Tuesday, 16 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1283

O ombudsman e o público Parte 1

O OBSERVATÓRIO DA IMPRENSA publica em três partes, a partir desta edição, a dissertação de Mestrado em Comunicação O ombudsman e o público, apresentada na Universidade Federal do Rio de Janeiro em agosto de 1998 e que será útil aos leitores como fonte de informação e pesquisa.

 

Jairo Faria Mendes

 

1. Introdução

Nesta dissertação apresentamos uma análise de colunas de ombudsman publicadas na Folha de S. Paulo, o primeiro jornal brasileiro a adotar o cargo e o que mais apoiou a idéia. Através destas colunas, procuramos identificar as particularidades do discurso do ombudsman de jornal.

As colunas de ombudsman foram escolhidas como objeto de estudo por trazerem muitas particularidades com relação a outros discursos presentes na imprensa e em outros tipos de media.

Isso apesar de existirem discursos com características bem diferentes nos media. Pegando somente os discursos dos meios impressos, pode-se encontrar em cada gênero do jornalismo muitas diferenças entre seus discursos, como a notícia, a reportagem, o comentário, a resenha, a fotografia, a charge, a coluna social.

Não é o objetivo desta dissertação discutir as particularidades de cada um destes discursos. No entanto, procuraremos, rapidamente, apontar algumas diferenças destes discursos da imprensa com relação ao discurso do ombudsman.

O intertexto presente nos discursos da imprensa, por exemplo, é bem diferente do encontrado nas colunas de ombudsman. Se os jornais privilegiam as falas das celebridades, as colunas de ombudsman dão maior atenção às falas do público e dos profissionais de imprensa.

Uma característica bem particular das colunas de ombudsman é que são um espaço para a crítica de tudo o que é publicado no jornal. O discurso do ombudsman aparece em uma situação privilegiada com relação aos demais discursos presentes no jornal.

As colunas de ombudsman dizem o que é certo e errado no jornal (e em outros media). E, além disso, o ombudsman também recebe o título de advogado e representante do leitor, o que lhe confere, pelo menos aparentemente, grande legitimidade.

As funções do ombudsman de representar o leitor e criticar o jornal onde trabalha tornam seu discurso atípico. Quando ele se apresenta como crítico traz o metadiscurso, ou seja, seu discurso, que é mediático, se refere àquilo que é divulgado pelos media (que é o discurso dos meios de comunicação).

A crítica dos media nos próprios meios de comunicação aparece, principalmente, nas colunas de ombudsman. Estas colunas recebem a tarefa maldita (para os media) de desvelar o processo mediático. Por isso, elas possuem um caráter atípico e um discurso igualmente atípico.

Já quando o discurso do ombudsman relata a opinião dos leitores e se apresenta como um representante deles, ele contribui para o surgimento de um espaço de interlocutoriedade entre, principalmente, público e jornal. Um espaço diferente, que foge, pelo menos parcialmente, do esquema verticalizado de comunicação, que é próprio dos media, que detêm o quase monopólio da fala, restando ao público somente o direito de escolher qual meio de comunicação irá receber em cada situação.

Esta possibilidade que as colunas de ombudsman trazem, de contribuir para um processo de comunicação mais democrático e interativo, faz com que seja ainda mais importante a análise de seu discurso. Diante de um quadro que coloca o público oprimido pela impossibilidade de responder ao grande número de informação que recebe diariamente, é muito importante estudar os poucos espaços (presentes nos próprios media) que possam dar oportunidade de melhorar esta situação.

Os meios de comunicação criaram uma grande censura, a da possibilidade de responder ou falar. Com esse fluxo de comunicação unilateral, os media se tornaram grandes instrumentos de dominação, deixando a sociedade numa situação semelhante à descrita por George Orwel, no livro 1984.

Além disso, os meios de comunicação também estão cada vez mais concentrados nas mãos de menos pessoas. Nos Estados Unidos, de 1983 a 1991, os 50 grupos que controlavam os meios de comunicação no país foram reduzidos a apenas 23. A compra da rede de TV ABC pela Disney, que possibilitou a formação da maior estrutura de comunicação e entretenimento do planeta, também confirmou esta tendência.

No Brasil, dez grupos controlam 90% dos meios de comunicação (nove familiares e um religioso): Abravanel (SBT), Bittencourt-Nascimento (Jornal do Brasil), Block (Manchete), Civita (Abril), Frias-Caldeira (Folha de S. Paulo), Marinho (Globo), Mesquita (O Estado de S. Paulo), Saad (Bandeirante), Sirotsky (Rede Brasil Sul) e Igreja Universal do Reino de Deus (Record).

Neste quadro, de hegemonia dos meios de comunicação, os críticos dos media têm muito a desvelar. A medida que os meios de comunicação se concentram nas mãos de menos pessoas, mais importantes se tornam os mecanismos de fiscalização e questionamento dos media.

O ombudsman surgiu como um ouvidor, na Suécia, em 1713, sendo conhecido como o “representante do Parlamento”, e, indiretamente, dos cidadãos. Sua função era ouvir as queixas que os cidadãos tinham do poder público, investigá-las e, caso fosse necessário, pedir providências. O primeiro ombudsman de imprensa surgiu nos Estados Unidos, em 1967. No Brasil, a Folha de S. Paulo foi pioneira na criação do cargo, adotando-o em 1989.

Os ombudsmen de jornais tinham um trabalho diferente dos de governo e, principalmente, dos de empresas. Principalmente, por o ombudsman de imprensa quase sempre também ser um crítico, tendo uma coluna na publicação onde trabalha para analisar os media. No governo, em órgãos públicos ou empresas, o ombudsman simplesmente ouve as queixas dos cidadãos ou consumidores e pede que sejam tomadas medidas para resolver problemas que sejam apontados pelo público.

No entanto, o ombudsman sueco (um ombudsman de governo), desde sua oficialização em 1809, conta com um espaço para tornar públicas as queixas dos cidadãos e os problemas que tenham sido observados por este profissional. Todo ano o ombudsman faz um extenso relatório, que é transformado em livro e, depois, distribuído a todos os funcionários públicos (o principal alvo das críticas) do país.

Muitos jornais do mundo adotam ombudsmen. Os dois países a darem maior ênfase à função são os Estados Unidos e o Japão. No Japão, metade dos jornais possuem “representantes dos leitores”. No Brasil, existem alguns jornais com ombudsmen. Os principais são a Folha de S. Paulo, O Dia, O Povo (CE), Correio da Paraíba (PB) e Diário do Povo (Campinas-SP).

