Saturday, 20 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

O paradoxo dos anos dourados

CASO ROSENBERG


O Caso Rosenberg ? 50 anos depois, de Assef Kfouri, 332 pp., Editora Códex, São Paulo, 2003; R$40,00


[do release da editora]

Em 1951, os judeus nova-iorquinos Julius e Ethel Rosenberg foram acusados de espionagem e de ter passado para os soviéticos os segredos da bomba atômica americana, condenados à morte e, dois anos depois, executados na cadeira elétrica do presídio de Sing Sing. Durante décadas acreditou-se na inocência do casal, tidos como vítimas da histeria anticomunista pois, se hoje as vítimas de preconceito nos Estados Unidos são os muçulmanos, há 50 anos eram os comunistas e os judeus.

O Caso Rosenberg ? 50 anos depois, do jornalista Assef Kfouri, é uma fascinante narrativa deste que é um dos mais rumorosos imbróglios judiciais da história contemporânea, comparável ao célebre julgamento de Dreyfus, na França de fins do século 19. Depois de extensas pesquisas em livros, periódicos, documentos governamentais, transcrições processuais e entrevistas, o autor conta em detalhes a vida, as atividades de espionagem, a prisão, o julgamento e a execução dos Rosenberg.

Intrigante e dramática, a história do casal Rosenberg reúne ingredientes de um thriller: espionagem, política, amor, delação, mentiras, complôs, erros judiciais, manifestações públicas, pedidos de clemência de personalidades mundiais e um fim trágico. Na noite de 19 de junho de 1953, minutos antes do início do Sabá judaico, Julius e depois Ethel caminharam estoicamente para a morte, proclamando-se inocentes. “Não fosse o real o autor dessa trama”, escreve Kfouri, “ela certamente seria inacreditável”.

A condenação do casal provocou manifestações de protesto em todo o mundo, e atrás delas estava a máquina de propaganda do comunismo internacional. O julgamento e a condenação dos Rosenberg suscitou tamanha polêmica que chegou a abalar as relações entre os Estados Unidos e a França, que ainda guardava triste memória do caso Dreyfus. Petições por clemência, assinadas por Einstein, Picasso, Bertrand Russell, Chaplin, entre outros, foram ignoradas pelo presidente Eisenhower. Por sua vez, a Suprema Corte dos Estados Unidos omitiu-se, ao rejeitar os inúmeros recursos impetrados pela defesa, em face dos flagrantes erros processuais do julgamento.

A luz da verdade

Durante décadas, a inocência dos Rosenberg foi uma crença generalizada, uma verdade incontestável. Sustentando que eles tinham sido vítimas de uma farsa judicial, da histeria anticomunista e do anti-semitismo, as esquerdas americanas, como as de todo o mundo, cultuavam os Rosenberg como verdadeiros mártires.

Mas a verdade era bem outra. A liberação de documentos secretos da antiga União Soviética e dos arquivos Venona, guardados a sete chaves durante décadas pelo governo norte-americano, bem como as memórias de antigos chefes da inteligência da URSS, recentemente publicadas, jogaram uma luz definitiva sobre o caso. Julius Rosenberg, com a conivência passiva da esposa Ethel, chefiava uma das muitas redes de espionagem soviética em operação nos Estados Unidos no imediato pós-guerra, com ramificações nos altos escalões do governo federal. E mais: ele estivera diretamente envolvido no roubo de segredos militares e industriais, como os da bomba atômica produzida em Los Alamos.

O caso Rosenberg é tanto mais fascinante, quando não trágico, porque as principais testemunhas de acusação no julgamento foram o irmão e a cunhada de Ethel. Ambos tinham participado das atividades de espionagem de Julius, mas, para salvar a própria pele, fizeram um acordo com a promotoria e, impassíveis, delataram a irmã e o cunhado. Os delatores, hoje octogenários, ainda estão vivos, em algum lugar desconhecido da América.

Retrato de uma época

O autor do livro também traça um retrato minucioso daqueles “anos dourados”, que são a moldura histórica do caso, sem a qual fica difícil compreendê-lo em suas múltiplas facetas. Eram tempos de medo e conformismo: no plano externo, o comunismo se alastrava pela Europa Oriental e Ásia, e uma guerra fria confrontava americanos e soviéticos, antigos aliados de guerra; no plano interno, a América, exausta após um conflito de seis anos, queria apenas “beber Coca Cola” e reviver os valores tradicionais de pátria, família, religião e propriedade. Os “fabulous fifties”, como os americanos hoje chamam os anos 50, só na aparência eram tranqüilos e bem comportados. Debaixo da fachada de tranqüilidade e progresso econômico, gestavam-se as revoluções comportamentais e raciais que explodiriam na década de 60.

Assim, muito mais que um livro sobre um julgamento, O Caso Rosenberg ? 50 anos depois é um panorama rico e colorido de uma época paradoxal.

Sobre o autor

Assef Kfouri nasceu em Matão, interior de São Paulo, e bem cedo ingressou no jornalismo profissional, onde trabalhou nos grandes jornais, revistas e emissoras de TV. Ao longo de seus 30 anos de carreira, foi repórter, editor, editor-chefe e correspondente nos Estados Unidos dos jornais O Estado de S.Paulo, Jornal da Tarde e da TV Tupi. Nos anos 1970, como bolsista da Associação Interamericana de Imprensa, estudou Cinema e Televisão na University of Southern California e Columbia College, em Los Angeles. Abandonou o jornalismo, e hoje se dedica aos livros. É também contista, poeta e tradutor.