Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

O triunfo dos yes-men

MÍDIA & GESTÃO

Luciano Martins Costa (*)

Francisco Mesquita, diretor-superintendente do Estado de S.Paulo,
fez certa vez um reparo interessante a uma afirmação
minha sobre o inferno que era atuar na gestão de empresas
familiares, com a mistura de conflitos domésticos e interesses
corporativos. “Não se esqueça de que nas empresas
familiares os valores são mais preservados e mais perceptíveis.
Empresas sem linhagem [acho que ele usou “identidade” ou “filiação”,
não lembro bem, mas o sentido era esse
] facilmente perdem
os princípios e correm o risco de  entrar em
aventuras”.

Lembrei-me disso quando lia a reportagem sobre os 140 anos de nascimento
de Júlio Mesquita, um pouco lamentando que tenham se tornado
tão raros os casos de empresas familiares onde ainda se tolera
o pensamento dissidente. O que se vê é a eliminação
de outsiders e a valorização de yes-men e outras
linhagens de carreiristas. Acho que Francisco Mesquita tinha razão,
mas os fatos demonstram que também as empresas familiares
perdem o rumo, quando os patriarcas não cuidam da educação
de seus sucessores.

Tive oportunidade de trabalhar no processo de sucessão de uma grande empresa do Sul, atuando como orientador de capacitação de um herdeiro de trinta e poucos anos que havia preferido gastar sua juventude no Café Photo, em vez de se preparar para assumir suas responsabilidades. Sei que as histórias familiares, a tradição e o envolvimento emocional funcionam como âncoras para esse tipo de resgate.

A questão é: isso ainda vale para empresas de comunicação fundadas sobre valores burgueses em que nem mesmo a burguesia acredita mais? O conceito de democracia, por exemplo, que deveria ter evoluído com a crescente complexidade das relações sociais e econômicas, é alinhavado nos jornais sob o mesmo velho prisma de uma elite que se considera proprietária da única idéia legítima de nação.

“Passa bem”

Por mais que se elaborem os instrumentos para a cobertura eleitoral, momento de consolidação dos processos democráticos, as preferências mal e mal se disfarçam nas escolhas de títulos, fotos e localização de textos, e a opinião escorre dos editoriais para o noticiário.

Da mesma forma, nos atos próprios de gestão, o dia-a-dia das empresas reproduz um sistema de poder cortesão, no qual os quadros familiares sempre têm precedência sobre os  profissionais, por mais qualificados que estes sejam, alinhando-se a seguir os agregados, pela ordem de adesão explícita e incondicional ao núcleo familiar, também à revelia de suas competências. Assim, os mais críticos, ou aqueles tidos como não-alinhados, são progressivamente afastados dos núcleos de decisão e a organização vai perdendo a capacidade de reflexão e de inovação. Da administração, esse mal acaba contaminando a redação, e seus efeitos se revelam nas bancas.

A história da imprensa no Brasil, que impediu até recentemente o desenvolvimento de modelos não-familiares de negócios, traz a raiz provável da crise que se arrasta desde o final dos anos 80. A recente mudança na legislação, que torna mais flexível a composição de capital das empresas, ainda não é uma garantia de melhores resultados. Pelo menos um dos analistas que estiveram estudando uma proposta de investimento num jornal paulista
detectou essa estrutura organizacional antiquada. Claro que, na avaliação de qualquer empresa, uma estrutura organizacional inadequada vai projetar um custo maior e desestimular potenciais investidores.

As empresas de comunicação do Brasil investiram bastante, nos últimos anos, em tecnologia de edição e impressão e vêm fazendo movimentos inteligentes em logística e gestão de insumos. O resultado aparece em custos mais baixos, mas não se reflete em qualidade perceptível ao leitor. Assim, permanece na prática o mesmo efeito daninho observado no tempo da “reengenharia”. Quando o mundo inteiro se convence da importância de criar e gerir bem o conhecimento corporativo, as empresas de comunicação vão na contramão, desestimulando a criatividade rebelde e o gosto pela inovação.

Logo após o deadline, o que se vê é o que se viu: onde estão os grandes textos do século 21? Onde as grandes reportagens? Onde as entrevistas instigantes? Onde as pautas criativas e reveladoras? Qual é o estado de inteligência da imprensa?

Como se dizia no saguão do Hospital das Clínicas, durante a agonia de Tancredo Neves: morreu, mas passa bem.

(*) Jornalista