Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

O monólogo do marketing

ESTADO-ESPETÁCULO

Alexandre Gomes (*)

Na era de comunicação de massas um governo não pode dar-se ao luxo de deixar de comunicar-se com os cidadãos, e é evidente que esta comunicação não pode dispensar os veículos de comunicação. Mas há diversas questões relativas a esta comunicação que precisam ser debatidas para que se aprimore a comunicação efetiva e se reduzam os desvios.

A primeira dessas questões diz respeito à metodologia propriamente dita da propaganda. A utilização massiva do marketing e da publicidade tende a esvaziar de sentido a mensagem, tirando dela seu caráter político, racional, argumentativo, substituindo-o por "comandos", atitude que não só não contribui para a cidadania como a ataca em seus fundamentos.

Se o meio é a mensagem, o que chega através da publicidade oficial elaborada segundo as regras do setor ? repleta de imperativos e destinada a causar aceitação sem reflexão ? é uma mensagem de despolitização, de alienação, de anticidadania. Certamente há quem torça o nariz a este tipo de argumentação, destacando mais os resultados obtidos do que os métodos utilizados.

Palco do show business

Mas é necessário refletir sobre esses resultados, incluindo aí a propaganda eleitoral, que padece do mesmo vício. Se a propaganda não tem conteúdo político ? entendido aqui como político o que tenta argumentar através da razão na defesa de seus pontos de vista e justificativas ?, então o que vale é estritamente o virtuosismo, a expertise dos técnicos.

Ora, ao acontecer isso o Estado e os partidos políticos ? no caso das campanhas eleitorais ? ficam desprovidos de efetivos controle, identidade e personalidade. A comunicação eficiente do governo ou a campanha vitoriosa não serão aquelas que de forma mais eficiente conseguiram convencer os cidadãos de seus pontos de vista, mas aquela que conseguiu utilizar melhor as regras da publicidade e do marketing.

No médio prazo os efeitos são bem conhecidos para os clientes ? afastamento entre governantes e governados, apatia dos cidadãos, pasteurização dos programas partidários, eliminação das diferenças significativas e relevantes entre as propostas políticas ?, para os cidadãos ? substituição das ações efetivas para melhoria das suas condições de vida por programas destinados a gerar imagem favorável, incapacidade de se comunicar diretamente com os agentes políticos, aviltamento da cidadania transformada em relação de consumo ? e para o Estado ? substituição do objetivo de melhorar a vida dos cidadãos pela função de palco do show business.

Propaganda e ilusão

No longo prazo as perspectivas são ainda mais negras, porque se desenha com isso um cenário típico das distopias totalitárias, como as de George Orwell e Aldous Huxley ? à esquerda ou à direita, poderia ser dito. A substituição do diálogo da política pelo monólogo da publicidade certamente não produzirá um Estado melhor. Se não destruir o Estado que se tem já será uma grande vantagem.

Mas, como as pessoas do setor não se preocupam muito com essas questões abstratas, filosóficas, éticas ou relacionadas a qualquer coisa que não se encontre no plano material, é preciso apontar um argumento econômico também. O Estado-espetáculo e o candidato-iogurte, como as outras drogas, requerem cada vez mais recursos para manter o mesmo grau de eficiência.

Hoje, só a propaganda oficial já gasta o equivalente a 7% de toda a verba do mercado publicitário ? segundo dados citados pela Folha de S.Paulo (10/11/03) ?, e é perfeitamente admissível imaginar a hipótese de que este valor cresça bastante nos próximos anos. Quanto mais se gasta em publicidade menos recursos se tem para as verdadeiras responsabilidades do Estado. Portanto, é preciso ainda mais propaganda para criar a ilusão de que algo é feito, engendrando-se um círculo vicioso que termina em insolvência e/ou revolução.

(*) Assessor da liderança do PSDB na Assembléia Legislativa do estado de São Paulo, 35 anos