Entre os jornais brasileiros com a função, o que causou maior repercussão e serviu como modelo para as outras publicações citadas acima foi a Folha de S. Paulo. A Folha de S. Paulo não foi somente o primeiro jornal brasileiro a adotar um ombudsman, mas a primeira instituição a realizar isto. A grande prova do sucesso da experiência do jornal paulista foi a proliferação da idéia. Hoje, existe um grande número de empresas, órgãos públicos e, até mesmo, administrações municipais com ombudsman.

Além disso, entre os jornais que adotaram ombudsman no país (com colunas de crítica dos media), a Folha de S. Paulo é a publicação de maior circulação. Ao contrário dos outros jornais brasileiros com ombudsman, que tem circulação regional e conseqüentemente tratam prioritariamente de assuntos locais, a Folha de S. Paulo tem circulação nacional e dá ênfase a questões de interesse em todo o país. Por isso foram escolhidas como corpus da pesquisa as colunas de ombudsman deste jornal.

Também é interessante observar que a criação do cargo na Folha de S. Paulo, em 1989, ocorre pouco depois de importantes conquistas sociais e jurídicas para a nação. Um ano antes, em 1988, havia sido promulgada uma nova Constituição com ênfase na defesa dos direitos do cidadão. Neste mesmo ano, também foi criado o Código de Defesa do Consumidor e o Estatuto da Criança e do Adolescente. Nada mais justo que se criassem formas de fiscalização dos meios de comunicação, uma das principais funções do ombudsman.

Foram lidas e analisadas centenas de colunas publicadas no jornal paulista. No entanto, as colunas publicadas entre 17/12/95 e 29/12/96 (quando o ombudsman era o jornalista Marcelo Leite) foram analisadas mais profundamente, principalmente quanto às suas marcas lingüísticas.

Para a realização desta dissertação fizemos uma ampla pesquisa bibliográfica e aproveitamos informações obtidas via Internet. Os dois sites que mais contribuíram para a dissertação foram:

1- “Observatório da Imprensa” (http:www.uol.com.br/), que traz artigos de crítica aos media (colunas de ombudsman, de media criticism), discute assuntos relacionados à prática do jornalismo e noticia coisas relativas ao trabalho dos ombudsmen brasileiros;

2- “ONO – Organization of News Ombudsmen” (http:www.infi.net/ono/) – que oferece colunas de ombudsmen de imprensa de várias partes do mundo (inclusive reproduz, em língua inglesa, colunas de ombudsmen do Brasil), além de muitos artigos e ensaios sobre a função.

As principais colunas analisadas (relativas a 1996) foram tiradas do CD-Rom Folha de S. Paulo Edição 97. A facilidade trazida por este CD-Rom foi importante para a realização do trabalho. Com ele foi possível localizar, rapidamente, vários termos-pivôs, que foram analisados nesta dissertação.

Também foi essencial para a realização desta dissertação o arquivo da Biblioteca Nacional, onde pudemos ter acesso a colunas antigas de ombudsman.

A atual ombudsman da Folha de S. Paulo, Renata Lo Prete (empossada em 1998), foi procurada e respondeu a um questionário, enviado a nós na forma de e-mail. Apesar das respostas bem curtas, estas também contribuíram para a dissertação.

Dividimos a dissertação em quatro partes. Na primeira, que tem como título Ombudsman, falamos sobre o trabalho deste profissional. Contamos a história dos ombudsmen de imprensa (no Brasil e no mundo) e apresentamos como é o trabalho deles. Também mostramos como é o trabalho do ombudsman sueco (que serviu de modelo para o resto do mundo). Além disso, falamos sobre as colunas de media criticism, que desempenham um papel semelhante às de ombudsman.

Na segunda parte, é analisado o conteúdo das colunas de ombudsman. É mostrado o que compõe as colunas, apresentando vários exemplos, e discutida a importância de cada tema.

Na terceira parte, que tem como título “O Metadiscurso do Ombudsman”, discutimos algumas questões teóricas que serviram de base para a análise do discurso das colunas de ombudsman. Primeiramente, falamos sobre o metadiscurso e como ele aparece no discurso do ombudsman. Depois, sobre as marcas de polifonia presente no discurso dos media. Por último, discutimos sobre a voz do leitor no discurso do ombudsman.

Na quarta parte, com o título “Marcas Lingüísticas do Discurso do Ombudsman”, analisamos algumas marcas lingüísticas presentes num grupo de 50 colunas do ombudsman Marcelo Leite, publicadas na Folha de S. Paulo. Estudamos semanticamente as palavras leitor(es), jornalista(s) e ombudsman. Além disso, analisamos como o ombudsman utiliza a primeira e a segunda pessoas, e algumas outras marcas lingüísticas.

Neste estudo, tivemos como uma de nossas preocupações centrais compreender como a relação ombudsman/leitor aparece no discurso do “representante do leitor”. Identificamos várias estratégias enunciativas que o ombudsman utiliza para se aproximar do leitor e, com isso, criar uma relação de diálogo com ele.

2. O ombudsman

O termo ombudsman surge na Suécia como a junção da palavra sueca “ombud” (que é traduzida como “delegação”) e “man” (homem). A palavra foi traduzida pelo primeiro ombudsman de imprensa do Brasil, Caio Túlio Costa, como “aquele que representa”, mas seu significado é o de “pessoa encarregada de delegação”. Seria incorreto utilizar como seu plural “ombudsmen” (já que a palavra não é inglesa), mas como desde o início da função no país tem se adotado esta forma, ela também vai ser usada nesta dissertação.

Inicialmente, o ombudsman aparece como um ouvidor-geral, recebendo queixas dos cidadãos. Posteriormente, ele seria estendido a entidades privadas, como jornais e empresas de todos os tipos. A sua função é ouvir o público e atuar como uma espécie de advogado. Na imprensa, além desta função de ouvidor, o ombudsman também é um crítico, contando com uma coluna no jornal (geralmente semanal) e boletins que circulam internamente no meio de comunicação.

O ombudsman surge na Suécia, em 17l3 (com pouca independência do executivo, na figura do chanceler de Justiça), sendo oficializado por uma reforma constitucional em l809 e ganhando autonomia para seu trabalho. Ele tinha o status de ministro e era nomeado pelo governo com a função de ouvir as queixas que os cidadãos tinham contra o poder público. Se alguém era mal atendido em uma repartição pública, se tinha problemas com a burocracia, se tinha conhecimento de irregularidades no serviço público, era o ombudsman quem ele deveria procurar.

