Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

O poder da edição

DEVER DE CASA

Victor Drummond (*)

A imprensa tem um poder inegável. Poder que informa, manipula e dita as regras do comportamento social. Os veículos de comunicação podem se deleitar com o fato de que é o conteúdo que transmitem formará a opinião. Acontece que tudo o que as mídias produzem, quer sejam revistas, jornais, internet ou telejornais, passa por um crivo: o olhar atento e crítico da edição.

Fazer diversas ligações telefônicas, estabelecer contato, sair da redação, entrevistar dezenas de fontes que comporão citações e personagens de uma matéria, fotografar, colher dados, transcrever fitas de áudio, analisar os fatos e produzir um texto não são atividades suficientes no trabalho jornalístico. A maratona não pára por aí. Uma matéria finalizada implica muito mais do que belas diagramações.

Depois de todo esse ritual, o editor ? para alguns repórteres, um tirano ? entra em ação. Corta daqui, acrescenta dali, altera acolá. Isso envolve uma delicada relação com os repórteres. Onde fica a ética dos editores? Qual o limite de seu poder? O que devem e o que não devem cortar?

Segundo Rosane Queiroz, editora-assistente da revista Marie Claire, da Editora Globo, a edição tem um poder muito grande. Em contrapartida, ela sozinha nada é, porque faz-se necessário ter bom material. "Há matérias que se edita, edita, edita e não saem, porque é preciso ter conteúdo", diz a jornalista.

A edição é uma tarefa perigosa, que exige responsabilidade, já que se pode mudar completamente o sentido das coisas. Para que se faça bom uso do cargo, que parece poder "quase tudo", Rosane aconselha que o editor tenha discernimento e que tente preservar o máximo possível do conteúdo. Uma frase cortada pode alterar o conteúdo do que foi declarado por alguém. Algo muito comum com entrevistas.

Repórteres ou editores às vezes usam frases ditas em contexto diferente do pretendido pelo entrevistado. De acordo com um ex-diretor da Abril, muitas entrevistas veiculadas nas páginas de uma das principais revistas desta editora são cheias de cortes abruptos, que favorecem aquilo que a revista quer, e não necessariamente valorizando ou respeitando o ponto de vista do entrevistado. Um editor ético geralmente deve ligar para o repórter, tirar as dúvidas sobre o que foi escrito e o que ele quis abordar em determinado assunto. "Não se deve nunca julgar um conteúdo. Se o editor se deparou com uma frase de duplo sentido, deve se perguntar: ‘O que ele quis dizer?’. É necessário enxergar o real sentido do que foi dito", observa Rosane.

Outro aspecto levantado pela editora é o ato de se analisar de maneira atenta o que um entrevistado declarou. "Muitas vezes a pessoa fala alguma coisa, mas ela não tem nem noção do que disse, da força que aquilo tem. Quando uma pessoa fala alguma coisa ? na imprensa escrita ? ela dá uma entonação. A partir do momento em que isso é escrito é preto no branco. Há coisas que ganham força fora do comum se se tira a entonação (o que geralmente ocorre na edição). Tudo isso tem que ser levado em conta. A pessoa pode falar uma coisa brincando, mas no papel pode parecer que ela não falou brincando."

De olho na ética

O papel da edição inclui, portanto, também a preocupação em retratar o mais fielmente possível a fala do entrevistado. É uma tarefa um pouco mais complicada no jornalismo impresso, e demonstra o poder que da edição de transformar sentidos e distorcer fatos.

Há casos em que a edição é usada em prejuízo de alguma pessoa (como o debate político de 1989 entre Collor e Lula). Num determinado caso, a revista Marie Claire preferiu cortar da matéria a história de uma mulher que declarou ter trabalhado clandestinamente numa empresa de mineração quando era criança. Ela ia com seu pai vestida de homem para que pudesse ser aceita na empresa. A revista preferiu não publicar a história, para que não prejudicasse a personagem (que continua morando na mesma cidade) e seu pai, que ainda trabalha na mesma empresa.

Mas a edição não usa seu poder apenas em detrimento de algo. Ela pode ser usada para tornar assuntos e matérias mais atraentes. "Pode-se pegar uma matéria que ficou fraca e deixá-la bem atrativa, destacando alguma frase ou algum fato que chame a atenção do leitor", salienta Rosane. Assim, a edição é uma atividade que requer tato, atenção, noção e conhecimento de situações, para que o poder da transformação seja bem aplicado.

A edição, portanto, deve estar aliada à ética, acima de tudo. O editor não deveria alterar matérias sem consultar o repórter e nem induzir o leitor àquilo que deseja. Do contrário, a edição corre o risco de perder contato com o jornalismo.

(*) Aluno do 2? ano de Jornalismo do Unasp