Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

O quebra-quebra da educação

ESTÁCIO DE SÁ

Antônio Brasil (*)


"Vândalos destroem parque na Barra", "Calouros arrasam Terra Encantada (Jornal do Brasil, 18/3/02, primeira página e pág. 11); "Tumulto em show deixa 61 feridos" (O Globo, 18/3/02, pág.12).


Mais uma vez a Universidade Estácio de Sá faz a "festa" nas manchetes de nossos jornais. Como era de se esperar, não recebeu nenhum prêmio de excelência acadêmica ou se sobressaiu em pesquisa científica ? até porque ali não se faz pesquisa pois, de acordo com o dono da fábrica de diplomas, João Uchôa Cavalcanti Netto, "a Estácio não joga dinheiro fora" (Jornal do Brasil, 16/11/01, pág.6).

Há muito tempo a universidade deixou de se interessar pela educação para se tornar em "caso de polícia". Mas parece que dessa vez, inovou. Está lançando uma nova modalidade de festa ou curso noturno: o quebra-quebra para calouros, vândalos e analfabetos.

A cada dia, o grau de irresponsabilidade dos "responsáveis" pelo marketing da Estácio de Sá ultrapassa os limites da imaginação mais fértil. Se não, vejamos. Durante a semana inteira, comerciais nas rádios cariocas anunciavam insistentemente uma festa que reuniria os calouros da Estácio e de todas as "outras" universidades. Tudo isso num parque temático ao ar livre, com sérios problemas financeiros mas com nome convidativo: Terra Encantada.

Ouvi essas mensagens diversas vezes durante a semana que antecedeu a tragédia. Fiquei pensando aqui com os meus botões: isso não vai dar certo, vai dar em briga! Não precisava ser um gênio para prever o que aconteceria. Você já imaginou reunir numa mesma "festa" milhares de jovens das maiores torcidas de diversos clubes de futebol e, ainda por cima, com bebida liberada? Não precisa imaginar. Mas para a turma de neomarqueteiros da Estácio tudo se justifica para conquistar novos alunos. Convidar os calouros de outras universidades, gastar o mínimo com a segurança ou com uma unidade de emergência médica, num parque falido, é um grande negócio. E muito lucrativo: milhares de ingressos foram vendidos livremente. A polícia chegou a denunciar o grande número de jovens dentro e fora do parque. Faturou-se a grana e, após os tumultos, com o show cancelado, nenhum tostão foi devolvido.

Não é a primeira vez que a Estácio avança ? não na qualidade do ensino, mas sobre os estudantes de outras instituições privadas. Ela é conhecida no Rio como capaz de tudo para "convencer" os alunos das "rivais" a trocarem seus carnês de pagamento pelos da Estácio. Cada aluno conquistado é comemorado como um grande feito de marketing. A baixa qualidade do ensino não importa. Já é largamente reconhecida no meio acadêmico e no mercado profissional. Mas sempre há aluno e pai inocentes acreditando no impossível. No Brasil, vale tudo para se obter um diploma de curso superior. Se não garante uma vida melhor, pelo menos garante uma "prisão especial", nunca se sabe… Humildes e ingênuos, os pais fazem qualquer sacrifício para ter um filho estudando numa faculdade, mesmo que seja na Estácio.

"Estudar é bobagem"

Em relação a cobertura jornalística do grave incidente, tudo também era previsível. Estampado na primeira página dos jornais, uma semana depois o quebra-quebra da Estácio já é coisa do passado. Para os jornalistas, o pior é ver o cuidado da cobertura da imprensa. Todos "pisando em ovos". Procura-se culpar os jovens calouros (ou seriam "vândalos"?), a polícia ou a falta dela, o rock?n roll, os músicos da banda, os famigerados e sempre culpados "pitboys", o calor, a crise econômica ou até mesmo a bebida que, por sinal, segundo depoimentos, estava sendo distribuída até mesmo para menores.

Culpa-se tudo e a todos, inclusive a Estácio, mas esta última sempre num tom muito cuidadoso. As reportagens do Jornal do Brasil e do Globo são cautelosas ao se referirem ao nome da universidade que organizou e teria a responsabilidade, sob contrato, pela segurança do evento segundo a polícia e os donos do parque. Estes, por sinal, futuros sócios da Estácio, que planeja inaugurar em breve mais um campus na mesma "terra encantada".

Está tudo lá nas reportagens, mas sempre com o maior cuidado. Afinal, trata-se de um dos maiores anunciantes da nossa imprensa. Nas mesmas edições que descreviam o "quebra-quebra", um grande espaço publicitário foi comprado pela própria Estácio.

Mas, aqui entre nós, gostaria de imaginar como seria a cobertura dessa mesma imprensa se o quebra-quebra tivesse ocorrido em festa com bebida liberada para menores ou em passeata de protesto contra o governo com os "baderneiros" de uma universidade pública? É melhor nem pensar. o passado e a repressão condenam.

O importante agora é procurar fazer reflexões e conexões sobre mais esse envolvimento da Estácio com a formação e o futuro de nossos jovens. O McDonald?s do ensino superior se vangloria abertamente de ter passado de 166 alunos para os atuais 90 mil em menos de três décadas. Com essas estratégias agressivas de marketing educacional e liberada de maiores controles de qualidade de ensino, com quantos alunos contarão nos próximos anos? O problema não se restringe ao Rio e já atinge diversos pontos do país. Assim como o dengue, a Estácio se espalha rapidamente por todo o Brasil. Seu crescimento é impressionante e só se compara ao tamanho dos escândalos em que se envolve.

Quanto às explicações e defesas da Estácio em relação a mais essa "perseguição de alguns setores da mídia", não devemos nos preocupar. A direção da universidade já deve estar convocando os mesmos reitores e professores com cargos de confiança e ares de vítimas que mais uma vez, prontamente, vão se prestar a defender o indefensável. É só uma questão de tempo.

Mas para quem ainda possa estar chocado com esses novos fatos policiais da longa "quot;folha corrida" da Estácio, ou para aqueles que a consideram somente mais uma vítima indefesa de perseguição movida por alguns jornalistas, é bom sempre relembrar mais um trecho da entrevista do dono da fábrica ao jornal Folha Dirigida (www.folhadirigida.com.br), em novembro do ano passado. Ele dizia com todas as letras que "estudar é bobagem". Pode até ser. Aqui, nessa nossa "Terra Encantada", quebra-quebra com 61 feridos e um parque destruído também é bobagem. Não dá em nada. Pode-se até abrir inquérito policial, mas, como já podemos prever, mais uma vez os interesses econômicos falarão mais alto e tudo acabará mesmo em pizza.

E pensar que tem gente no Brasil que acha que relator especial da ONU é maluco ao declarar que o nosso país já vive uma guerra social (Folha de S.Paulo, 18/03, pág A6). Um absurdo! Mas pelo jeito, lá na Estácio a guerra já começou e tem até oferta de curso ? noturno e caro, é claro.

(*) Jornalista, coordenador do laboratório de televisão, professor de telejornalismo da UERJ e doutorando em Ciência da Informação pelo convênio IBICT/UFRJ.