Posteriormente, os ombudsmen foram adotados em outros países, principalmente nos escandinavos. Foram criados ombudsmen contra as discriminações étnicas, o ombudsman do Parlamento, o dos consumidores etc. O ombudsman era um ouvidor, alguém que era responsável por receber queixas e buscar soluções. O primeiro ombudsman de imprensa surgiu nos Estados Unidos em julho de l967 com a função de ouvir as queixas dos leitores do Louisville Courier Journal e do Louisville Times, ambos de Louisville, no estado de Kentucky. No Brasil, o cargo só foi criado em setembro de l989, pela Folha de S. Paulo.

Muito antes da criação do cargo de ombudsman na Suécia (século 18), já havia experiências com ouvidores. Sabe-se que na Roma antiga existiam os tribunos da plebe, que tinham como função ouvir as queixas dos cidadãos. No Brasil colonial eram os bispos que tinham a função de “ouvidores da Coroa”, o que deu origem à expressão popular “vá se queixar ao bispo”, que mostra sua inutilidade como ouvidores.

O ombudsman se propõe a ser muito mais do que os tribunos da plebe, os bispos do Brasil colonial e outros engodos criados com a função de ouvidores. No entanto, na imprensa, desde sua instituição, os ombudsmen muitas vezes foram vistos com suspeição e acusados de serem “relações públicas” travestidos de ouvidores.

Editor do Washington Journalism Review, em artigo publicado em 1990, ressalta a importância do cargo para a empresa:

“…depois de 10 anos, com três ombudsmen diferentes em Minneapolis, eles não só reduziram a hostilidade do público com a revista, mas também aumentaram a compreensão dos leitores sobre como é feito nosso trabalho” (BAILEY, 1990 – tradução minha)

A declaração de um leitor da Folha de S. Paulo, transcrita pelo ombudsman Marcelo Leite em sua coluna semanal, confirma esta idéia:

“Todos os domingos o sr. inunda com críticas a Folha de S. Paulo, que em parte contemplam a indignação da semana. No entanto, além de apaziguar os ânimos dos leitores indignados, o que é uma função comercialmente importante, suponho, qual é na verdade a sua função nesse jornal, se suas críticas parecem ser solenemente ignoradas?” (trecho de correspondência do leitor Gustavo Cunha transcrito na coluna de 29/12/96)

O ex-ombudsman da Folha de S. Paulo Caio Túlio Costa conta que uma pesquisa feita em 1984 e publicada pela Columbia Journalism Review, analisando 800 colunas de ombudsmen americanos, mostrou “que, na sua maioria, os intransigentes defensores do leitor estavam mais preocupados em desculpar as falhas do jornal ou dos jornalistas, explicar ao leitor suas dificuldades, as difíceis condições de trabalho, do que produzir crítica interna”. (COSTA, l991:20 e 21)

Estela Carvalho de Azevedo, em sua dissertação de Mestrado com o título “Aspectos da intertextualidade na coluna do ombudsman da Folha de S. Paulo”, também critica o ombudsman:

“(…) os comentários existentes são hierarquizados por uma avaliação que torna Costa, na maioria dos textos analisados, um defensor não do leitor, mas sim, da Folha de S. Paulo; nesse momento, torna-se porta-voz de um grupo, apresentando avaliações que são resultados da ideologia do grupo.” (AZEVEDO, 1992, p.179)

O ombudsman de jornal tem uma particularidade muito importante que o diferencia dos outros, o fato dele também ser um crítico. A palavra “ouvidor”, muitas vezes colocada como sinônimo de ombudsman, dá idéia de passividade, de algo muito semelhante as seções de reclamações das empresas.

Já quando se observa o seu trabalho como crítico, compreende-se como é diferente o trabalho do ombudsman de jornal (pelo menos quanto aos que possuem colunas semanais, pois existem exceções). Lendo-se as colunas de ombudsman da Folha de S. Paulo (o corpus da pesquisa) se vê que ela traz algo semelhante ao apresentado nas colunas de media criticism (crítica dos meios de comunicação).

As diretrizes para ombudsmen de imprensa, aprovadas em 1982 pela Organization of News Ombudsmen (ONO), mostram as funções deste profissional:

“Os objetivos de um ombudsman de jornal devem ser:

– Aperfeiçoar a eqüidade, a exatidão e a responsabilidade do jornal.

– Aumentar sua credibilidade.

– Investigar todas as queixas e recomendar ação corretiva quando for o caso.

– Alertar o diretor de redação sobre todas as queixas.

– Fazer conferências ou escrever para o público sobre as linhas, as posições e as atividades do jornal.

– Defender o jornal, publicamente ou em particular, quando for o caso.

Alguns dos meios de que o ombudsman dispõe para chegar a seus objetivos e cumprir suas tarefas incluem:

– Coluna.

– Memorandos internos.

– Reuniões com as equipes.

– Questionamentos.

– Conferências.

O ombudsman deve ser independente e esta independência deve ser real. Ele deve responder apenas à pessoa com a mais alta autoridade na redação.” (COSTA, 1991, p.34)

Os ombudsmen da Folha de S. Paulo, de acordo com Caio Túlio Costa, além de ouvidores também têm as funções de fazerem a crítica dos meios de comunicação, fazer um boletim de crítica que circula internamente no jornal e contribuir para a melhoria da qualidade da publicação.

O ombudsman de jornal por um lado desempenha uma função passiva, como ouvidor, e, por outro, uma ativa, como crítico. Neste antagonismo ele produz seu discurso, com a possibilidade de falar em nome próprio (como crítico) ou em nome dos leitores (como representante dos leitores).

Uma leitura rápida de colunas de ombudsman da Folha de S. Paulo sugere que este se apresenta mais como um crítico do que como um representante dos leitores. No entanto, sabe-se que o ombudsman tem um contato muito grande com o público. Caio Túlio Costa, por exemplo, conta que atendia telefonemas de leitores durante quatro horas por dia (das l4 às 18 horas). Além disso, ele recebia um grande número de cartas, fax, e-mails, recados na secretária eletrônica e, até mesmo, a visita de leitores. Logicamente, um crítico cercado por tantas interpelações não teria um trabalho igual ao de um crítico comum. A atual ombudsman da Folha, Renata Lo Prete, diz que “é necessariamente influenciada pelas manifestações dos leitores”, mas não soube determinar em que medida.

