Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

O ocaso da Vênus Platinada

ARMAZÉM LITERÁRIO

Autores, idéias e tudo o que cabe num livro

TV GLOBO

Tem lançamento marcado para dezembro o livro A Deusa Ferida – por que a Rede Globo não é mais a campeã absoluta de audiência. O volume é o resultado de estudo realizado por professores de ciências sociais e comunicação da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. O grupo dedicou-se a analisar a variação da audiência da TV Globo nos principais mercados brasileiros nas últimas três décadas.

O jornalista Gabriel Priolli, um dos dois coordenadores da pesquisa (com Sílvia H.Simões Borelli), diz, sobre A Deusa Ferida: "É um livro sobre a Globo, não contra a Globo. Um estudo sobre a audiência da TV e não um libelo contra a empresa líder do mercado. Desautorizamos, desde já, todo e qualquer uso que outras emissoras vierem a fazer sobre os dados nele contidos, para fins de publicidade ou outras ações de competição mercantil".

A seguir, a íntegra da apresentação do livro.



A Deusa Ferida – por que a Rede Globo não é mais a campeã absoluta de audiência, Summus Editorial, São Paulo, 2000. Lançamento em 4 de dezembro, das 18h30 às 21h30, na Livraria da Vila – Rua Fradique Coutinho, 915, Vila Madalena, São Paulo/SP, tel (11) 38145811

A Globo não é mais a mesma. A Globo agora perde de todo mundo. Logo o SBT vai passar a Globo, se a Record não passar os dois antes. A Globo só se sustenta porque tem as novelas. As novelas da Globo estão em crise. A Globo só tem força porque tem um jornalismo forte. O jornalismo da Globo está piorando. A TV a cabo vai acabar com a Globo. A Globo quer se expandir no exterior porque aqui no Brasil ela está condenada. A Globo não é nem sombra do que foi no passado.

As afirmações acima foram extraídas de artigos de imprensa ou de intervenções em seminários, e vieram de especialistas em mídia, professores, jornalistas e observadores diversos da cena cultural brasileira. Elas confirmam a antiga obsessão da intelectualidade pela TV Globo, sempre um rico objeto de estudo, em sua condição de principal indústria audiovisual do país, e cabeça da maior e mais assistida rede de televisão. O negativismo de algumas apreciações é típico das abordagens sobre a empresa, pela qual não poucos nutrem uma indisfarçável antipatia, em razão do enorme sucesso popular de que ela desfruta e do uso político que habitualmente faz, sem maiores acanhamentos, desse poder. Há quase um prazer sádico em imaginar a "Vênus platinada" de outrora, a deusa inatingível do Olimpo das audiências, penar como plebéia na planície das vicissitudes.

Mas, por heterogêneos que sejam esses comentários, há um denominador comum entre eles: a imprecisão. É notável como, a partir de notícias negativas, envolvendo os índices de audiência da emissora, presume-se a sua fragilidade, decreta-se a inexorabilidade de seu fracasso e alardeia-se aos quatro ventos a sua agonia. Repetida à exaustão, a evidência de problemas transforma-se em certeza e é propalada como fato, sem que ninguém se dê ao trabalho de examinar, com rigor, o que realmente está acontecendo com a Globo e para onde sopram os ventos, no humor volátil do público.

A proposta deste estudo, realizado por um grupo de professores de ciências sociais e comunicação da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, é exatamente essa: examinar os fatos. Estudar a variação da audiência da TV Globo nos principais mercados, nos últimos 30 anos, tomando por base, entre outros, os dados do IBOPE-Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística, que são utilizados diariamente pelas emissoras, em suas estratégias de programação e marketing. Identificar os números precisos da audiência da Globo, no plano local e nacional, e registrar com exatidão as suas oscilações. Examinar as razões pelas quais as médias registradas pela Globo na década dos 90 são, efetivamente, menores do que as das décadas dos 70 e dos 80. Produzir, enfim, uma imagem em alta definição da situação atual da emissora, em vez dos retratos desfocados e impressionistas correntes na mídia.

Realizado o trabalho, em meses de apuração de dados, decantação e análise, algumas certezas emergem: 1) sim, a Globo está perdendo audiência; 2) a perda de audiência tem sido constante, ao longo dos anos 90; 3) fatores internos e externos explicam essa perda de audiência; 4) a audiência perdida não está se concentrando numa única emissora concorrente, mas espraia-se por diversas emissoras; 5) apesar da perda de audiência, a Globo segue liderando bem à frente das demais; 6) não é possível antecipar, com segurança, o momento no futuro em que será ultrapassada – ou mesmo se isso acontecerá, dado que ela mesma, certamente, realiza estudos semelhantes para uso interno, e há de estar concebendo estratégias para permanecer à frente do mercado.

Entre os dados apresentados nas páginas seguintes, que são vastos e múltiplos como se verá, talvez o mais relevante seja mesmo o declínio do volume de audiência da Globo. Em 1979, por exemplo, a emissora registrou audiência média anual de 49% no horário nobre, no Rio de Janeiro, e 51,5% em São Paulo. Em 1987 estava ainda melhor na capital paulista: média anual de 53,5%. Nos anos 90, entretanto, a Globo só perdeu posições. Em 1997, computada a audiência em várias capitais, obteve apenas 37% de média anual nacional. Amargou, portanto, uma substantiva perda de 16,5 pontos percentuais em uma década, na comparação entre o que obtinha na sua principal praça (São Paulo) e o que passou a ter em todo o país. Para que o leitor tenha idéia do que isso significa, trata-se de um contingente de público três vezes maior que o da Rede Bandeirantes. Ou, dizendo de outra forma: em dez anos a Globo perdeu três Bandeirantes.

Alguém há de argumentar que isso aconteceu "antes de Terra Nostra" e que a novela de Benedito Ruy Barbosa inverteu a curva descendente da Globo. De fato, a coleta de dados para a pesquisa foi concluída antes da estréia do folhetim. Não poderia, portanto, computar o eventual impacto que a saga da imigração italiana teria produzido sobre a audiência da Globo. Mas, considerados os números que a imprensa vem revelando e a despeito da enorme repercussão que obteve, Terra Nostra está longe de ser um "blockbuster" global como os dos anos 70 – um Pecado Capital, um O Astro. Segundo os dados do IBOPE publicados nos jornais, entre dezembro de 1999 e abril de 2000, flutuou em São Paulo na faixa dos 44 pontos – excelentes, sem dúvida, no contexto da competição televisiva atual, mas bem aquém de muitas novelas predecessoras. Não se invalidam, assim sendo, duas constatações deste estudo: a tendência de queda na audiência da Globo e a crise no gênero telenovela.

Alguns mais paranóicos, por fim, haverão de buscar motivações ocultas nesta pesquisa. Verão más intenções por trás de cada linha, maquinações obscuras e, certamente, o mesmo sadismo dos que se comprazem com o declínio da "Vênus", da deusa do IBOPE. Nada mais falso. Move os pesquisadores apenas o desejo de tornar transparente a verdade. É sólido neles o respeito pelas conquistas da TV Globo, assim como o reconhecimento do que faz pela cultura brasileira e pelas centenas de artistas, técnicos e jornalistas que emprega e valoriza. Se a Globo está perdendo poder, ainda é a mais poderosa, influente e competente televisão do país. E é nessa medida que cabe estudá-la – como se quis fazer aqui.

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