Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

O que a mídia não conta sobre o Iraque

DIRETO DE BAGDÁ

Agnaldo Charoy Dias (*)

No dia 16 de fevereiro partiu do Brasil uma comitiva de 19 pessoas rumo a Bagdá. O objetivo era conhecer a realidade do Iraque a partir dele mesmo, uma realidade não filtrada pelos meios de comunicação de massa, principalmente os grandes veículos americanos.

A Rede Globo está transmitindo de Amã, capital da Jordânia, porque foi expulsa do Iraque depois de haver publicado matérias insidiosas sobre o país. A Bandeirantes colocou lá correspondentes, mas depois de negociação direta entre representantes brasileiros (a Bandeirantes pertence a descendentes árabes, a família Saad) e o governo iraquiano. Mesmo assim, o Iraque cobra uma taxa de 500 dólares por dia para as equipes estrangeiras transmitirem e utilizarem o Centro Internacional de Imprensa, em Bagdá. A Bandeirantes obteve desconto e paga 200 dólares por dia.

Apesar de a visita ter sido permanentemente monitorada pelas autoridades iraquianas, era possível desligar-se da comitiva e conhecer o país, conversar com as pessoas comuns, fotografar e filmar a cidade. Havia restrições de filmagens e fotos em locais considerados possíveis alvos militares (hospitais e prédios públicos), mas nenhum soldado tentou tomar equipamentos ou foi agressivo quando me aproximava. A única movimentação de armas no Iraque é a instalação de baterias antiaéreas perto de alvos militares (trevos, pontes e viadutos rodoviários, hospitais etc.).

A cidade de Bagdá está totalmente reconstruída. Não há sinais da guerra de 91. É cortada por largas avenidas, tem muitos viadutos e prédios modernos ? se bem que a arquitetura deles é muito típica, diferente do nosso modelo ocidental. A vida corre tranqüila. Na quarta-feira, dia 20/2, o Teatro Nacional, em Bagdá, estava lotado de homens, mulheres e crianças ? mais de duas mil pessoas. A população não está estocando alimentos ou vedando as casas.

O modelo iraquiano

Para uma análise crítica do Iraque é necessário nos despirmos de toda nossa lógica ocidental. Saddam Hussein não é um ditador segundo o modelo que conhecemos aqui na América Latina. Não existe um esquema de repressão ou censura interna como houve na Argentina, no Brasil ou no Chile. Aquela é uma sociedade milenar, cujos costumes estão muito mais arraigados do que os nossos. O Iraque é um país muçulmano (90% da população) e a base de sua Constituição é o Corão, o livro sagrado do Islã. O Corão rege todas as relações sociais, inclusive a política. Funciona assim: Alá é pai, tudo pode, tudo faz; e, na medida em que religião e política são a mesma coisa, Saddam Hussein é Deus. De fato, Saddam é amado pelo povo e se sustenta a partir de um determinado esquema político, que a seu modo absorve as contradições internas das classes sociais no país e dá uma grande coesão nacional.

O Iraque é dividido em 98 distritos, compostos por famílias, clãs e tribos. Cada distrito elege um deputado para a Assembléia Nacional, a cada quatro anos. Ali, os partidos indicam seus candidatos a presidente. Como o partido Bahas Árabe Socialista tem maioria desde 1967, desde 1972 indica Saddam Hussein para presidente. O nome, então, é levado ao referendo das assembléias tribais e, após, ao referendo popular.

Existe pena de morte no Iraque, mas a última execução foi há seis anos. Não há crimes ou roubos no país. A população carcerária no Iraque é zero, graças à Lei do Jubileu, que no ano passado anistiou todos os presos, inclusive os políticos.

Para alguém ser executado, entretanto, deve ser a pedido da própria família, para lavar a honra do clã. Portanto, condenação máxima existe somente para crimes hediondos. Não há prostituição ou drogas, exceto, talvez, muito restritamente. Álcool só pode ser consumido reservadamente.

O islamismo é o segundo elemento cultural que unifica o povo árabe. O primeiro é a língua. E, assim como no cristianismo, há abordagens diferentes do islamismo para a prática da religião. Xiitas e talibãs consideram igreja e Estado a mesma coisa; já os sunitas separam ambos, segundo suas particularidades. Mulheres talibãs (que seriam os nossos "crentes") caminham atrás dos maridos, usam burca e não participam da política; mulheres sunitas usam o rosto destapado, trabalham e participam da política. Os drusos poderiam ser comparados aos adeptos da reforma protestante cristã.

Árabes são alegres, expansivos, comunicativos, simpáticos, afetuosos e hospitaleiros. Brasileiro? Ronaldô! Homens trocam beijos no rosto quando se encontram e amigos andam de mãos dadas nas ruas. Entretanto, não tocam em suas mulheres em público, nem mesmo os cristãos.

Detalhes que a imprensa não conta.

(*) Jornalista