Pelas características de suas funções o ombudsman precisa de independência da direção do jornal em que trabalha. Para isso, geralmente, os jornais se comprometem a dar estabilidade em sua função durante um mandato preestabelecido (na Folha de S. Paulo ele é de um ano, podendo ser prorrogado por mais dois) e estabilidade no emprego por mais algum tempo após largar o cargo. Alguns ombudsmen têm mandatos longos, havendo caso de jornais que permitem que ele permaneça mais de dez anos no cargo.

Os ombudsman passaram a ter estabilidade no cargo depois de um incidente, no Washington Post, em 1972. Ben Bagdikian, que era ombudsman do Post nesta ocasião, ao participar de uma conferência disse que a melhor maneira de influenciar as empresas de comunicação era por intermédio de boicotes econômicos. Nesta mesma conferência ele também defendeu o jornal de acusações de realizar coberturas racistas.

O editor-executivo do Post, Ben Bradlee, pediu para que Badikian renunciasse ao cargo, acusando-o de deslealdade. No entanto, Badikian continuou no cargo e só o abandonou, alguns meses depois, porque algumas colunas suas não foram publicadas. Em razão deste fato, o Post criou o contrato de trabalho definindo o mandato do ombudsman, o que foi copiado por outras publicações.

Os ombudsmen, na maioria dos jornais, não possuem poderes decisórios. A eles cabem sugerir correções que devem ser feitas pela publicação. No entanto, será a direção do jornal que decidirá a publicaà7ão delas. De acordo com Caio Túlio, a maioria das sugestões que ele deu como ombudsman foram aceitas, mas houve vários casos em que o jornal foi irredutível e não assumiu ter errado. Alguns ombudsmen, como o do San Diego Union, têm poderes para determinar a correção.

O público-alvo das colunas de ombudsman são não só os leitores comuns do jornal, mas também os jornalistas que trabalham na publicação e, até mesmo, profissionais e dirigentes de outros meios de comunicação. “Leitores e a Redação vão ter que me agüentar por mais três semanas”, diz o ombudsman Marcelo Leite em sua coluna do dia 29 de setembro de l996, deixando claro qual o seu público-alvo. Se por um lado o ombudsman aparece como “representante dos leitores”, por outro, ele também pode ser chamado do “inimigo dos jornalistas”. O ombudsman Marcelo Leite, na coluna de 29/12/96, diz que a sua função é “incomodar a redação (…) tirar os jornalistas da situação cômoda em que muito se imaginam, a de não prestar contas a ninguém, mesmo exigindo-as de todos”.

Apesar de nem sempre o ombudsman ir contra a publicação e/ou ir a favor dos leitores.

Com isso, é comum o ombudsman ser alvo de ataques por parte de jornalistas. Constantemente, profissionais da Folha de S. Paulo respondem ao ombudsman em outras partes do jornal. O conflito mais sério, na Folha de S. Paulo, foi de Paulo Francis com o ombudsman Caio Túlio Costa. Houve troca de ofensas, através de suas respectivas colunas, e a briga só terminou após a interferência do jornal.

Caio Túlio conta que, quando tirou férias em janeiro de 1991, o banheiro do jornal ganhou a seguinte inscrição: “Podem cagar à vontade, o ombudsman está de férias”.

Os ombudsmen de jornal são sempre jornalistas, escolhidos pela própria direção da empresa. Geralmente, são escolhidos profissionais com muita experiência em jornalismo e que se destaquem entre os jornalista da publicação. Com isso, a maioria dos ombudsmen são pessoas de mais de 50 anos. A Folha de S. Paulo tem quebrado esta regra. Seu primeiro ombudsman, Caio Túlio Costa, assumiu o cargo com apenas 35 anos. Outros jornais brasileiros como o AN Capital/SC e O Povo/CE têm nomeado ombudsmen com menos de 40 anos.

O ombudsman sendo escolhido pela direção do jornal coloca em suspeita até onde ele seria um representante do leitor. Além disso, também compromete a independência do seu trabalho o fato de ele ser selecionado entre os jornalistas da empresa. Ele por um lado tem um grande conhecimento do jornal que vai criticar, mas, de outro, manteve relações pessoais com os profissionais da publicação. A forma como o ombudsman é escolhido dá a idéia do “lobo tomando conta dos carneiros”.

O distanciamento físico da sala do ombudsman da redação do jornal contribui para a independência de sua função. Na Folha de S. Paulo, o ombudsman trabalha em um prédio ao lado da empresa. No entanto, nem todos os jornais fazem isso.

Os ombudsmen têm uma instituição que os representa mundialmente, a ONO (Organization of News Ombudsmen). A organização foi criada em 1980, com sede em Sacramento, na Califórnia, nos Estados Unidos. A entidade é mantida por anuidades pagas por jornais que possuem colunas de ombudsmen.

A ONO faz intercâmbio entre os vários ombudsmen do mundo, fazendo troca de colunas e informações. Além disso, ela realiza reuniões anuais, quando são feitas reflexões sobre a função.

Em 1996, a reunião ocorreu na Filadélfia, nos dias 5 a 8 de maio, e contou com a presença de 35 ombudsmen. A grande discussão do encontro foi sobre a extinção do cargo em uma grande quantidade de jornais, com o objetivo de contenção de custos. Só nos Estados Unidos sete jornais haviam acabado com a função. Deste encontro participaram três ombudsmen brasileiros: Folha de S. Paulo (Marcelo Leite), AN Capital/SC (Mário Xavier) e O Povo/CE (Márcia Gurgel).

2.1 O ombudsman sueco

A Suécia foi o primeiro país do mundo a adotar um ombudsman. Além disso, o país sempre deu muita ênfase na defesa dos direitos civis e muita importância ao trabalho do ombudsman. Por isso, o modelo de ombudsman da Suécia e o principal referencial para se debater sobre a função.

A principal função do ombudsman sueco (e de todos os ombudsman de governo) é fiscalizar o trabalho dos funcionários públicos, incluindo-se aí também juízes e cargos de comando. A lei sueca sempre foi muito rigorosa com esses funcionários, mais do que qualquer outro país do mundo.

O cargo de ombudsman foi criado pela Constituição de 1809 com a denominação de “Justitieombudsman”. Esta constituição foi fortemente influenciada pelas idéias de Montesquieu, dividindo as atribuições do Estado entre o Rei (e seus conselheiros), o Parlamento e o Judiciário. O ombudsman surgia para assegurar que as autoridades administrativas e os tribunais seguissem as leis.

