Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Olavo de Carvalho

POLÊMICA: O BRASIL COMUNISTA

"Discípulos de Saramago", copyright O Globo, 24/11/01

"Nada mais fácil do que tirar as dúvidas apresentadas por Luiz Garcia no seu artigo de quinta-feira:

1) A presença de 800 jornalistas na folha de pagamento da CUT foi admitida por dirigentes da entidade ao ?Jornal do Brasil? de 5 de maio de 1993.

2) Eleições sindicais não revelam a influência dos sindicatos sobre os associados, mas – por definição – a influência dos associados sobre os sindicatos. O argumento de Garcia, portanto, é extemporâneo. Nos sindicatos de jornalistas, há 20 anos toda chapa que se apresenta é de esquerda, maciça a sua votação, mínimo o número de abstenções. Dizer que isto não prova a hegemonia esquerdista é fazer-se de cego.

3) Garcia reconhece que a esquerda domina as redações, mas pretende que isso não afete a orientação do noticiário e afirma que a alegação de distorções sistemáticas é ?caluniosa e vil?. Pergunto-lhe, então: quantas vezes, ao longo dos últimos 20 anos, a imprensa nacional investigou os crimes da ditadura, e quantas os dos comunistas? Quantas vezes foram noticiadas as violências de Pinochet e quantas as dos comunistas na China, no Tibete, no Vietnã, na Coréia do Norte? Quantas, o processo contra Pinochet na Espanha e quantas seu similar contra Fidel Castro na Bélgica? Quantas, o milhão de vítimas feitas pelos soviéticos no Afeganistão e quantas as poucas baixas civis registradas na atual intervenção americana? Quantas, a ajuda financeira de um dirigente do Comintern à família Gore? Todas essas distorções e omissões foram meras coincidências, lapsos sem malícia? Seria possível tanta inépcia aliada a tanta inocência? Calunioso e vil é o silêncio com que a imprensa nacional encobre tudo quanto não interesse à causa comunista.

4) A China, para Garcia, tornou-se inofensiva porque entrou na OMC. Mas o problema não é saber se ela entrou na OMC: é saber se ela saiu do Tibete. É saber se ela parou de aumentar seu estoque de armas atômicas. É saber se ela parou de ser recordista mundial de fuzilamentos. É saber se ela parou de prender padres e bispos por serem padres e bispos. Só que estes assuntos estão fora da pauta de uma imprensa decidida a vender uma imagem rósea do comunismo chinês.

Mas voltemos a Jean Sévillia. A situação da imprensa francesa descrita no artigo anterior observa-se quase igual nos EUA: é uma coisa alarmante, embora ainda longe do estado de quase perfeito controle totalitário que se estabeleceu no jornalismo brasileiro.

Em 1985, uma pesquisa do ?Los Angeles Times? entre três mil editores e repórteres de 600 jornais e revistas americanos mostrou que, nas eleições de 1964, 94% deles votaram com a esquerda. Mesmo nas eleições de 1972, que deram arrasadora vitória a Richard Nixon, 81% dos jornalistas preferiram George McGovern, mostrando o abismo entre a opinião da classe e as preferências gerais do eleitorado.

Os reflexos disso na orientação do noticiário são escandalosos. Em 1976, enquanto um milhão de cambojanos morriam nas mãos da ditadura Pol-Pot, o ?New York Times? deu apenas quatro notícias de violações de direitos humanos no Camboja, mas 66 de análogo teor sobre o Chile (onde o total de mortos da repressão nunca passou de três mil). O ?Washington Post? deu nove notícias sobre o Camboja, 58 sobre o Chile. A NBC não fez qualquer menção ao massacre do Camboja, a ABC fez uma, a CBS duas.

O espectador brasileiro, que hoje assiste à TV americana via cabo, fica informado de cada baixa civil no Afeganistão. Mas a rede inteira das grandes TVs americanas deu menos tempo, durante todo o ano de 1985, para o noticiário da invasão soviética (um milhão de afegãos mortos), do que gastou numa só noite com o caso ?Irã-contras?: 56 minutos contra 57.

É impossível ao público americano, assim desinformado, conservar um mínimo razoável de senso das proporções.

Mas a censura esquerdista na mídia de grosso calibre é ali compensada pela profusão de pequenos jornais e revistas que, nas províncias, atingem mais diretamente o público, e nos quais a opinião conservadora ainda tem amplo espaço para se manifestar. Há também muitas agências independentes e sites tipo press watch, que neutralizam em parte o efeito falsificador vindo de cima.

