Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

O poder e a arte de usar a mídia

LIÇÕES FRANCESAS

Leneide Duarte-Plon, de Paris

Não se deixar manipular pelas imagens da TV. Eis uma advertência que serve a todos os países do mundo e para os telespectadores em geral. Na prática, isso é um exercício diário feito por pessoas atentas ao poder de manipulação das imagens, que buscam informação e análise muito além do espaço limitado da telinha.

Na França, quem vê televisão percebe que o governo e suas ações estão muito mais presentes na TV com o novo ministério formado pela direita chiraquiana. O primeiro-ministro Jean-Pierre Raffarin e o ministro do Interior Nicolas Sarkozy dominam onipresentes a mídia audiovisual, defendendo cada novo ato do governo. A televisão os acompanha nos deslocamentos pelo país, e mesmo fora das fronteiras, e eles sabem usar os microfones e as câmeras como profissionais. Sarkozy é um comunicador nato, tem o senso da resposta precisa, imediata e ágil. Raffarin é um político perfeitamente à vontade diante das câmeras, graças a seu passado ligado à publicidade e à comunicação.

O resultado é que cada ato do governo é marcado por um show de presença física e muita comunicação. Exatamente o que faltou a Lionel Jospin, um político que não sabia gerir a ação política e a comunicação dessa ação, segundo Denis Muzet, responsável pelo Observatório do Debate Público, um organismo de controle sociológico que analisa as relações entre a política e a mídia: "Jospin passou os dois meses de campanha a relembrar sua ação de cinco anos à frente do governo de esquerda. Até mesmo o eleitorado de esquerda havia esquecido as ações positivas do ministério Jospin".

Para Muzet, essa ausência de comunicação da ação do governo Jospin foi uma das causas importantes do fracasso da esquerda na eleição presidencial ? e nas eleições legislativas que se seguiram. "A partir do momento em que as pessoas passam um certo número de horas diante da TV, a opinião, os julgamentos e também os comportamentos são construídos pelas imagens. E com o governo Raffarin essa relação do midiático com a política evoluiu sensivelmente."

Lionel Jospin era um político que só enfrentava a mídia quando tinha absoluta necessidade. E, mesmo assim, mostrava-se tenso e pouco à vontade diante das câmeras da TV e dos fotógrafos. Em sua ética política, ele estava certo de que o importante era a palavra, o discurso político. Já Raffarin, um comunicador nato e de profissão, comunica-se com o discurso e com o corpo, segundo Muzet, que, em uma entrevista ao jornal Libération (edição do fim de semana 18-19 de janeiro, fez uma análise da comunicação oficial qualificando o novo governo como uma "máquina de comunicar". Muzet afirma que tanto Raffarin quanto Jacques Chirac compreenderam que a comunicação se faz com o corpo também, existindo até mesmo um primado do corpo sobre a palavra, um corpo em movimento, que manifesta empatia.

Lula, nosso presidente, sabe muito bem que essa comunicação do corpo é primordial e colhe os louros da popularidade que tem nesse contato e nessa proximidade espontânea uma das marcas. O presidente é exatamente o oposto do Lula tolhido, nervoso e emocionado, ajeitando a gravata o tempo todo e não sabendo onde pôr as mãos, como o visto durante as solenidades da posse. Collor, durante seu governo, tentou fazer de cada ato pessoal do presidente um ato político hipermidiatizado, mas a overdose foi imediatamente sentida e se voltou contra ele, terminando por empurrá-lo ao mais profundo ridículo.

Na tribuna, no jornal

Raffarin, Chirac e os ministros não expõem suas vidas privadas à mídia, ou o cooper matinal ou as pequenas festas familiares. Isso não está na cultura francesa, que impõe à mídia uma discrição extrema em relação à vida privada dos políticos. Ainda que essa discrição já tenha sido bem mais acentuada, ela sobrevive e na mídia séria não se fala da vida privada dos políticos, a não ser para criticar a tendência dos ministros do novo governo de trazerem suas esposas para uma sala ao lado do gabinete, como assessoras ? caso das mulheres de Sarkozy e de Luc Ferry, ministro da Educação.

O que a TV e os jornais mostram e comentam são os deslocamentos, as ações do governo, acompanhados de um discurso que visa sobretudo à "França de baixo", uma expressão cara a Raffarin, que gosta de vender a imagem de um homem modesto.

Quanto a Sarkozy, ele é "telegênico", as câmeras gostam dele, ele as adora. Num recente programa de TV intitulado 100 minutos para convencer, na TV pública France 2, o ministro do Interior deu um show de comunicação que repercutiu durante toda a semana nos jornais. Ele defendeu suas posições e seus projetos de lei para reforçar a segurança nacional ? acusados de terem componente xenófobo e de perseguirem os SDF (sem domicílio fixo), as prostitutas e os estrangeiros em geral ? com tanta simpatia e entusiasmo que deve ter ganho muitos eleitores para sua futura campanha presidencial. Não há um só comentarista político que não diga que o ambicioso Sarkozy queria mesmo era ser primeiro-ministro, mas decidiu fazer de sua gestão à frente do ministério do Interior um degrau para a próxima corrida ao Palácio do Eliseu, em 2007.

E como a televisão não é um meio exatamente ideal para a reflexão nem para a análise, Sarkozy contenta-se em usar a mídia eletrônica para o seu circo de comunicador. Ele sabe que a TV é um meio para os fast thinkers, como os denominou Pierre Bourdieu. Sua defesa do projeto de lei sobre a segurança interna e o combate à delinqüência para convencer políticos e formadores de opinião é feita na Assembléia Nacional e em artigo de primeira página no jornal Le Monde.