As funções do ombudsman sueco são ouvir as queixas dos cidadãos (fazendo investigações para apurá-las), fiscalizar o poder público, enviar denúncias aos tribunais (caso apure grandes irregularidades) e fazer advertências (no caso de pequenas irregularidades), e elaborar um informe oficial anual (geralmente com 400 a 500 páginas). Este informe é um relatório de seu trabalho e traz um resumo dos casos mais importantes investigados no ano. Todos os funcionários públicos recebem uma cópia deste relatório, o que faz com que estes temam bastante serem citados no informe. “Éste es probablemente el medio más importante con que cuenta el JO (ombudsman) para influir en la aplicación de las leyes en Suecia.” (ROWAT, 1973, p.58)

Este espaço para a crítica pública para o ombudsman de governo sueco se assemelha as colunas dos ombudsmen de imprensa, publicadas nos jornais onde trabalham. É uma semelhança muito importante. Os ombudsmen de imprensa gostam de se diferenciar de outros tipos de ombudsman por fazerem a crítica dos media, mas o exemplo sueco mostra que a crítica pública não é um privilégio deles.

O ombudsman sueco não é um mero ouvidor. Pelo contrário, a maioria das investigações que ele faz não parte das queixas dos cidadãos. O ombudsman sueco é mais um fiscal do que um ouvidor. Ele e seus assistentes visitam cadeias, hospitais, tribunais, manicômios, delegacias e todos os tipos de órgãos públicos e inspecionam estes lugares. A maioria das investigações do ombudsman surgem das observações feitas durante as inspeções. De acordo com Donald C. Rowat, no livro “El ombudsman: El defensor del ciudadano”, esta inspeção é a atividade mais importante do ombudsman.

Esta característica do ombudsman sueco também possui uma equivalente a dos ombudsman de imprensa. Apesar dos ombudsman de imprensa receberem um grande número de manifestações do público (principalmente através de correspondências), eles realizam boa parte de suas críticas e investigações baseados em observações pessoais. Os ombudsmen de imprensa lêem inúmeros jornais do país e do exterior, assistem programas jornalísticos e, a partir de suas observações, baseiam seu trabalho.

Nos primeiros 100 anos de existência do cargo de ombudsman na Suécia, poucas pessoas procuravam ele. Por isso, era muito raro que as denúncias feitas pelo ombudsman tivesse partido de queixas do cidadãos. No século XIX, o ombudsman sueco recebia cerca de 70 queixas por ano. Atualmente, ele recebe mais de mil reclamações anuais.

Quando recebe uma queixa, o ombudsman solicita às autoridades competentes os documentos relacionados ao caso. Baseado nestes documentos o ombudsman poderá considerar a queixa infundada ou aprofundar as investigações. Mais da metade das queixas são arquivadas sem que sejam buscadas mais informações sobre elas.

Caso se aprofundem as investigações e o ombudsman conclua que houve irregularidades, ele pode tomar dois tipos de medidas. Se a falta for pequena, ele simplesmente faz uma advertência ao funcionário responsável por ela. Se for algo mais relevante, o ombudsman acusa o funcionário na Justiça. Na década de 60, por exemplo, o número de denúncias era de apenas cerca de cinco por ano.

O ombudsman é eleito por um grupo de 48 delegados que são escolhidos entre os membros do Parlamento (24 da Câmara e 24 do Senado). A sua eleição não desperta o interesse da população ou dos meios de comunicação. Geralmente, o ombudsman é eleito por unanimidade. Se este não for reeleito, quase sempre é colocado no seu lugar o ombudsman assistente.

Até 1941, os ombudsmen tinham um mandato de um ano, que poderia ser renovado indefinidamente. Depois desta data, houve uma reforma na lei que trata deste assunto e o ombudsman passou a ter mandato de quatro anos, também com a possibilidade de renovação por quantas vezes o Parlamento quiser. É costume, na Suécia, que ele tenha três mandatos (fique 12 anos no cargo) e depois se aposente.

O ombudsman sueco também sofre um forte controle do Parlamento. Todo ano, seu informe anual e seus registros são enviados a um comitê, formado por parlamentares, que discutirão sobre as decisões tomadas pelo ombudsman. Este trabalho costuma demorar cerca de três semanas, período no qual o comitê solicitará todos os documentos necessários para avaliar as intervenções tomadas pelo ombudsman.

2.2 Os críticos dos media

As colunas de crítica dos meios de comunicação, chamadas de media criticism, assemelham-se as de ombudsman. Isso ocorre, logicamente, porque também é função do ombudsman criticar os media. O primeiro ombudsman da imprensa brasileira, Caio Túlio Costa, conta que antes de assumir a função leu muitos números do “Jornal do Jornais”, uma coluna de media criticism da década de 70.

No entanto, elas diferem das colunas de ombudsman por não enfatizarem suas críticas ao jornal onde são publicadas. Além disso, o media critic não é um ouvidor, por isso ele não apresentará citações de manifestações dos leitores.

As colunas de media criticism foram muito importantes nas décadas de 60 e 70, principalmente nos Estados Unidos (onde existem até hoje). Elas foram muito úteis, por exemplo, na campanha pacifista pelo fim da Guerra do Vietnã e na denúncia do Caso Watergatte, que levou Nixon (então presidente dos EUA) a renunciar, em 1974.

No Brasil houve várias experiências de media criticism. Já na década de 50, Godin da Fonseca fazia a crítica dos jornais pela então Folha da Manhã.

A experiência de media criticism de maior repercussão no país foi o “Jornal dos Jornais”, de Alberto Dines (o mais importante crítico dos meios de comunicação da história da imprensa brasileira), publicado na Folha de S. Paulo, de 1975 a 1977. O mesmo Alberto Dines, na década de 80, teve uma coluna de media criticism no Pasquim, com o nome “Jornal da Cesta”. Na década de 90, Dines voltou fazer uma nova coluna de crítica dos media, com o título “O circo da notícia”, publicada na revista “Imprensa”. Ele contou (isso antes de lançar sua coluna na revista “Imprensa”) que foi no Pasquim que conseguiu realizar um melhor trabalho de crítica.