No Brasil, a imprensa regional tem peso irrisório em comparação com o da grande mídia, e os sites de exame crítico na internet foram encampados pela própria esquerda, que utiliza esse espaço para manter os donos de jornais sob chantagem psicológica, de modo a dissuadi-los de qualquer veleidade de controlar o esquerdismo desvairado de suas redações. (E além disso – respondo ainda a Garcia – como iriam controlá-lo, se os jornalistas já vêm das faculdades com a cabeça feita e os poucos profissionais livres de contaminação esquerdista não bastam para preencher nem um décimo das vagas?)

O resultado é que a própria esquerda, jamais satisfeita com a quota leonina que já lhe pertence, sente-se insultada e intimidada quando, por descuido ou coincidência, sua rede de fiscais deixa passar algum artigo assinado que longe das páginas de noticiário, onde a assepsia é impecável, diga contra ela algo de substancial.

Bastou o deputado José Genoíno ler dois ou três artigos contra a candidatura Lula, e pronto, já veio estrilando, em ?O Estado de S. Paulo? de 10 de novembro, contra o que lhe parece ser um ?cerco ao PT?. O poder não apenas corrompe: enlouquece. Hitler, que decidia a vida e a morte de cada alemão, queixava-se com freqüência de que ninguém o obedecia. Olhava a multidão de seus áulicos, trêmulos e servis como cães surrados, e acreditava ver neles a chama da rebeldia. Era doido, dirão. Pois aqui tudo o que obtiveram das empresas jornalísticas não basta para contentar os novos Hitlers: nada fará com que se sintam seguros e satisfeitos aqueles que nasceram para ?transformar o mundo? – pois não há poder que chegue para quem sonha em tornar-se demiurgo quando crescer. Do ponto de vista dessa gente, qualquer crítica, por mínima e isolada que seja, é um ?cerco?, um perigo iminente, uma conspiração de direita.

Nunca se pode esquecer que, para a mentalidade socialista, os donos de uma empresa jornalística não são verdadeiros donos: são usurpadores temporários. Possuir uma editora de jornais por havê-la comprado ou herdado é imoral e ilegítimo: limpa, correta, honesta, somente a posse obtida pela ocupação das redações à força, como se deu em Portugal durante o reinado do terror midiático encabeçado pelo comissário-do-povo José Saramago.

Para os jornalistas criados nessa mentalidade, o reino da justiça só virá no dia em que cada um deles for um novo Saramago não nas listas de best-sellers, mas na cadeira da presidência da empresa, tomada a tapa em nome do processo histórico. Daí o absurdo de alegar, como Garcia, a mera presença dos patrões como prova da inocuidade do comunismo na imprensa: se bem entendi Karl Marx, a existência de capitalistas não é um obstáculo às revoluções comunistas, mas, ao contrário, o pressuposto delas."

 

"Comunistas!", copyright Folha de S. Paulo, 22/11/01

"Há uma conspiração em marcha no país. Provavelmente destinada ao malogro: é a sina de todos os complôs denunciados antes de propriamente amadurecidos, mas todo cuidado é pouco. Deve-se a denúncia às investigações intelectuais e principalmente às elaboradas deduções do erudito analista Olavo de Carvalho, que trouxe à luz as malignas maquinações em seu último artigo no GLOBO.

Quem não leu, imaginando que sob sua assinatura encontraria apenas divagações filosóficas, fique agora sabendo que a imprensa brasileira está entregue às maquinações de um monstro, que se supunha inerte e incapaz: o comunismo internacional, velho de guerra.

Olavo é enfático: ?Hoje não há mais democracia no Brasil, exceto a ?democracia interna?, o ?centralismo democrático? do velho Partidão, onde a única direita admissível é a direita da esquerda: a social-democracia, o reformismo, a tucanidade.? E ele sabe por que ninguém atenta para isso: a imprensa está dominada pelo comunismo, com escassas exceções. Estas constituem a ?quota mínima do risco calculado? com que eventuais suspeitas dos leitores são anestesiadas.

Tudo isso é dito com aparente indignação e patriotismo. Ainda assim, parece brincadeira – afinal, a que se destina a conspirata? Instalar no Brasil uma república popular? Só com a sabotagem dos agentes infiltrados na imprensa? Fica-se sem resposta, porque as revelações de Olavo param na denúncia dos jornalistas. Por isso, a primeira tentação é não dar importância. Mas a História ensina o oposto.

