Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Orgulho ferido dos bufões de plantão

OS SIMPSONS

Antônio Brasil (*)

Para muitos estrangeiros e, surpreendentemente, até mesmo para grande parte da nossa população não é novidade saber que o Brasil tem uma péssima imagem no exterior. Há algum tempo quase entramos em guerra com os franceses por algumas lagostas, e a conclusão foi de que não valia a pena, pois o Brasil não é mesmo um país "sério". Numa terra em que os humoristas competem em desvantagem com os políticos pela primazia de criar as situações mais absurdas, e o noticiário cotidiano está repleto de casos totalmente surreais, não é de espantar que alguns americanos tenham uma visão preconceituosa, estereotipada e provavelmente limitada da nossa realidade. Mas o mais patético e irônico é ver a presidência da República e empresas oficiais de turismo, como a Riotur, ameaçarem processar produtores estrangeiros de televisão com uma ação de "perdas e danos" por prejudicarem a nossa imagem. Como se isso ainda fosse possível.

Recentes matérias divulgadas pela imprensa sobre o polêmico desenho dos Simpsons no Brasil ("Los Simpsons", O Globo, 5/4, Segundo Caderno, pág..1; "Riotur vai processar produtora de Os Simpsons", O Globo, 6/4, pág. 23; "Os Simpsons escarnecem do Brasil", Folha de S.Paulo, 6/4, pág. A6; "Produtor dos Simpsons faz mea-culpa", O Globo, 13/4, pág.20) levantam uma questão ainda mais importante: quem seriam os verdadeiros responsáveis pela imagem do nosso país no estrangeiro? Seriam os nossos talentosos publicitários e competentes funcionários de empresas públicas de turismo, como Embratur ou Riotur, donos de verbas igualmente públicas utilizadas, não se sabe muito bem como, para divulgar as nossas maravilhas? A nossa "imagem" lá fora seria o produto do trabalho dos nossos diplomatas, profissionais igualmente competentes, oriundos das melhores escolas e das melhores "castas" sociais, conhecedores profundos das nossas qualidades e realidades? Será que a nossa imagem estaria sendo mais uma vez escarnecida por conspiradores internacionais interessados em evitar a nossa sempre adiada mas inevitável ascensão mundial, destino certo a um lugar superior ao injusto patamar atual do império americano? Ou seria simplesmente produto de uma visão míope mas muitas vezes muito específica de alguns poucos jornalistas estrangeiros baseados, em sua maioria, na bela cidade do Rio de Janeiro?

A imagem do Brasil no exterior é em boa parte produto do trabalho dos correspondentes estrangeiros aqui baseados. Eles trabalham diariamente para enviar notícias sobre o país, mas infelizmente nem todas nos agradam. Seria ótimo imaginar jornalistas transmitindo somente boas notícias sobre os países para onde foram designados. A realidade, no entanto, é bem diferente. Parece que alguns políticos não compreendem a própria natureza da cobertura jornalística.

No episódio do desenho dos Simpsons, o que mais espanta é pensar por que será que entre os assessores de imprensa ou de comunicação social, tão régia e generosamente remunerados, não encontramos pelo menos um indivíduo pronto a dizer: "Senhores políticos, não paguem mais esse mico internacional. Os jornalistas, principalmente os estrangeiros, vão adorar as reclamações contra um desenho de TV e seguramente vão pautar essa reação desproporcional e patética." Fica parecendo, o que seria uma inverdade, que tantos os políticos como os assessores não têm mais o que fazer. Afinal, o desenho dos Simpsons é somente mais um programa de TV muito engraçado sobre mais uma família esquisita americana (alguém ainda se lembra de programas como Papai Sabe Tudo, Família Buscapé e tantas outras famílias televisivas americanas?). Esse tipo de televisão não deveria ser jamais levado a sério, mas no Brasil vivemos sempre o inusitado. Pelo jeito, assessor de imprensa e governo, além de muito tempo livre, provavelmente possuem uma enorme vontade de aparecer. Não interessa muito como, o importante é se destacar no noticiário ? se internacional, então, melhor ainda.

Quem é mais engraçado?

Jornalistas estrangeiros no Brasil são aqueles profissionais da imprensa que estão incumbidos de criar a verdadeira imagem de um Brazil com Z. Infelizmente não precisam de muito esforço para mostrar regularmente tudo aquilo a que nós já nos acostumamos e com que não nos importamos muito. Convivemos tranqüilamente com um noticiário repleto de fatos e situações inexplicáveis para a maioria dos mortais. Mas, para o olhar ampliado de um estrangeiro, nossa realidade é simplesmente um prato cheio. É só abrir os jornais ou assistir à televisão regularmente e testemunhar mazelas sociais, políticas e econômicas que se repetem regularmente e, dessa forma, tornam-se imagens ou estereótipos no cenário internacional. Ninguém gosta, mas são inevitáveis.