“(…) o ‘Jornal dos Jornais’, criado em 1975 na Folha de S. Paulo, apesar do seu enorme sucesso junto ao público, era muito mal visto pelos quadros dirigentes ou intermediários da grande imprensa. (…) A direção da FSP jamais interferiu – a não ser para acabar com a coluna, em setembro de 1977 – mas tive vários problemas com as chefias da Folha de S. Paulo. No domingo seguinte a uma crítica à própria FSP, minha coluna foi composta em corpo 4, evidente sabotagem, mais tarde confirmada. Em outra ocasião, criticando a linha de contracultura do segundo caderno, seu responsável quis iniciar uma ridícula polêmica pessoal através das próprias páginas da FSP. (…) Já o ‘Jornal da Cesta’, que lancei no Pasquim a partir de maio de 1980, tem sido feito sem nenhuma coação ou controle.” (DINES, 1982, p.152 e 153)

Para Dines, o melhor lugar para se criticar os meios de comunicação é na imprensa alternativa. “Os malditos para sobreviver necessitam da proteção de um órgão maldito”, afirma. Ele cita três grandes exemplos: o austríaco Karl Kraus, o inglês Gilbert Keith Chesterton e o americano I. F. Stone. Os três se isolaram em pequenos jornais alternativos para poderem ter liberdade total para fazerem as suas críticas.

Também podem ser identificados outros tipos de colunas de crítica dos meios de comunicação. Estas outras sem o caráter maldito das colunas de media criticism. São, por exemplo, as de crítica de televisão, que têm apenas o objetivo de orientar o leitor sobre as melhores opções na TV.

Atualmente um importante espaço de media criticism é o site Observatório da Imprensa. Lá pode ser encontrada a coluna de Alberto Dines, informações sobre a Associação Brasileira de Ouvidores e muitas artigos de crítica dos meios de comunicação. Em maio deste ano, também começou a ser transmitido pela TVE o programa Observatório da Imprensa na TV, com um conteúdo semelhante à home page.

2.3 O ombudsman de imprensa no mundo

O primeiro ombudsman surgiu na Suécia, mas o primeiro ombudsman de jornal apareceu nos Estados Unidos. Apenas dois anos após, a imprensa sueca copiaria a atitude pioneira dos norte-americanos. O Canadá teria seu primeiro ombudsman de imprensa em 1972, no jornal The Toronto Star. Como foi citado anteriormente, os primeiros jornais do mundo com ombudsman foram o Louisville Courier Journal e o Louisville Times, ambos de Louisville, no estado do Kentucky.

Em março de l967, o jornalista Ben Bagdikian (que no futuro se tornaria ombudsman do Washington Post) escreveu um artigo na revista Esquire, sugerindo a criação do cargo de ombudsman em jornais. No entanto, foram as palavras de Abe H. Raskin, em um artigo publicado no New York Times, no dia 11 de julho de l967, com o título “O que há de errado com os jornais americanos?”, que convenceram o editor-executivo de dois jornais de Louisville a instituir o cargo. Poucos dias depois, Jonh Herchenroeder era nomeado como o primeiro ombudsman de imprensa do mundo. Ou pelo menos do ocidente, pois o jornal japonês Yomiuri Shimbun afirma que em 1938 já tinha um profissional com uma função similar à de ombudsman.

No entanto, Herchenroeder não tinha coluna no jornal, ele fazia apenas críticas internas. O primeiro jornal a combinar a crítica interna e a pública foi o Washington Post, em 1970, tendo no cargo Richard Harwood. Ele mostrou ser um forte crítico da imprensa e ficou conhecido por sua denúncia sobre a divulgação pela imprensa de papéis do Pentágono, em 1971, mostrando que “muitas revelações não eram, de fato, revelações; eram repetições, ou em alguns casos, confirmações do que já era conhecido ou reportado anteriormente”. (SALISBURY apud COSTA, 1991: 54)

Outra situação histórica vivida por um ombudsman ocorreu em 1981, quando Janet Cooke ganhou o prêmio Pulitzer com uma reportagem que havia sido publicada no Post um ano antes, sobre uma criança de oito anos viciada em cocaína. Ao se procurar a criança para lhe oferecer ajuda, descobriu-se que ela não existia. O ombudsman Bill Green realizou uma profunda investigação do caso e apresentou relatório de 80 páginas, que foi publicado na íntegra. Em tamanho, este foi o segundo maior texto publicado pelo Post em toda a sua história.

Recentemente, o ombudsman do Washington Post trouxe outra revelação importante. Já em 1998, o ombudsman Howard Kurtz relatou um abuso cometido pelo tablóide The New York Post, propriedade do magnata das comunicações Rupert Murdoch. Este jornal fez muitas alterações em uma carta de um leitor, chegando inclusive a incluir frases inteiras. A carta fazia crítica à família Kennedy, com a qual Murdoch tem grandes desavenças. Como o magnata das comunicações é membro do Partido Republicano, também foram incluídas críticas ao presidente Bill Clinton.

Vários países do mundo têm jornais com ombudsman. Em 1996, a Organization of News Ombudsmen (ONO) tinha 49 membros ativos: 31 nos Estados Unidos, cinco no Canadá, quatro no Brasil, três na Espanha, e um na Colômbia, no Equador, no Japão, na Inglaterra, em Israel e no Paraguai, além de mais 34 membros associados e honorários.

O Brasil tem tido uma participação cada vez maior na ONO. Até 1995, somente o ombudsman da Folha de S. Paulo tinha participado das convenções anuais da entidade, e, em 1996, mais dois jornais brasileiros mandaram representantes (O Povo/CE e AN Capital/SC).

Nos Estados Unidos, são poucos os meios de comunicação com ombudsman. No entanto, alguns dos principais jornais do país adotaram a função, como The Washington Post (o primeiro em circulação), The Boston Globe, Chicago Tribune e o Philadelphia Inquirer. No Canadá, existem cinco diários importantes com o cargo: The London Free Press, Calgary Herald, Montreal Gazette, Toronto Star e Halifax Chronicle-Herald. Até na Rússia foram adotados ombudsman de imprensa. O diário russo Izvestiya (conhecido internacional por sua importância como órgão oficial do Partido Comunista da extinta URSS) tem um ombudsman.

Além dos Estados Unidos, que foi onde surgiram os primeiros ombudsmen de imprensa do mundo, os jornais japoneses têm dado muito destaque à função. Takeshi Maezawa, que já foi ombudsman e crítico da mídia em algumas publicações japonesas, contou em uma conferência no Brasil, em 1991, que metade dos jornais do país tinha profissionais exercendo funções semelhantes à de ombudsman, mas com outros nomes. No Japão, esses profissionais se apresentam como “representantes dos leitores”, e os departamentos onde trabalham têm nomes como Comitê de checagem de jornais, Conselho de inspeção de reportagens jornalísticas, Departamento de avaliação do conteúdo das notícias e Seção de checagem de artigos.