Brincando de sério, examinem-se algumas denúncias de Olavo. A primeira é a afirmação de que nos sindicatos da classe os jornalistas ?que votam à esquerda? são cem por cento. Ele omite ou esquece um dado crucial: há muitos anos os sindicatos perderam grande parte de sua importância na chamada grande imprensa, pela razão rasteira (para vergonha nossa) de que a grande imprensa paga melhores salários e dá maiores vantagens do que as organizações de classe pleiteiam. Seja como for, há provavelmente nos sindicatos uma maioria de ativistas que se diria esquerdista. Mas há também uma minoria contrária e, principalmente, um vastíssimo contingente que não dá a menor bola para o sindicato porque seus pleitos nada têm a lhes oferecer. Os indiferentes são, de fato, a grande maioria. Não era assim na década de 70, por exemplo, que talvez seja a última época em que Olavo pisou numa redação (a não ser que tenha freqüentado alguma mais recentemente, mas isso nos obrigaria a defini-lo como mentiroso ou extraordinariamente distraído). Há 30 anos havia esquerdistas de todos os matizes nas redaçõotilde;es, e alguns faziam precisamente o que ele denuncia. Quem conhece o quadro de hoje não negará que o índice de conservadores e liberais à brasileira é pequeno. Mas a denúncia não é sobre convicções pessoais, e sim de uma atividade desleal permanente, implicando pesadamente – não poderia ser de outra forma – ocupantes de cargos de confiança. E essa é uma acusação caluniosa e vil.

Outra suposta prova da conspiração está na afirmação de que a CUT – a qual passa por ser, no raciocínio de Olavo, uma organização inteiramente comunista – tem 800 jornalistas em sua folha de pagamento, o que representa ?a maior compra de consciências já observada no jornalismo mundial?. O homem, decididamente, não faz por pouco: deve ter conferido no Guinness Book of Records. Infelizmente, não oferece dados concretos do que diz. Por mim, prefiro o pasmo: existiriam mesmo, entre jornalistas de alguma importância, 800 à venda? Confesso que não sabia nem que existem 800 jornalistas importantes e com bom valor de mercado, na grande imprensa brasileira. De fato, se verdade fosse, a CUT (pelo visto, principal braço financeiro do conluio sinistro) faria melhor comprando no máximo 200 jornalistas e distribuindo o resto da grana entre economistas, políticos, estatísticos e generais. Cobriria melhor o território, digamos assim.

Os jornalistas da CUT, prossegue Olavo, ?não são deixados sem instruções quanto ao que devem escrever ou omitir?. Somam-se a eles, ainda ?ativistas partidários… companheiros de viagem, oportunistas e idiotas? (será o meu nicho?). O resultado: ?páginas noticiosas integralmente pautadas pela esquerda, cadernos de cultura e show business dedicados por inteiro à glamourização de estrelas ativistas, colunas e mais colunas assinadas por ídolos do esquerdismo letrado?. Só os editoriais e um ou outro artigo assinado sobram para o ?não-esquerdismo?.

O problema maior com esse quadro é o fato de ignorar o patrão. ?Quem tem patrão, tem Deus?, disse certa vez um amigo, cujo nome minha esclerose esqueceu, ao ter notícia do malogro de mais uma tentativa de jornalismo corporativo. Endosso. E a graça divina me deu, quase sempre, patrões espertos. Empresários empenhados em fazer o seu negócio dar certo, mas conscientes de que fazer jornal não é fabricar salsichas. É preciso respeitar a inteligência e os desejos dos leitores, oferecendo-lhes, tanto quanto possível, um retrato realista dos fatos. O que exige oferta diversificada de opiniões.

Os patrões da grande imprensa brasileira são, quase todos, honestos e bem intencionados (há um ou dois escroques inevitáveis, mas esses, inexoravelmente, apenas ganham durante algum tempo muito dinheiro para si enquanto, por desrespeito ao leitor, afundam suas empresas). Os que permanecem são também, como se poderia esperar, defensores do capitalismo e da economia de mercado. Não há comunistas no clube, e sim empresários que jamais permitiriam que funcionasse debaixo de seus narizes uma trama que Olavo de Carvalho descobriu apenas lendo jornal. O jornalismo partidário, sectário e proselitista é sabidamente um mau negócio. Não morreu por acaso. E não tem espaço para renascer na chamada grande imprensa (brasileira ou não).

Para não perceberem a trama denunciada por Olavo, nossos patrões teriam de ser excepcionalmente tolos ou inacreditavelmente distraídos. Ou, para citar o caso do GLOBO, seriam ingênuos a ponto de imaginar que a brilhante inteligência conservadora de um Olavo de Carvalho – fora representar, como é necessário, um importante setor da opinião nacional – seria também antídoto suficiente para uma conspiração comunista que dominasse quase todo o resto do jornal.

