Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

"O mercado nos guia"

UNIVERSIDADE & SHOPPING

Correta e simpática. Assim pode se definir a matéria "Acadêmicos formados no parque de diversões", publicada no domingo, 3 de junho de 2001, em O Globo, sobre as universidades particulares que estão abrindo unidades, eufemismo para filiais, em shoppings, clubes e parques de diversão. A reportagem é correta porque abre um debate entre os que são a favor da iniciativa ? os diretores dessas faculdades ? e os contrários à proposta, isto é, professores das universidades públicas. Mostra argumentos dos dois lados e tende, à primeira vista, a cair para o lado do "contra", ao publicar artigo de Paulo Halm, roteirista formado pela Universidade Federal Fluminense (UFF), que exalta o ambiente tradicional da faculdade em rápida biografia. E a matéria é simpática porque tem um texto bom, não apresenta muitos números e se baseia mesmo no confronto de idéias.

Lendo com calma, entretanto, é possível constatar alguns detalhes ? resumidos no último parágrafo do texto que Alberto Dines escreveu na última edição deste Observatório, "Peter Arnett, quem diria, acabou na Estácio de Sá":

Os nomes das universidades são citados deliberadamente. A reportagem não é feita em tom de denúncia, como as que trataram da queda da passarela na Estácio de Sá, em abril, o que permitiria a presença dos nomes. Embora facilite a compreensão do texto, a citação das universidades fica com cara de pura propaganda.

Segundo o texto, uma professora da UFF questiona a falta de divulgação cultural "entre uma partida e outra de buraco". Quem lê acha que o campus de uma universidade pública é um gigantesco bar, ou um cassino de luxo.

O texto também afirma que "as salas refrigeradas [das universidades particulares] não seguram por muito tempo os alunos, que a cada intervalo entre as aulas aproveitam para pagar contas, passar na farmácia, comprar roupas e ir ao cinema". Ou seja, há grandes vantagens de se estudar num shopping. Sem falar que o estudante pode aproveitar o intervalo, não precisa matar aula. Imagine a duração de um intervalo entre aulas no qual o aluno pode assistir a um filme.

Há, portanto, uma discreta apologia a essa nova onda carioca, de se estudar em áreas de entretenimento. Sem dúvida, é prematuro afirmar o quanto isso é lesivo para o estudante, para o professor e para a sociedade. Entretanto, é complicado quando um veículo da imprensa apóia esse tipo de iniciativa, mais por interesses comerciais do que jornalísticos. Afinal, essas escolas de terceiro grau pagas habitam freqüentemente as páginas do jornal carioca. Em forma de anúncios, claro.

Mas a matéria não mente, e os argumentos principais para ambas as opiniões, pró ou contra, são inequívocos, definitivos e claros. Enquanto os professores da UFF comentam que 80% da produção científica das universidades são do setor público (tente pronunciar a palavra "pesquisa" perto do anônimo e covarde autor dos "editoriais" pagos da UniverCidade, que de vez em quando aparecem no Jornal do Brasil: a julgar pelo conteúdo de seus textos, ele vai ficar nauseado), e acreditam que o ambiente universitário deve ser propício à troca de conhecimento, os diretores das faculdades pagas são incisivos: "Temos de levar o produto onde o público está, essa é a teoria do marketing."

Trocado em miúdos, "o mercado nos guia", como se o objetivo primordial da universidade particular, em teoria, fosse o lucro. Na prática, não há dúvida de que é.

E o mercado? Será que guia a imprensa também?

(*) Jornalista e analista de sistemas

    
    
                     

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