Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

O Show da Vida: fingimos que somos livres, os jornais fingem que são imparciais

 

ESTATISTICAMENTE PODE NÃO SER relevante mas este é o quarto filme exibido neste ano tendo a mídia como protagonista e tema:

    • Mera Coincidência, sobre a fabricação de factóides (Wag the Dog).
    • O Fim da Violência, sobre a violência entranhada no sistema mediático (The End of Violence).
    • Quarto Poder, sobre o sensacionalismo dos telejornais (Mad City).
    • Agora é a vez do Show da Vida (Truman Show) uma ficção-científica sem os maneirismos e os efeitos especiais característicos do gênero. Tão aterrador e concreto quanto 1984 de George Orwell.

É uma reflexão sobre a manipulação da TV, sobre os truques do “ao vivo”, sobre a entronização da mentira num momento em que a sociedade humana chega à Era do Conhecimento. A telenovela como figuração da realidade e a realidade como desfiguração da verdade.

A grande mentira onde todos são teleguiados pelo “ponto eletrônico” enfiado no ouvido, onde todos seguem um script, onde todos, menos um – um homem-proveta, de liberatório são cúmplices da farsa.

Os críticos de cinema ocupam-se do espetáculo, da estética, da verosimilhança do enredo. Mais uma vez esquecidos do conceito, da idéia, dos lembretes que a obra vai deixar nas multidões que a assistem. Continuamos discutindo a arte e a cultura desligadas do efeito que produzem, como se estivéssemos numa academia grega avaliando o sexo dos anjos.

O título em português (ou o que se destina ao mercado brasileiro) é ainda mais expressivo porque lembra o subtítulo do Fantástico: a vida como show, a aventura existencial estendida num enorme picadeiro – o Circo como metáfora da Vida.

Na medida em que as regras e formatos de TV são assimilados e clonados pela mídia impressa, não se pode mais dissociar um veículo do outro. E como pessoalmente não posso fugir da contextualização desta parábola percebo que nós, jornalistas brasileiros, românticos ou marqueteiros, humanistas ou tecnocráticos, fazemos parte de um enorme, incomensurável faz-de-conta: fingimos que somos absolutamente livres e os jornais enganam-se imaginando-se imparciais.