Wednesday, 24 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

OESP

CASO ENRON

"Os riscos da oligopolização da mídia", copyright O Estado de S. Paulo, 3/03/02

"A quebra estrepitosa da Enron – a maior empresa de energia do mundo e o sétimo maior conglomerado econômico dos Estados Unidos – chamou a atenção para uma das dimensões mais nocivas do gigantismo empresarial, que se manifesta à larga, mesmo naquele país onde as condutas adversas ao bem público dificilmente passam despercebidas por muito tempo. Trata-se da força corruptora das megacorporações sobre as decisões de governo. A Enron, uma das principais financiadoras de campanhas eleitorais de republicanos e democratas, parece ter tido papel decisivo na formulação da política energética do governo Bush.

O escândalo da Enron é uma referência oportuna, quando se analisam os possíveis efeitos lesivos ao interesse comum do processo de concentração da mídia americana – e as suas repercussões em países, como o Brasil, onde são frágeis ou inexistentes as defesas institucionais contra a cartelização de um setor do qual depende, em última análise, a própria ordem democrática. Na indústria da comunicação de massa, a competição organizada é imprescindível não apenas para evitar trustes e oligopólios, mas principalmente para limitar a influência política dos órgãos de informação e entretenimento, sobretudo dos conglomerados de jornais, revistas, emissoras de rádio e TV.

Uma ?Enron? da mídia é incomparavelmente mais nefasta do que uma Enron da energia. Além disso, o direito de saber, fundamento das sociedades livres, implica o acesso do público a opiniões diferentes sobre os fatos e a abordagens diferentes desses mesmos fatos. Hoje, nos Estados Unidos, tal acesso se estreita à medida que se intensifica a tendência à desregulamentaçccedil;ão dos regimes de propriedade da mídia e à abolição das limitações impostas à penetração das emissoras – o que abre caminho à completa oligopolização do setor.

Em setembro último, a Comissão Federal de Comunicações dos Estados Unidos (FCC, na sigla em inglês) ordenou a revisão de duas normas: a que impede uma empresa de ser proprietária de um jornal e de uma estação de TV em um mesmo local, ou mercado; e a que limita a 35% o total de domicílios do país que podem ser cobertos pelas emissoras de TV de um mesmo proprietário. Ainda no ano passado, um tribunal federal derrubou a proibição às empresas provedoras de sistemas a cabo de atenderem, cada qual, a mais de 30% dos assinantes no país.

Há uma semana, enfim, outro tribunal federal julgou infundada a regra de que uma companhia não pode ter uma TV a cabo e uma emissora de sinal aberto em um mesmo mercado. O tribunal também considerou que a FCC não justificara suficientemente a razão de ser do já mencionado teto de 35%. Na realidade, sob o governo Bush, a FCC – cujo presidente, Michael Powell, filho do secretário de Defesa dos EUA, é tido como um ?fundamentalista de mercado? – vê com bons olhos o definhamento das limitações legais destinadas a preservar a concorrência, para garantir a diversidade da informação.

Isso, em um país onde um punhado de colossos empresariais, como General Electric, AOL Time Warner, Disney, News Corporation, Sony e Viacom, já controla as três grandes redes de TV e participa, em intrincadas associações, de todos os segmentos da indústria da cultura popular, e ainda da Internet, telefonia e comunicação por satélite. O maior problema, nesse labirinto de interesses e fontes potenciais de pressão sobre o Estado, é o espaço que resta ao jornalismo autônomo. Por ser ao mesmo tempo negócio e serviço público, a imprensa convive com a tensão intrínseca entre esses dois aspectos.

Sem solidez econômica, de um lado, nenhuma empresa jornalística pode aspirar à independência. E, na economia moderna, essa solidez não raro exige associações e fusões que reduzam custos, ampliem o acesso a tecnologias de ponta e permitam o ingresso da empresa em outros ramos promissores da indústria da informação. De outro lado, esse processo tende a criar, por definição, conflitos de interesses capazes de pôr em risco o compromisso dos jornais responsáveis de informar ?sem medo nem favor?.

Daí a importância de um marco regulatório que contemple o problema integralmente. ?Os americanos não hão de querer acordar um dia e constatar que, em conseqüência de fusões entre operadoras de cabo, redes de TV, emissoras locais de sinal aberto, redes radiofônicas e cadeias de jornais, passaram a depender só de duas ou três corporações para todo o seu entretenimento e, mais importante ainda, para as suas notícias?, adverte."

 


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"Ex-dirigente da Enron nega ter mentido", copyright O Estado de S. Paulo, 27/02/02

"O ex-executivo-chefe da Enron Jeffrey Skilling garantiu ontem, diante do ceticismo dos senadores, que não mentiu ao dizer que desconhecia as dificuldades financeiras da empresa de energia quando renunciou ao cargo em agosto. ?Nunca menti para o Congresso nem para ninguém.? Ele depôs no Comitê de Comércio do Senado dos Estados Unidos. Também participaram do depoimento a ex-vice-diretora Sherron Watkins, que em agosto chamou a atenção da presidência da empresa para os problemas, e o atual executivo-chefe, Jeffrey McMahon.

Skilling também negou ter enganado o ex-executivo-chefe Kenneth Lay. Minutos antes, Sherron havia dito que Skilling enganara Lay. ?Ouvi a senhorita Watkins dar a sua opinião, não tenho a menor idéia no que ela se baseou.? Os dois não se cumprimentaram.

O antigo dirigente da gigante energética, que pediu falência em dezembro, acusou os congressistas de agirem com arrogância e de gastar o tempo do público. ?Toda a cúpula da Enron tem sido chamada de várias qualificações, de charlatões a deliqüentes, com absoluto desprezo pelos fatos e evidências encontradas?, disse Skilling em sua declaração inicial. ?Essas deturpações destróem vidas e não fazem nada para promover a compreensão do público sobre o que aconteceu com a Enron.?

