Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

O número-notícia

A divulgação de cifras e estatísticas, nos meios de comunicação, tende a distorcer a compreensão da realidade dos fatos, seja por falta de conhecimento das técnicas aplicadas na Estatística, seja por um mascaramento intencional das informações, buscando o sensacionalismo e a tendenciosidade.

A citação acima, ora atribuída a Mark Twain 1 , ora a Disraeli 2 , deve ter uns bons cem anos, mas continua viva e passando muito bem, obrigado. A seara é vasta, com as “mentiras estatísticas” proliferando na mídia, com fumos de verdades absolutas, por se tratar de números revestidos (ou travestidos) de palavras – o que é, para dizer o mínimo, inadequado, apesar de fornecer a estes números uma certa aura de autenticidade que poucas pessoas se dão ao trabalho de investigar. A mídia é enfática, apelativa, e, claro, precisa destes recursos para tornar seu produto atraente e vendável. Já a Estatística não precisa de palavras. Tem condições de descrever, de maneira segura, qualquer fenômeno, qualquer porção da realidade, seja do mundo ao nosso redor, seja das dimensões macro ou micro, imperceptíveis, porém capturadas pela aplicação de métodos matemáticos. E justamente por ser uma das Matemáticas, submete-se ao seu rigor e às suas amarras, controlando até suas próprias imersões no acaso, apontando sua própria “margem de erro”, validando (ou não) seu próprio processo. A Estatística pode se dar ao luxo de desconfiar de seus caminhos, de duvidar de sua objetividade, descartando seus excessos em busca de uma precisão que é a medida e, por que não dizer, o orgulho de sua confiabilidade. Esta qualidade anda ausente da mídia, que precisa de palavras, sons e imagens para dar sua versão dos fatos.

De alguns anos para cá, os jornais, revistas, rádio e TV criaram ou associaram-se a institutos de pesquisa estatística, e desde então as notícias vêm recheadas de cifras e gráficos que, em quase todas as vezes, mais distorcem que esclarecem. Tabelas foras de norma, gráficos absurdamente errados, medidas incompletas, números disparatados saltam das manchetes e induzem a um entendimento apressado, simplista e freqüentemente falso. A mídia evidencia seu despreparo e irresponsabilidade em lidar com estatísticas ao confundir milhões com bilhões, misturar diferentes unidades de medida, comparar grandezas sem nenhuma correlação. Não é raro aparecer uma manchete do tipo “Rombo nas contas do governo está entre 3 e 5 bilhões” 3 , ou “OMS avalia em 500.000 o número de prostitutas infantis no Nordeste” 4. Chegou-se até a criar o neologismo “infográficos”, para um tipo de ilustração (?) da notícia envolvendo números.

A questão é: como informar fatos que envolvem dados estatísticos? Ou melhor: como noticiar números? Números não necessitam, a priori, de adjetivos ou advérbios que os “ajudem” a se expressar. Números falam por si, para quem sabe ler, mas carecem de atrativos, quando transmitidos sem exclamações ou letras imensas nas chamadas de primeira página. Pouca gente tem paciência, ou conhecimento, para ler uma tabela e, menos ainda, de seguir uma dissertação fria, repleta de percentuais e expressões como “assimetria moderadamente positiva” ou “tendência assintótica”. Por isso, a mídia desvia-se para o exagero, incha de hipérboles e mascara o fato. Este mascaramento é que é a mentira estatística da epígrafe deste texto.

Se em dias normais a imprecisão é dominante, em épocas de campanhas eleitorais torna-se um verdadeiro carnaval e, como nas guerras, a verdade é a primeira vítima. Nestes tempos, a natural incompetência em trabalhar com números alia-se a uma indisfarçada tendenciosidade, e o número-notícia é intencionalmente deformado e exposto para desviar nosso entendimento. Como exemplo, imagine a seguinte situação:

Tabela 1 – Intenção de voto em 15-11-1997

Candidato