Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

O que primeiro se vê

CAPAS DE JORNAL


Capas de jornal ? a primeira imagem e o espaço gráfico visual, de José Ferreira Júnior, Editora Senac, São Paulo, 2003; URL <www.editorasenacsp.com.br>; R$ 30,00; título e intertítulos da redação do OI


[do release da editora]

A capa de um jornal é o primeiro contato que o leitor tem com o mais antigo e ainda fundamental veículo de informação. A primeira página como a conhecemos hoje respeita parâmetros estéticos inexistentes há pouco mais de meio século, quando suas páginas eram preenchidas apenas por textos. Para facilitar a leitura e melhorar o apelo visual, os jornais investiram em profundas reformas gráficas, lançando mão até de artistas plásticos como Amílcar de Castro, que conduziu uma pioneira reforma estética no carioca Jornal do Brasil na década de 1950.

Com apresentação do jornalista José Hamilton Ribeiro, Capas de Jornal ? A Primeira Imagem e o Espaço Gráfico Visual, do jornalista e doutor em comunicação e semiótica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, José Ferreira Junior, que chega às livrarias pela Editora Senac São Paulo, analisa as transformações gráficas ocorridas na última metade do século 20, tendo como foco três grandes veículos que marcaram época no jornalismo brasileiro: o Jornal do Brasil, o Jornal da Tarde e o Correio Braziliense.

O objetivo central do autor foi identificar, caracterizar e delinear as mudanças gráfico-visuais desse período, adotando como recorte analítico a primeira página das edições de cada um desses jornais ? a capa, apelo visual mais contundente. No decorrer de sua pesquisa, o autor vincula ao objeto de estudo todo o contexto histórico em que essas capas foram elaboradas. Ferreira consegue resgatar as intenções e os acontecimentos que motivaram tais editorações, expondo imagens que ficaram guardadas na memória dos brasileiros. Nesse processo, o desenvolvimento do projeto gráfico chega a exemplos de capas-cartazes caracterizadas por um arrojo que, mesmo em paralelo com o de outros países na vanguarda da comunicação escrita, mostra a inventividade brasileira.

A história, contada em Capas de Jornal, dessas primeiras páginas antológicas serve para revelar um trabalho artístico, que depende de variáveis aleatórias como a circunstância do dia, a ocorrência de um fato-síntese, a existência da imagem forte e uma enorme criatividade. Além de relatos e pesquisas, o livro conta com ilustrações dessas capas, enriquecendo ainda mais a compreensão e visualização do leitor.

Sobre o autor

José Ferreira Júnior é jornalista e doutor em comunicação e semiótica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Há 11 anos é professor do Departamento de Comunicação Social da Universidade Federal do Maranhão. É autor do livro A arena da palavra. Parlamentarismo em debate na imprensa maranhense. (1961-1963).

 

José Ferreira Júnior


Introdução de Capas de jornal ? a primeira imagem e o espaço gráfico visual, de J.F.J., Editora Senac, São Paulo, 2003; URL <www.editorasenacsp.com.br>; R$ 30,00; título da redação do OI


O objetivo central deste livro é identificar, caracterizar e delinear as transformações gráficas pelas quais passaram três importantes jornais brasileiros na segunda metade do século 20, tendo-se como recorte analítico a primeira página (a capa) ? expressão imagética que primeiro impacta o leitor. Trata-se de uma empreitada que requer alguns balizamentos tanto no campo de localização contextual quanto no domínio do ponto de vista das referências conceituais.

As reformas editoriais feitas pelo Jornal do Brasil na década de 1950 sob a condução estética de Amílcar de Castro, são um marco para o entendimento de como se processaram reformulações gráficas realizadas por outras publicações que sucederam essa experiência décadas depois. Introduz-se, com esse projeto, a noção de que o suporte da linguagem não é neutro e pode ser um elemento do alfabeto visual da página impressa.

Outro instante de afirmação gráfica foi a programação visual implantada no Jornal da Tarde de São Paulo desde o seu lançamento em 1966, trajetória em que se leva ao máximo o processo de experimentação de novas soluções visuais, razão pela qual o JT ganhou notoriedade na forma de apresentação de suas capas a partir da década de 1970.

Traduzindo experiências antigas e, ao mesmo tempo, acrescentando novas soluções visuais, apresenta-se contemporaneamente o jornal da capital federal Correio Braziliense, cuja performance gráfica vem se notabilizado desde meados da última década.