Empresários da comunicação de massa, quando eficientes, confiam na inteligência do leitor. E o expõem tanto à erudição de um Olavo de Carvalho como ao brilho de A, B ou C (não cito nomes porque os esquecidos não perdoam). E acham com isso que fazem o seu papel, como homens de negócios e como agentes sociais. Assim acontece nos principais veículos do país.

O brilhante Olavo, que encanta grupos de estudo da melhor sociedade carioca, certamente deve continuar a dizer precisamente o que pensa, convicto que leva ao desespero – ou pelo menos chateia – os estrategistas do comunismo mundial, em Pequim (mesmo depois de sua adesão à Organização Mundial do Comércio, o que não bate muito bem com o financiamento da conspiração sinistra no Brasil, mas sabe-se lá o que vai na cabeça desses comunas) e em Havana."

 

"Descrédito da mídia", copyright Época, 26/11/01

"Numa recente pesquisa do Observatório da Imprensa entre 4.324 visitantes de seu site, 94% disseram que desde o 11 de setembro a mídia torce o noticiário, decididamente, para o lado dos terroristas. Isso mostra que o leitor brasileiro não é idiota.

A famosa ?hegemonia?, conquistada ao longo de quatro décadas de usurpação de espaços e neutralização dos adversários, pode ser muito eficiente na rede de ensino. A manipulação psicológica de adolescentes, a exploração política de mentes imaturas, o abuso intelectual de menores – tal é, no fundo, a única atividade cultural bem-sucedida do esquerdismo militante. Na imprensa, perante um público adulto, a eficácia do truque sujo é relativa.

Ninguém, depois de ver que em quase dois meses de combate as baixas civis no Afeganistão não chegam à vigésima parte do que os terroristas de Bin Laden produziram em cinco minutos em Nova York, pode acreditar nos santarrões de ópera bufa que proclamam os EUA ?a maior nação terrorista do mundo?.

Ninguém pode acreditar na seriedade de politiqueiros acadêmicos que, no paroxismo de seu ódio aos EUA, se rebaixam a aplaudir servilmente qualquer ditadorzinho grotesco que prometa fazer mal aos americanos. Ninguém, ao ouvir o doutor Leonardo Boff dizer que dois aviões espatifados não bastam, que seria preciso jogar logo uns 25, pode deixar de perceber que não há um pingo de cristianismo na alma de um fanático de olhos frios, apologista do genocídio.

Ninguém, ao notar que ao longo de um século, somadas todas as guerras e intervenções, os americanos não chegaram a fazer 2 milhões de vítimas – a cota bianual do genocídio comunista -, pode deixar de perceber que, dentre as potências imperialistas que já puseram as patas no mundo, os EUA são a mais pacífica, a mais tolerante, a mais incruenta.

Imperialismo é imperialismo e não deve ser aplaudido nunca, mas só um cretino de marca não percebe a diferença de tratamento que os EUA e as potências socialistas deram aos povos colocados sob sua influência respectiva. Mesmo os famosos 200 mil vietcongues mortos, tão pranteados pela mídia, não morreram afinal senão em defesa de ditadores sanguinários que, até então, já haviam matado 1 milhão dos próprios compatriotas.

Ninguém, sabendo que o Taleban foi armado pelos EUA contra a URSS, pode deixar de perceber que os americanos, quando ajudam um povo em guerra, não o escravizam em seguida como sempre o fizeram a China e a URSS, mas o deixam livre, até mesmo, para voltar-se contra seus benfeitores.

Ninguém pode constatar a descarada hostilidade dos jornais e da TV para com os EUA – hoje como na Guerra do Vietnã – e ao mesmo tempo acreditar piamente que a mídia é um instrumento de manipulação a serviço do imperialismo ianque.

A mídia serve, sim, a poderosos interesses mundialistas, mas imaginar que coincidam necessariamente com os dos EUA é ignorar cinco décadas de briga de foice entre os nacionalistas americanos e a Nova Ordem Mundial. Essa briga vem sendo cuidadosamente escondida dos olhos do público brasileiro por devotados ?agentes de influência? travestidos de jornalistas. Mas algo da verdade sempre acaba vazando por entre as malhas da censura gramsciana.

Corajosamente, nosso repórter José Hamilton Ribeiro, ferido durante a cobertura dos bombardeios no Vietnã, tem admitido na TV que muito do noticiário que ele e os demais correspondentes de guerra então passavam para a mídia ocidental não eram senão mentiras plantadas pelos vietcongues.

Em grande parte, a hegemonia esquerdista na imprensa é apenas a auto-intoxicação de uma classe que, de tanto discursar para si mesma, de tanto calar as vozes que a desagradam, acabou por se alienar da realidade e, quanto mais poderosos os meios a sua disposição, tanto mais facilmente cai em seu próprio engodo."