Jornalistas em todo lugar do mundo buscam sempre o que há de pior. É da natureza da profissão. De vez em quando exageram mas, quando só elogiam, logo se conclui que tem algo errado. O equilíbrio entre as boas e as más notícias seria o ideal, mas o mundo é um lugar injusto.

Numa agência internacional de notícias para televisão onde
trabalhei como correspondente estrangeiro em meu próprio
país durante muitos anos, os editores internacionais, sempre
com muita ironia, jamais perdiam a oportunidade de comentar nossas
pautas – no Brasil é sempre a mesma coisa, a mesma desgraça:
se não é seca, é enchente! Uma competição
macabra e feroz com outros países como Bangladesh ou Sudão
para saber quem oferecia diariamente as maiores desgraças.
Já naquela época éramos considerados sérios
contendores, pelo menos em notícias ruins.

Hoje, obviamente, muita coisa mudou. É só assistir aos Simpsons ou ler os poucos veículos da imprensa internacional que ainda se importam com o Brasil. Pelo ponto de vista das pautas jornalísticas, a sorte ou o azar, dependendo da perspectiva, é que o país e o noticiário brasileiro ajudam, e muito. Se não, vejamos:

Uma das acusações mais contundentes contra o episódio
dos Simpsons sobre o Brasil era de que o patriarca da família,
o velho Homer, teria sido seqüestrado por um taxista ao chegar
ao aeroporto do Rio de Janeiro. Sei que fazemos questão de
esquecer de tudo rapidamente, mas alguém ainda se lembra
do noticiário sobre o casal de turistas franceses seqüestrado
ao chegar ao mesmo aeroporto, meses atrás? O caso teve enorme
e rápida repercussão. A turista francesa foi morta
violentamente, e a nossa competente polícia, já nas
primeiras e rápidas investigações, insistia,
durante entrevistas coletivas à imprensa, em acusar o marido
da morta.

O caso, assim como tantos outros, foi esquecido pela mídia mas, pelo jeito, não pelos correspondentes estrangeiros no Brasil ou pelos produtores de desenhos animados. A imagem, ao contrário das palavras, persiste em nossas mentes. Os jornalistas não criam a nossa imagem lá fora. Eles simplesmente retratam um cotidiano repleto de fatos inacreditáveis em suas matérias. A nossa realidade há muito tempo parece ficção. Assemelha-se a um desenho animado sem graça para nós, mas muito divertido para os jornalistas estrangeiros. A grande surpresa é que eles ainda se espantem e se choquem com a nossa realidade. Com episódios cada vez mais freqüentes como os que envolvem mosquitos da dengue, meninos de rua que matam, fome num país que exporta alimentos, violência diária com milhares de mortos, milhões no cofre de uma candidata à presidência ou da sexualidade exagerada e carnavalesca numa televisão infantil, não é de admirar que o correspondente estrangeiro fique espantado e confuso.

Podemos sempre culpar os jornalistas estrangeiros e cobrar de todos, inclusive dos produtores de desenhos animados, um país que nunca tivemos. Para os governantes, em Brasília ou no Rio de Janeiro, o importante é preservar nossa boa imagem. Mesmo que ela há muito tempo esteja meio fora de foco. Todos exigem respeito com a nossa realidade e reagem contra os erros considerados factuais. Americano não entende nem poderia entender nada sobre o Brasil. Mas, no fundo, sabemos que a essência do humor e da crítica está correta. Em outros tempos, o bobo da corte era o único que tinha coragem de dizer a verdade sobre o reino. O bobo da corte hoje em dia trabalha na televisão ou no jornalismo.

Tudo parece brincadeira. Se ainda não bastasse o ridículo, ao perceber a possibilidade de não ganhar ação contra os produtores do desenho na Justiça americana, o presidente da Riotur, José Eduardo Guinle, rapidamente se adiantou, numa surpreendente contraproposta, ao sugerir que os produtores dos Simpsons deveriam fazer uma "contribuição financeira para a prefeitura do Rio", como forma de compensação pelos prejuízos à nossa imagem no exterior (Folha, 13/4, pág. A11). E tem gente que acha que os Simpsons é que são engraçados

(*) Jornalista, coordenador do Laboratório de Televisão, professor de Telejornalismo da Uerj e doutorando em Ciência da Informação pelo convênio IBICT/UFRJ.

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