Os pontos de vista de uma demarcação teórica que venham a servir de baliza para o entendimento de como se deu esse processo, ao longo de aproximadamente cinqüenta anos, precisam estar em permanente diálogo. Ou seja, trabalha-se, sobretudo, com a interdisciplinaridade. Opção que se faz presente em função do próprio pressuposto norteador do qual brota o direcionamento aqui estabelecido. Entende-se que as galvanizações mestiças, traduzidas em uma cultura híbrida, na América Latina em geral e no Brasil em particular, já embutem uma "gramática" em cuja configuração estão inseridos de modo exponencial os elementos visuais, gráficos, orais e sonoros, não havendo um predomínio do código verbal. Trazem consigo, portanto, o alvorecer do signo novo, algo em estado de ebulição quase contínuo, um alargamento de repertório, uma informação estética.

Em conseqüência dessa opção, as matrizes conceituais às quais se recorre são a teoria da informação, com suas principais ramificações contemporâneas, e as formulações da sintaxe da linguagem visual, com seus repertórios gramaticais que classificam estruturas imagéticas. Aplica-se, porém, a filtragem pela qual se agregam ao conceito de informação shannoniano as posições vicinais de Edgar Morin e Abraham Moles.

Cabe esclarecer que o conceito de informação apresentado pelos engenheiros Shannon e Weaver difere do que se entende na prática jornalística, já que esta admite como informação algo que não traz, necessariamente, novidade alguma em função de seu grau de redundância.

Um outro aspecto importante a ser mencionado é o fato de a teoria de Shannon se apresentar no domínio de uma sintaxe, afastando-se, em um primeiro momento, do âmbito da semântica, motivo pelo qual há críticos da aplicabilidade dessa teoria a objetos do campo das ciências humanas e sociais. A conciliação entre as duas posições encontra-se no posicionamento de Edgar Morin, para quem "é legítimo que a informação, noção com uma origem não só na física, mas também mental e antropossocial (uma combinação entre emissores e receptores humanos), ligue um vasto campo que vai da physis ao espírito, com a organização biológica como fecho da abóbada" [Edgar Morin, O método I. A natureza da natureza, trad. Maria Gabriela de Bragança (2a. ed. Lisboa: Europa-América, c. 1987), p. 284]. Há, assim sendo, uma profícua migração quando se trabalha com o conceito de informação.

Esse direcionamento legitima concepções como a de Max Bense, que, em seu trabalho Pequena estética, exclui as formulações idealistas e vislumbra uma estética informacional que não operaria com os meios especulativos, mas sim com os instrumentos racionais. Ou seja, adota-se a mensuração dos "estados estéticos", ligados à materialidade da obra, substituindo-se a noção do belo. Para Abraham Moles, a mensagem estética passa a ser instável:


Os signos de seu repertório vão "migrar" no repertório semântico, a partir do momento em que se tornam conscientes, explícitos enumeráveis, tanto para o receptor como para o emissor, eles se transformam em simples alfabeto do artifício superposto a uma significação explícita de base […]. [Abraham Moles, O cartaz, trad. Miriam Garcia Mendes (2a. ed. São Paulo: Perspectiva, 1987), p. 49]


Sem dúvida, esses postulados estavam presentes na experiência da lendária Escola Superior da Forma, em Ulm, na Alemanha do pós-guerra, principalmente depois da saída de Max Bill, ligado ao pensamento da Bauhaus. Um grupo mais jovem, formado por Tomás Maldonado, Otl Aicher e Hans Gugelot, dá ênfase à observância do conceito de informação. Pedro Luiz Pereira de Souza entende que em Ulm se afirma um novo padrão de análise em função até do momento pelo qual se passava: "Um direcionamento tecnológico e científico solicitava a adoção de uma estética equivalente, alguma coisa que pudesse ser mais operativa, algo que não se referisse mais a uma estética do gosto, mas a uma estética da constatação" [Pedro Luiz P. de Souza, Notas para uma história do design (Rio de Janeiro: 2AB, 1998), pp. 67-68].

