Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

O usuário pede socorro

 

Vera Silva (*)

Socorro! Não dá mais para ver TV nem ler jornais e revistas! Qualquer pessoa com o mínimo senso crítico se horroriza ao ler e ver tantas matérias mal discutidas: rombo da Previdência, falta de iodo no sal, financiamento brasileiro para estrangeiro comprar estatal, genéricos, relator de comissão implicado em negociata etc. etc.

Não é possível que a mídia entenda que clarificar declarações seja o mesmo que discutir situações. Pois é isto o que se vê e lê todo o tempo todo na mídia. Quer exemplos?

A questão da Previdência é um claro exemplo disto. Há meses que se discute o desconta-não-desconta dos inativos para cobrir o rombo da Previdência. O grosso da mídia explica por que o governo está propondo isto, levanta a questão das altas aposentadorias, dá voz a uns gatos pingados que falam contra, como se a questão estivesse reduzida a ser contra ou a favor de um privilégio. E é só.

Em pouquíssimos lugares se discute a origem real do rombo da Previdência, ou que as regras da Previdência pública são praticamente as mesmas da previdência privada. Por que uma funciona e é boa e a outra não? Nenhuma discussão real é feita, apenas clarificação e preguiça.

A questão da omissão do governo no fornecimento de iodo às indústrias, bem como da omissão do governo em cobrar o cumprimento da legislação, que manda colocar iodo no sal e determina a quantidade mínima, é outro caso. A denúncia teria que vir acompanhada de pedido de punição imediata para quem interrompeu o fornecimento do iodo e para quem não fiscalizou a adição do iodo ao sal.

Há vários dias o caso foi apresentado pelo Correio Braziliense, mas pouca gente sabe disto e, pior, quase ninguém foi alertado ou conhece os efeitos danosos e irreversíveis causados principalmente às crianças, que terão deficiência mental pelo resto de suas vidas. Estou esperando o nome dos responsáveis e sua prisão imediata, bem como o início da assistência especializada aos atingidos pela tragédia. Ou será que ter uma perna decepada na guerra é mais importante do que ter um cérebro danificado pelo Estado na paz… Paz??

Horror e desânimo

A questão dos genéricos é mais um exemplo. Alguém aí pode me explicar por que um remédio é colocado na praça com o aval do Ministério da Saúde, se o ministério não sabe se ele faz o que a bula diz? Os grandes laboratórios dizem que eles, que pesquisaram a droga original, podem garantir seus efeitos, os outros laboratórios não. Então, como são vendidos com bulas que garantem seus efeitos e são registrados pelo ministério?

A mídia se deixa envolver pela direção de discussão que o Ministério da Saúde e os laboratórios querem, mas não vê que o rei está nu. Se similar não é genérico, então o que é? Efeito psicológico para pobre que não pode pagar remédio bom?

A questão do palmito é outro exemplo: por que não se pede a suspensão imediata da venda dos palmitos que as pesquisas, feitas por órgãos independentes, como o Idec, por exemplo, mostraram que têm teor inadequado de acidez? Vai dar prejuízo à indústria, mas e a saúde da população e a proteção das palmeiras? Mas a mídia não mostra isto com a clareza que deveria. Com a proliferação de restaurantes de auto-serviço, sem controle adequado da fiscalização sanitária, os riscos para a população são muito altos. Quem cobra isto?

Não é possível deixar de pensar nos milhões de espectadores e nos milhares de leitores que têm apenas uma única fonte de informação e são levados a ouvir e ler apenas a versão oficial dos fatos. O horror se instala e o desânimo também.

A mídia precisa imediatamente mudar o layout dos jornais impressos e televisionados. É preciso que ao lado de cada notícia venha a discussão real dela, o histórico, as leis não-cumpridas, o nome do infrator, as penas para o crime etc. O brasileiro precisa ser informado do que acontece nas costas dele, longe dos seus ouvidos, controlado pelos gerentes do Estado.

É inútil brigar com a corrupção e a ineficiência em tese; é preciso fazê-lo no cotidiano ou então nós, os usuários da mídia, vamos ter que aderir àqueles que afirmam que a mídia está comprometida com o capital.

(*) Psicóloga