deve à a velocidade com que se movem as idéias e o tempo em que os novos conceitos chegam às telas. Uma novela leva dois anos para ser encenada e, a partir do roteiro, um filme de longa metragem leva cinco anos para chegar às salas de exibição. Um comercial pode ser feito num só dia.

Queiramos ou não, a propaganda na televisão influi crescentemente nas tendências da cultura popular. As principais agências já dedicam recursos importantes à investigação do futuro para poder predizer cenários e aproveitar os novos estilos e gostos. As agências não ocultam mais esse fato – muito pelo contrário – e as antecipações estão acontecendo. A atual campanha da Levi’s, por exemplo, levou 10 discos à parada de sucessos depois que cartazes avisaram os fãs de que aquelas eram as músicas ouvidas nos comerciais da marca.

O negócio da propaganda está sofrendo agora um abalo sísmico. Com a expansão da mídia e da internet, as agências precisam se esforçar muito mais para fazer com que seus produtos sejam notados. Os anúncios se tornam por isso cada vez mais elaborados, inteligentes, sutis e dispendiosos.

À medida que a tecnologia avança e a mídia se torna mais interativa e dirigida, o cidadão só receberá aqueles anúncios que o provedor dos serviços de televisão, telefone e internet pensar que lhe possam interessar. Concursos como este se tornarão tão impossíveis como este começo de diálogo: ‘Ontem na TV, você viu aquele anúncio genial?’”. Fecha aspas.

 

Carlos Knapp

A Gazeta Mercantil vem publicando em seu próprio jornal uma campanha institucional de anúncios de página dupla. Uma foto fora-a-fora de alguém lendo o jornal aberto diante de si confere identidade visual à campanha.

O Correio Brazilense também está publicando em suas próprias páginas uma campanha institucional de página dupla. Uma foto fora-a-fora de duas pessoas lendo o jornal aberto diante de si confere identidade visual à campanha.

Embora as campanhas usem argumentos diferentes, a semelhança de tratamento gráfico é muito grande. Mas há diferenças. Os anúncios da Gazeta Mercantil usam fotos de modelos, enquanto o Correio Braziliense identifica as pessoas que aparecem. Entre elas figura o presidente da República, o presidente do PT e um empresário da aviação.

O testemunho é talvez o recurso mais empregado em propaganda. Quando o anúncio mostra uma pessoa anônima usando o produto, ele estimula o consumidor que deseja se identificar com o estilo de vida e a classe social que a pessoa do anúncio representa. Se aquele executivo jovem, simpático e saudável, lê a Gazeta Mercantil, você, que também é jovem e pretende ser um executivo de sucesso, sentirá o impulso de passar a ler o mesmo jornal. (Mas aqui entra uma questão de mídia: o anúncio chove no molhado, uma vez que sai na Gazeta e só é lido por quem já lê o jornal).

O testemunho explícito de uma celebridade é muito mais vigoroso e põe em ação o mesmo mecanismo: “Se Fernando Henrique, José Dirceu e o comandante Rolim recomendam o Correio Braziliense eu, que admiro um ou outro, vou passar a comprar esse jornal”. O risco está na rejeição daqueles que não apreciam as pessoas que recomendam o produto; mas, inteligentemente, a campanha o reduz, usando diferentes figuras públicas combinadas com cidadãos menos conhecidos.

Embaraçoso é encontrar, nas mesmas edições do Correio Braziliense em que saem essas páginas duplas, anúncios da campanha de assinaturas do jornal ilustrados com um cachorro. Grande foto de um cachorro lendo o jornal aberto diante de si. Certamente não se trata de testemunho. O leitor não pensará “se esse cachorro lê o Correio, eu também posso ler”. E o risco de que ele se ofenda. “Estão me chamando de cachorro”, também é remoto… mas porque correr tais riscos?

A matriz desses anúncios caninos é um comercial em que aparece o mesmo cachorro: ele vai buscar o jornal de manhã no jardim mas não o entrega ao dono, quer tê-lo para si. Quando uma campanha usa um veículo apenas para publicar referência a uma peça principal usada em outra mídia, existe sempre o perigo de uma parte do público não entender a referência, não entender o anúncio ou até interpretá-lo mal.

 

C. K.

Texto de um anúncio institucional da Belgo Mineira em Veja começa assim:

É noite, quase não se percebe a agitação no centro de Belo Horizonte. Mas, ainda assim, quem constrói e faz o Brasil sabe que os aços Belgo estão sempre presentes onde existe o progresso etc., etc.

Qual seria a misteriosa relação entre a imperceptível agitação noturna da capital mineira e a produção de aço? Não é preciso ir à última página e ler a resposta num box de cabeça para baixo. A resposta vai aqui mesmo: enquanto a cidade dorme, atrás de algumas janelas acesas do edifício da Belgo Mineira trabalham horas-extra alguns abnegados executivos para que aqueles que constróem o Brasil – isto é, os construtores e os empreiteiros adormecidos – possam contar com o ferro necessário.

Certos anúncios precisam ser explicados ao leitor.