Sherron disse que tinha ficado bastante frustrada com a falta de reação de Lay depois que ela lhe avisou sobre os problemas contábeis. ?Creio que a Enron teve uma breve oportunidade de salvar-se e a perdemos, pois o senhor Lay não admitiu que a companhia havia manipulado suas declarações financeiras.?

Lay já compareceu ao Congresso, mas não deu nenhum depoimento, baseando-se na lei americana, que dá o direito a qualquer cidadão de não se incriminar."

 

"?Não menti?, diz ex-diretor da Enron", copyright Folha de S. Paulo, 27/02/02

"Jeffrey Skilling, que ocupou o cargo de diretor-executivo da energética norte-americana Enron até pouco antes de a empresa entrar em concordata, disse ontem, em depoimento no Senado, que ?não mentiu para o Congresso nem para ninguém?. O executivo também negou que tivesse enganado o Kenneth Lay, ex-presidente da Enron.

De acordo com o depoimento de uma vice-presidente do grupo, Skilling teria aplicado golpes contábeis e feito Lay de tolo, ao dar-lhe informações imprecisas sobre a situação financeira. As declarações dela haviam colocado em contradição o executivo, que há havia deposto.

Segundo Skilling, a empresa entrou em concordata, em dezembro passado, porque as suspeitas em relação às práticas contábeis derrubaram a credibilidade da empresa, que não teve como honrar suas dívidas. Para o executivo, não foram as práticas contábeis em si que levaram ao colapso.

O depoimento de Skilling durou cinco horas e meia. Ao contrário de outros executivos, ele preferiu falar. Indagado sobre por que não seguiu a atitude dos colegas que não depuseram, disse: ?Não tenho nada para esconder?.

Os senadores não se convenceram. Para eles, seria impossível Skilling não ter conhecimento das fraudes contábeis."

 

ITÁLIA

"Nova lei beneficia Berlusconi, diz oposição", copyright Folha de S. Paulo, 1/03/02

"Deputados da oposição italiana saíram da Câmara ruidosamente ontem, pouco antes de a maioria de centro-direita aprovar um polêmico projeto de lei sobre conflito de interesses que, segundo seus detratores, é feito sob medida para proteger o primeiro-ministro Silvio Berlusconi.

Mais de 200 deputados deixaram o Parlamento momentos antes da votação final. O projeto foi aprovado com 308 votos e duas abstenções e segue para o Senado, onde o governo tem maioria.

O projeto de lei, cujo objetivo é regular conflitos entre interesses políticos e financeiros de membros do governo, foi intensamente debatido por três dias, com deputados trocando insultos e chegando perto da agressão física.

Berlusconi é o foco da legislação. Sua família controla a Mediaset, o maior grupo televisivo privado da Itália, assim como vários outros estabelecimentos financeiros, publicitários e esportivos.

Em um protesto improvisado do lado de fora do Parlamento, deputados de centro-esquerda agitavam faixas declarando ?vergonha? e ?liberdade?. Eles se uniram a manifestantes que portavam narizes de Pinóquio e gritavam: ?Berlusconi mentiroso, disse mentiras na campanha?.

?Com essa lei, a democracia fez uma guinada perigosa?, afirmou Luciano Violante, presidente dos Democratas da Esquerda, o maior partido de oposição. ?No século passado, houve um ditador que chegou ao poder neste país via eleições, e isso é algo que temos que lembrar?, disse ele, referindo-se a Benito Mussolini.

Berlusconi, que ficou sabendo da aprovação do projeto durante uma viagem à Hungria, criticou os protestos. ?Deveríamos ensinar à oposição o que é a democracia parlamentar?, afirmou, acrescentando que o projeto de lei era ?absolutamente razoável?. Questionado se o projeto era tão bom quanto poderia ser, disse: ?No que diz respeito a mim, sim?.

A lei de conflito de interesses é a legislação que provocou mais debate e divisão no Parlamento desde que Berlusconi assumiu o poder, em junho passado.

Anteontem, houve cenas de caos na Câmara, habitualmente calma. Deputados gritavam insultos e jogavam jornais uns nos outros. Assessores parlamentares tiveram de intervir nas discussões para evitar briga.

A maioria votou contra cada uma das 300 emendas propostas pela oposição. A lei aprovada inclui um polêmico artigo, apelidado de ?salva Berlusconi?, que determina que um conflito de interesses não pode ser estabelecido meramente pelo fato de um político ser dono de uma empresa.

Berlusconi prometera em sua campanha eleitoral introduzir uma lei sobre conflito de interesses para preencher lacunas na pouco clara legislação existente.

A lei propõe a transformação da atual autoridade antitruste em uma agência de vigilância que alertaria o Parlamento a respeito de conflitos de interesses.

A agência teria poderes limitados para sancionar ou bloquear medidas que favoreçam membros do governo. Seu papel seria só o de aconselhar o Parlamento.

Se o projeto virar lei, Berlusconi não teria de abrir mão de nenhum de seus bens. Ele apenas seria obrigado a renunciar à presidência do clube de futebol Milan, que ocupa há 16 anos. Ele disse ontem que renunciaria ao posto.

Além de criticar o artigo ?salva Berlusconi?, a oposição afirma que uma sanção parlamentar não é exatamente uma medida dura.

Segundo Franco Frattini, o ministro que propôs a lei, uma sanção seria ?muito prejudicial?.

?Uma sanção por parte desse Parlamento seria um grave prejuízo ao caráter [de um membro do governo? e politicamente muito danosa. Não se pode dizer que esse Parlamento não é nada, é o centro da democracia e não se pode denegri-lo?, afirmou."