Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

O protesto e o cochilo

ELEIÇÕES PROPORCIONAIS
(*)

Alberto Dines

Bem-vindos ao Observatório da Imprensa. Você lembra do Cacareco? Certamente não, porque aconteceu há muito tempo, em 1959, quando um jornalista do Estadão, preocupado com o baixo nível dos candidatos, lançou o rinoceronte do Zoológico na lista dos postulantes para a Câmara dos Vereadores paulistana. Teve 100 mil votos, número digno do Guiness. O dr. Enéas Carneiro também vai para o livro dos recordes graças ao milhão e meio de votos que obteve para a Câmara Federal. Também em São Paulo.

O Cacareco foi o protesto da imprensa, o dr. Enéas foi um cochilo da imprensa. Os jornais, revistas e televisões divulgaram excitadas pesquisas a cada dois dias sobre os presidenciáveis e governadoráveis. Deram alguma atenção aos postulantes ao Senado. E nenhuma, nenhuma atenção aos deputáveis. Ante a insistência de alguns poucos jornalistas e de várias edições deste Observatório, alguns jornais passaram a tratar da eleição representativa nas últimas semanas antes do 6 de outubro.

O rigor estatístico e o apuro matemático foram dirigidos às estrelas da cena política, mas quem faz política são os legisladores.

Pode-se alegar que o dr. Enéas fez uma malandragem ? desistiu da candidatura à Presidência pouco antes do pleito usando a enorme exposição da qual usufruiu para candidatar-se à Câmara Federal.

A desculpa é boa mas não exime a imprensa ? sobretudo a imprensa paulista ? das suas responsabilidades. Se o pleito para o Legislativo tivesse 10% do espaço dedicado aos presidenciáveis, o fenômeno Enéas não teria acontecido. Essa é a questão. Pensamos em governos mas não pensamos em governabilidade. Fizemos do processo eleitoral um enorme placar onde medem-se frações percentuais, desenvolvemos uma devoção à numerologia e ignoramos como estes números vão sendo montados até serem transformados em vexame.

As Assembléias estaduais, a Câmara e o Senado Federal foram renovados, revitalizados, mas isto foi uma boa surpresa que nenhum veículo soube detectar. A surpresa má, vexatória, foi a volta do Cacareco e seus cacarequinhos com mandatos obtidos por duzentos votos.

(*) Editorial do programa Observatório da Imprensa na TV exibido em 8/10/2002 pela Rede Pública de TV