Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

O que é ruim a gente mostra, o que é bom a gente esconde

TELEJORNALISMO EM CLOSE

Paulo José Cunha (*)

Segundo a Lei Ricupero, o que é bom a gente mostra, o que é ruim, a gente esconde. A lei, antes mesmo de ser explicitada pelas parabólicas, vem sendo seguida à risca pelos mais famosos fotógrafos do mundo, de Cartier Bresson a Sebastião Salgado. É ela que faz com que eles desapareçam com as fotos ruins e só exponham as boas, ou melhor ? as ótimas. Alguns poetas radicais rasgam os versos que não resistem a uma segunda leitura. O piauiense Torquato Neto, por exemplo, queimou pilhas de papéis às vésperas de entrar no banheiro do apartamento, vedar portas e janelas e abrir o gás.

Mas a televisão costuma inverter a Lei Ricupero. Toda vez que alguma empresa comete um delito, o nome, o endereço, as imagens de suas instalações e até mesmo as imagens de seus proprietários são expostas à execração pública, muitas vezes antes de as denúncias passarem pelo rigor da apuração. Ao mesmo tempo, por costume, vício ou recomendação "de cima", essas mesmas emissoras evitam a todo custo revelar o nome da empresa responsável por alguma atitude ou política interna de relevância social, qualquer gesto ou determinação resultante em benefício público.

Coisas da lógica capitalista, explicará algum expert em economia. Conseqüência da barbárie da disputa pelas migalhas da publicidade, comentará o cara do lado. Resultado do consenso de que, se não "comparecer" com algum não há razão para ganhar uma colher de chá, argumentará o amigo ali. Se começar a mostrar de graça, ninguém vai anunciar mais nada, dirá outro. Ou, numa expressão bem mais prosaica, o mais descarado perguntará simplesmente, com aquele jeitão de malandro: "Só porque está posando de bom moço acha que tua empresa merece sair de graça na telinha, meu chapa?"

Bom exemplo

Todas as explicações acima são justificativas para se contar o milagre e esconder o nome do santo. No fundo, o que prevalece é a lógica segundo a qual a exibição gratuita do nome de qualquer empresa pode resultar em precedente ou redução do poder de fogo do departamento comercial na venda de anúncios. (Já houve o caso de alguns jogos de futebol serem exibidos apenas com a imagem do campo, para evitar a exibição das placas que cercam o gramado). No caso das denúncias, a lógica se inverte: a própria notícia negativa, carregada de interesse do público (e eventualmente de interesse público), resulta em elevação ou consolidação de audiência e, portanto, produz reflexos diretos no faturamento.

Sejam quais forem as explicações, o fato é que as emissoras de televisão desprezam vigorosamente todo o conteúdo educativo e exemplar que adviria da revelação da empresa responsável pela adoção de providências socialmente louváveis. E com isso perde-se a grande chance de promover a multiplicação desse tipo de atitude, mantendo teimosa e renitentemente o foco no negativo, ranço da velha escola de jornalismo que descartava qualquer fato de repercussão social positiva por não se enquadrar na categoria de notícia. Felizmente, em sentido contrário, afirma-se ultimamente uma tendência (ainda tímida, mas decidida) por um enfoque prioritário à agenda positiva, e já se viu que resulta em material de elevada taxa de aceitação e consumo. Um exemplo recente foi o caso do tratorista baiano que se recusou a derrubar a casa da família pobre.

Mas ainda vai demorar até que as emissoras de televisão entendam que podem dar uma efetiva contribuição à melhoria dos padrões de atuação social das empresas ? e portanto, à própria sociedade ? quando se dispuserem a premiá-las com a exibição de seus nomes e marcas por ocasião da realização das boas obras, e não apenas quando tiverem praticado atos condenáveis. Não dá pra prever nada, mas aposto dez contra um como a exibição da marca de uma empresa socialmente responsável terminará servindo até de incentivo para que ela invista em publicidade como forma de reforçar sua imagem corporativa. O benefício, pela disseminação do bom exemplo, será de todos.

(*) Jornalista, pesquisador, professor da professor da Faculdade de Comunicação da UnB. Este artigo é parte do projeto acadêmico "Telejornalismo em Close", coluna semanal de análise de mídia distribuída por e-mail. Pedidos para <pjcunha@unb.br>