Decorre dessas referências o diálogo que se empreende, nesta análise, com as classificações inseridas também na obra Sintaxe da linguagem visual de Donis Dondis, livro que tem como um de seus principais propósitos expandir a capacidade de entender, e mesmo de criar, uma mensagem visual. Dentro desses parâmetros analíticos, busca-se uma gramaticalidade para o conjunto de capas de jornal que se selecionou, o que vem ao encontro do que afirmou Jorge de Albuquerque Vieira em sua tese de doutorado, Semiótica, sistemas e sinais:


Uma gramática é basicamente constituída de um alfabeto finito e um conjunto de regras atuantes sobre esse alfabeto (uma sintaxe) e todas as cadeias sígnicas assim geradas constituindo uma linguagem. Uma observação científica consiste, portanto, no registrar de um texto, formado pela evolução dos estados da realidade. [Jorge de A. Vieira, Semiótica, sistema e sinais, tese de doutorado (São Paulo: PUC, 1994), p. 14]


O palmilhar por essa vereda coloca em destaque, conseqüentemente, uma extensão do pressuposto basilar deste trabalho. A cultura híbrida é, potencialmente, informacional e, além do mais, permite que manifestações da cultura massiva (as capas de jornais diários, no caso) possam se aproximar de efeitos estéticos e da técnica gráfica das manifestações artísticas que lhe é contemporânea.

Esses efeitos estéticos parecem mais contundentes nas manifestações imagéticas das capas-pôster, gramaticalmente mais orgânicas, do que nas primeiras páginas mais convencionais que tendem a um ordenamento e, conseqüentemente, a um nível maior de redundância.

Nos três primeiros capítulos, o leitor encontrará temáticas que se reportam a questões laterais, mas não menos importantes, à problemática central. Tem-se uma malha contextual abrangente. No primeiro capítulo, enseja-se a complexidade da expressão cultural latino-americana, mapeando-se formações artísticas cujo foco é a visualidade. O farol a iluminar esse percurso é a obra de Lezama Lima, A expressão americana, na qual se tem a compreensão de um continente gnóstico e com um esplendor visual extraordinário, decorrendo daí argumentos que consolidam esse ponto de vista.

No segundo capítulo, trata-se da relação entre os meios massivos e as culturas híbridas da América Latina, no cerne das quais está a noção de tradução, fundamentalmente, inibidora de pressupostos dicotômicos, inscritos e reforçados em outros quadrantes. Trata-se de uma leitura em sintonia com as formulações de pensadores latino-americanos como Néstor Canclini, Haroldo de Campos, Amalio Pinheiro etc.

Já no terceiro capítulo, contempla-se a importância do espaço urbano e de sua dimensão imagética para o entendimento de como se insere a visualidade gráfica dos jornais. Ressalta-se ainda a importância da conceituação moderna de design.

E, no quarto capítulo, relatam-se as alterações gráfico-visuais do Jornal do Brasil, do Jornal da Tarde e do Correio Braziliense ? descrevendo-se, de certo modo, suas políticas editoriais ? de maneira a não perder de vista a conjuntura na qual estavam inseridos e apontando-se para aspectos importantes do processo de transformação gráfico-visual pelo qual passaram. E mesmo não se obtendo documentos que comprovem o alto grau de experimentação ali existente, compõem-se alguns quadros por meio dos relatos dos agentes transformadores: os jornalistas desses diários. Para Cecília Almeida Salles, cujas pesquisas se voltam para a dinâmica do processo de criação artística com base na crítica genética de matriz semiótica, existe um devir contínuo nesse momento criativo. Trata-se de "trabalho mental e físico agindo, permanentemente, um sobre o outro" [Cecília A. Salles, Gesto inacabado (São Paulo: Annablume, 1998), pp. 148-150].

Finalmente, no último capítulo, apresenta-se uma estrutura que permite acompanhar o movimento de mudança na fisionomia desses jornais brasileiros ao longo da segunda metade do século 20, trazendo-se, paralelamente, o contexto em que se encontravam na época da confecção de cada capa analisada. Os traços do alfabeto visual são acompanhados sob a luz, entre outras referências, da sintaxe da linguagem visual de Donis Dondis. No plano da exposição visual, mostram-se as capas do modo como se apresentaram, juntamente com layouts aproximados nos quais se esboçam os traços mais marcantes da composição imagética.

Na conclusão, opera-se mais uma migração conceitual ? a arquitetura das séries culturais de Jurij Tynianov ? , razão pela qual enumeram-se as séries vizinhas que habitam e convivem com o objeto de estudo aqui delimitado.