No início da década de 90, havia 114 jornais japoneses filiados à Associação de Editores e Redatores de jornais (NKS), uma entidade semelhante à ANJ, no Brasil. Nestas publicações trabalhavam 477 profissionais como “representantes dos leitores”, uma média de oito pessoas para cada jornal. A imprensa japonesa, sem dúvida nenhuma, é a que mais adota ombudsmen, o que é bastante curioso, tendo em vista as características do jornalismo nesse país.

A adoção de ombudsman dá a idéia de democratização do jornal, principalmente porque ele também é um crítico. Seria uma demonstração de que o jornal está aberto à crítica e ao debate. A Fenaj (Federação Nacional dos Jornalistas) tem defendido o papel do ombudsman como instrumento de democratização social da comunicação e fiscalização dos media. No entanto, este conceito fica bastante abalado quando se olha para a imprensa japonesa.

Os jornais japoneses são os que mais adotam ombudsmen no mundo, mas certamente não são os mais democráticos. Os meios de comunicação no Japão, como conta o crítico da mídia Takeshi Maezawa, não têm grandes preocupações com a liberdade de imprensa e com seu papel de fiscalizar o poder público. Maezawa, que em 1991 era crítico da mídia do Daily Youmiuri (o segundo maior jornal de língua inglesa no Japão, com 550 mil exemplares) e foi ombudsman do Yomiuri Shimbun (um dos maiores jornais do mundo, com 9 milhões de exemplares), mostra como é a imprensa japonesa:

“Em 1991, realizou-se em Tóquio uma conferência do Instituto Internacional de Imprensa. De acordo com o Daily Yomiuri, na cerimônia de abertura o diretor da organização elogiou o Japão por sua imprensa livre e democrática. Mas, no dia seguinte, um dos conferencistas, um jornalista alemão, foi categórico em sua crítica à imprensa japonesa. ‘Eu não acho que esteja exagerando quando digo que nenhum outro país do mundo industrializado exerce a censura de forma tão sistemática’, ele disse. ‘O Japão é um paraíso para o estudo da censura.’” (MAEZAWA, 1991, p.138)

O crítico da mídia japonesa também diz:

“Quando entrevistam candidatos a um emprego, as empresas não fazem uma pergunta sequer a respeito de jornalismo, por primária que seja. O que exigem de seus funcionários não é espírito de jornalista, mas tão somente lealdade e obediência. Não é de estranhar, portanto, que a mídia japonesa tenha o costume de cultivar relações estreitas e exclusivas com as autoridades, particularmente políticos e burocratas do governo. Suas informações freqüentemente são submetidas a essas pessoas.” (MAEZAWA, 1991, p.138)

O trabalho dos “representantes dos leitores” no Japão tem uma particularidade com relação à imprensa do resto do mundo: o fato de ser feito em equipe. O Comitê de Ombudsmen do Yomiuri Shimbun (chamado oficialmente de Comitê de Inspetores do Conteúdo do Jornal) é composto de 21 membros, dos quais 14 se ocupam da análise de reportagens e artigos, e os outros se encarregam de responder aos leitores.

2.4 O ombudsman de imprensa no Brasil

Apesar de a Folha de S. Paulo ter sido pioneira na criação do cargo de ombudsman, foi o Jornal do Brasil a primeira publicação do país a tentar implantar a função. Como conta o ex-ombudsman Caio Túlio Costa, em 1982, o jornal carioca tentou criar o cargo, e só não o fez porque vários jornalistas convidados para ocupar a posição recusaram o convite.

Caio Túlio conta que na Folha de S. Paulo aconteceu algo semelhante. As quatro primeiras pessoas convidadas para exercerem a função de ombudsman recusaram a oferta. Só depois de três anos foi possível a criação da função (1989), que teve como seu primeiro ombudsman o próprio Caio Túlio.

Segundo o ex-ombudsman, o principal concorrente da Folha, O Estado de S. Paulo, também quis criar a função. Diretores e jornalistas do Estado discutiram o assunto com especialistas da Universidade de Navarra e tudo estava sendo preparado para a implantação do projeto, até que, em meados de 1990, este foi abandonado por ter a Folha de S. Paulo criado o cargo primeiro. O jornal preferiu desistir de manter um ombudsman para não dar a impressão de estar copiando seu principal concorrente.

A coluna de ombudsman da Folha de S. Paulo teve repercussão, e a idéia acabou sendo copiada por mais alguns jornais. No entanto, nem todos os ombudsmen tinham colunas nas publicações, como aconteceu, por exemplo, no jornal O Dia. Em 1995, pelo menos oito jornais brasileiros tinham ombudsman: Folha de S. Paulo, Folha da Tarde (SP), O Dia (RJ), AN Capital (SC), O Povo (CE), Correio da Paraíba (PB), Diário do Povo (Campinas-SP) e Rumos (CE), este último uma publicação mensal. A Folha da Tarde (SP), um dos mais importantes jornais brasileiros com ombudsman, extinguiu o cargo em 1996. O AN Capital (Florianópolis-SC), no dia 31 de agosto de 1997 demitiu seu ombudsman (Mário Xavier) e também acabou com a função, sem sequer esperar o término do contrato de trabalho do ombudsman, que seria no final de 1997. Isso levou diversos outros ombudsmen de imprensa do país e do exterior a manifestar solidariedade ao ex-ombudsman catarinense.

A principal diferença entre as colunas dos ombudsmen da Folha de S. Paulo e de outros jornais do país é a escolha de temas. Logicamente, pela Folha de S. Paulo ser um jornal de circulação nacional, dando ênfase a assuntos de interesse para todo o país, seu ombudsman também seleciona temas de repercussão nacional. Já os outros ombudsmen, como trabalham em jornais de circulação regional, quase sempre escolhem temas ligados à realidade e aos interesses locais.

Um exemplo é a coluna do ombudsman Lira Neto, do jornal O Povo (CE), publicada no dia 12/2/98. Nela, ele critica a imprensa cearense por ter demorado a noticiar o pedido de concordata de uma grande loja de eletrodomésticos da região, e quando o fez deu muito pouco destaque. O motivo dessa atitude tomada pela imprensa cearense, segundo o ombudsman, é por a empresa ser um dos maiores anunciantes dos media locais.

