Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

O Sr. Mercado foi às compras e a mídia vai atrás

ELE ESTEVE NAS PRIMEIRAS páginas dos jornais durante 10 dias. Ganhou preciosos minutos nos telejornais de horário nobre. Foi assunto das mais abalizadas colunas de economia e política.

O Senhor Mercado – esse o seu nome – converteu-se no mais importante personagem da mais recente crise financeira. Ganhou corpo, vontade, personalidade, convicções. Como se fosse um ser vivo, gente como a gente.

Tentou-se até fotografá-lo, mas no máximo o Senhor Mercado apareceu nos jornais através de interpostas pessoas – os mesmos e eternos corretores das bolsas, ora exauridos, ora desesperados.

Com a curiosidade despertada por tamanha exposição, o leitor foi ler nos jornais o que pensava o ilustre protagonista de tamanha confusão. E o leitor-ouvinte- telespectador descobre que o poderoso Senhor Mercado não fala.

Quem fala em nome do Senhor Mercado são os analistas de bancos, economistas- chefes de instituições financeiras, operadores de mesas de câmbio, investidores. Então, o leitor-ouvinte-telespectador coça a pulga atrás da orelha e pergunta: será que esses representantes do Senhor Mercado são desprovidos de interesses? Estes senhores não compram, não vendem, são alheios aos pregões e cotações, não arriscam uma fezinha? Se perderam fortunas fabulosas na Rússia, não estarão querendo compensar por aqui?

Pois é.

Disse o recatado Estadão: “Governo faz corte, mas frustra mercado” (9/9/98, 1ª pg.). No texto de chamada não havia uma única investigação sobre o estado de espírito do Senhor Mercado, apenas a informação de que “o índice Bovespa fechou com queda de 0,36% [irrisória!], refletindo a frustração dos investidores”. Desde quando a frustração dos especuladores é indicador econômico?

Disse a estridente Folha: “Medidas fiscais não convencem mercado” (mesmo dia, 1ª pg.). No texto da chamada, a única pessoa com opinião aspeada foi Guido Mantega, economista-chefe do candidato da Frente das Oposições.

Na crise passada, uma das instituições mais alavancadas em Wall Street (Linear Investimentos), cuja situação periclitante quase arrasta para o brejo grandes bancos brasileiros, tinha um diretor que escrevia em rádios e jornais na qualidade de “professor” de economia. O negócio dele não era esclarecer o público, mas forçar temperaturas, tendências e movimentos. Era uma das partes do Senhor Mercado [ver remissão abaixo].

E aqui somos obrigados a retornar ao que já foi dito anteriormente: prognóstico sobre um jogo de futebol tem 50% de chance de se concretizar. Mas prognósticos sobre bolsas de valores, mercadorias ou moedas têm 99%.

Qualquer informação, com ou sem fundamento, desde que enfatizada, acaba sempre autoconfirmada. O jornalismo financeiro é self-fulfilling (como dizem os americanos). Manchete alarmista, mesmo infundada, cumpre-se.

Não foi por outra razão que o ministro Pedro Malan declarou no meio do turbilhão: “Os indicadores de mercado são a expressão do pânico que, por sua vez, refletem as manchetes do dia” (JB, 9/9/98, p.18).

O Senhor Mercado adorou.

 

ESTE OBSERVATÓRIO VEM DENUNCIANDO desde a sua criação o funcionamento dos vários pools de informação na Capital Federal. Na cobertura da CPI dos Precatórios, um desses pools (que usualmente cobre o Senado) foi habilmente explorado pelo relator Requião para satisfazer seus interesses eleitorais.

No OBSERVATÓRIO NA TV (1/3 de setembro), a jornalista Dora Kramer confirmou o funcionamento deste tipo de cobertura, digamos, coletivizada. Ou participativa.

Em dois grandes jornais de sábado 5 de setembro, comprovou-se a existência de um pool até mesmo entre os comentaristas políticos. E curiosamente são jornais concorrentes em matéria empresarial e política.

Na página 2 da Folha, seu comentarista de plantão em Brasília escreveu um texto intitulado O presidente piscou. Referia-se a um eventual vacilo de FHC na sua propaganda eleitoral da quinta-feira anterior, quando se referiu à turbulência financeira.

Na página 2 de O Globo, a comentarista efetiva registrou que o comando da campanha da oposição anotou uma hesitação do candidato à reeleição na propaganda da mesma noite. Título: FH piscou?

Como se trata de uma percepção extremamente pessoal, utilizando a mesma figura de retórica, fica evidente que a fonte foi a mesma. Como se trata de textos escritos numa sexta-feira, quando os comentaristas são obrigados a preencher, no mínimo, os espaços de sábado, domingo e segunda, compreende-se a falta de inspiração. Ninguém é de ferro – ainda mais em Brasília.

 

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