O site Observatório da Imprensa (um espaço de media criticism) divulga regularmente as colunas de Lira Neto. De acordo com este site, ele é o ombudsman brasileiro que melhor desempenha a função.

2.5 O ombudsman na Folha de S. Paulo

A Folha de S. Paulo, além de pioneira, foi a publicação que mais importância deu ao cargo de ombudsman no Brasil. A função foi criada em 1989, e por ela já passaram cinco profissionais: Caio Túlio Costa, Júnia Nogueira, Marcelo Leite, Mário Vítor Santos e Renata Lo Prete (que exerce a função atualmente).

A direção da Folha de S. Paulo pensava em criar a função há muitos anos. A nomeação de um ombudsman pelo jornal espanhol El País (que era considerado modelo de jornalismo para a Folha de S. Paulo) contribuiu bastante para que ocorresse o mesmo no jornal paulista.

Foi feita uma pesquisa de colunas de ombudsman de vários jornais do mundo, principalmente do Washington Post, que foi um dos primeiros a adotar o cargo, além de ter dado bastante importância à função. O mais difícil, provavelmente, foi encontrar alguém na Folha de S. Paulo para ocupar o cargo. Em 1986, uma sala ganhou a placa “ombudsman” e quase três anos se passaram até que a maioria dos jornalistas da redação do jornal viesse a descobrir qual o significado da palavra, quando, em 1989, Caio Túlio Costa assumiu a função.

A primeira coluna de ombudsman da história da imprensa brasileira foi publicada no dia 24 de setembro de 1989 com o título “Quando alguém é pago para defender o leitor”. Nela, Caio Túlio explicava, rapidamente, como era este novo espaço aberto no jornal.

A coluna teve início solene: “Começa aqui a coluna semanal do ombudsman da Folha de S. Paulo”. E explicava o trabalho do ombudsman: “Vai comentar as notícias da semana e a maneira como a imprensa tratou os assuntos, com um único objetivo: ler os jornais e escutar as notícias com os olhos e ouvidos de leitor exigente”.

Nesta coluna, o ombudsman fez três críticas aos media. Primeiro criticou a Folha por noticiar que Pelé havia aderido à candidatura de Fernando Collor. Na verdade o ex-jogador havia se encontrado com Collor, mas deixou claro que isso não era uma atitude de adesão. A manchete do Jornal do Brasil, por exemplo, foi: “Pelé conversa com candidato mas não adere”.

Depois o ombudsman criticou a Folha de S. Paulo e o Globo por noticiarem que o Brasil iria pedir um empréstimo de US$ 4,8 bilhões : “…o governo não tem condições técnicas de pedir dinheiro emprestado…” Sua última observação foi sobre a correspondência de um leitor que havia apontado vários erros no jornal.

Nos dois anos em que esteve como ombudsman, Caio Túlio causou bastante repercussão com sua coluna, mas desagradou muitos colegas da redação e profissionais de outros meios de comunicação. A briga mais violenta do ombudsman foi com o colunista Paulo Francis: ambos acabaram partindo para ataques pessoais. Um pequeno trecho de uma das colunas de Paulo Francis mostra a que ponto chegaram as ofensas:

“Fico imaginando aquela cara ferrujosa de lagartixa pré-histórica se encolhendo às minhas pauladas. Caio Túlio me causa asco indescritível, não posso garantir que se o encontrar não lhe dê uma chicotada na cara, ou, não, palmadas onde guarda seu intelecto”. (FRANCIS apud COSTA, 1991, p.138)

O conflito ombudsman X Paulo Francis foi tão forte que Caio Túlio em seu livro “O relógio de Pascal: A experiência do primeiro ombudsman da imprensa brasileira” dedicou um capítulo com 20 páginas para contar o episódio.

Os jornais concorrentes também foram muito cruéis com o primeiro ombudsman de imprensa do país. Aproveitaram o fato de Caio Túlio ter participado de um evento promovido pelo reverendo Sung Myung Moon, em Moscou, para acusar o ombudsman de apoiar a seita Moon. A coluna do “Swann” (coluna social), por exemplo, publicou uma nota com o título “Moonsman”, que dizia o seguinte:

“Os organizadores da recente reunião de ombudsmen realizada em Chicago só tardiamente descobriram, com enorme constrangimento, que, entre os inscritos, infiltrara-se um dissidente moonsman – que faz viagens internacionais pagas pelo famoso reverendo Moon. Após maiores apurações, soube-se que o infiltrado é brasileiro e trabalha numa Folha de S. Paulo paulista.” (SWANN apud COSTA, 1991, p.97)

Um dos grandes opositores do trabalho de Caio Túlio, enquanto ele era ombudsman da Folha de S. Paulo, foi o jornal concorrente, O Estado de S. Paulo. A direção do Estado conseguiu boletins de crítica interna do ombudsman e criou uma coluna onde eram publicados trechos em que este elogiava o principal concorrente da Folha de S. Paulo. O Estado falava da existência de um “duplo ombudsman”:

“Um deles escreve para o público, aos domingos, e insiste em comparar favoravelmente o jornal que lhe paga o salário com o Estado. (…) O segundo ombudsman escreve diariamente relatórios internos na Folha de S. Paulo e ali, longe dos olhos do público, não economiza elogios ao Estado.” (Estado de S. Paulo apud COSTA, 1991, p.108)

Dos cinco ombudsmen que passaram pela Folha de S. Paulo, foi Caio Túlio quem conseguiu trazer mais repercussão para a atividade. Provavelmente por ter sido o primeiro. Mas até hoje boa parte dos leitores da Folha de S. Paulo gosta de ler as colunas de ombudsman publicadas todos os domingos no jornal, com características bem semelhantes às apresentadas no início da função em 1989.

No entanto, é claro que ombudsmen diferentes não vão realizar trabalhos iguais. A agressividade das críticas, a apresentação da opinião dos leitores, a escolha dos temas e os parâmetros utilizados para realizar as análises dependerão do estilo de cada ombudsman. Na Folha de S. Paulo, os ombudsman sempre adotaram divisões diferentes em suas colunas.

Caio Túlio, por exemplo, tinha uma parte da sua coluna com o título “Retranca”, em que fazia observações rápidas (em pequenas notas) dos media. Já o ombudsman Marcelo Leite tinha divisões bem diferentes. Ele usava uma retranca com o título “Na ponta da língua” para falar de questões gramaticais; outra, chamada “Na ponta do lápis”, fazia um balanço das suas atividades.

Continua na próxima edição