Saturday, 20 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Os camelôs da informação no RJ

MÍDIA FORA-DA-LEI

André Pereira da Silva (*)

Devido às grandes dificuldades de se criar e de se manter empresas jornalísticas independentes, a Constituição oferece amparo legal e proteção fiscal a essas empresas, assim como prerrogativas para os profissionais da informação. Jornalistas com registro profissional podem ter tratamento especial em caso de prisão e limite de indenização nos casos de calúnias ou danos morais, no exercício da profissão. Para fomentar o mercado publicitário, também há legislação garantindo abatimento no Imposto de Renda para as empresas que investem em publicidade, principal sustento dos meios de comunicação.

Na época em que essas leis foram criadas, acreditou-se que essas medidas serviriam para estimular a iniciativa privada a atuar, de modo independente, no setor da comunicação social e para regular esse tão importante ramo de atividade democrática, pela competição de mercado.

Não é bem assim que esse mercado está funcionando hoje. Numerosos meios de comunicação estão nas mãos do poder político-econômico corporativista. Portanto, montar e manter empresas jornalísticas independentes hoje em dia está difícil. As empresas e seus profissionais podem até superar com dignidade as tradicionais perseguições e ameaças, mas a maioria sucumbe à concorrência desleal da imprensa clandestina que, aos poucos, vai se tornando a "imprensa oficial". Entrevistas exclusivas (só para os jornais "amigos") de autoridades, credenciamentos exclusivos (idem) em eventos, corporativismo dos maiores anunciantes e dos poderes Executivo e Legislativo municipais. Anúncios oficiais e de empresas estatais muitas vezes são distribuídos, sem licitação, como prêmio de bom comportamento aos jornais "amigos". Nesse ambiente, não há compromisso com a verdade dos fatos.

Desse modo, o que se estimula é a criação da imprensa bajuladora, pronta para omitir fatos e lavar dinheiro público, com anúncios superfaturados. Ricos, esses jornais podem fazer anúncios de graça e contratar, a baixo custo, profissionais interessados apenas em puxar o saco dos governos para conseguir algum cargo de confiança. A farra é tão boa que desse modo surgem numerosos jornais "amigos" que, justamente por serem amigos, não precisariam nem ser registrados conforme a lei de imprensa e a lei de registros públicos. Assim nasce a imprensa clandestina, que se torna "oficial" ao mamar nas tetas dos governos. Aliás, para os que não sabem, isso é crime previsto na Lei 5.250/67 (Art.18. "Obter ou procurar obter, para si ou para outrem, favor, dinheiro ou outra vantagem, para não fazer ou impedir que se faça publicação, transmissão ou distribuição de notícias. Pena: Reclusão de 1 (um) a 4 (quatro) anos e, multa de 2 (dois) a 30 (trinta) salários mínimos da região…").

Por essas e por outras coisas, foi aberto no Ministério Público de Cabo Frio (RJ), em novembro de 1999, o procedimento administrativo número 233/99, hoje transformado no n? 001/2001. O MP promete apurar "possíveis irregularidades nas empresas jornalísticas e nos jornais em circulação na região".

A lei ignorada

Decorridos quase três anos, sinto que o Ministério Público precisa de ajuda. Imagine o tamanho do escândalo se for confirmado que os governos municipais da região há anos publicam anúncios oficiais em jornais clandestinos (com ou sem licitação), assim como as câmaras teriam publicado (clandestinamente?) a legislação municipal… Mas, se as leis só entram em vigor após a publicação, então essas leis municipais poderiam ser questionadas por não terem entrado legalmente em vigor, devido ao fato de não terem sido publicadas oficialmente, mas clandestinamente. Possivelmente, a Lei de Responsabilidade Fiscal provocaria o ressarcimento dessas verbas públicas, feitas de modo ilícito.

Mas, quem poderia ajudar o MP a formar os processos e a dar entrada no Poder Judiciário? Resposta: a verdadeira imprensa, interessada no esclarecimento dos fatos, em cumprir e fazer cumprir a lei, preservando o próprio mercado da manifestação do pensamento, da informação e da publicidade, é claro. Em última instância, a verdadeira imprensa ainda poderia cobrar pela omissão do Estado indenizações por danos ao seu mercado, que deveria estar normalizado pelo cumprimento das leis.

Estes fatos se enquadram na Lei 6.015/73 (Art. 125. "A falta de matrícula das declarações exigidas… ou, averbação da alteração será punida com multa…") e da Lei 5.250/67 (Art. 7?, par. 1?. "Todo jornal é obrigado a estampar no seu cabeçalho o nome do diretor… indicar a sede da administração… sob pena de multa diária…". Par. 2?. "Ficará sujeito à apreensão pela autoridade policial todo impresso que, por qualquer meio, circular ou for exibido em público sem estampar no cabeçalho o nome do autor e editor, bem como a indicação da oficina onde foi impresso…").

Abaixo, outros trechos das leis 5.250/67 e 6.015/73, pertinentes e em vigor:


** Lei n? 5.250/67 – Regula a liberdade de manifestação do pensamento e da informação …Art.2?. "É livre a publicação, no território nacional, de livros jornais e de outros periódicos, salvo se clandestinos."

** Lei n? 6.015/73 – Dispõe sobre os registros públicos e dá outras providências. …Da Responsabilidade Art. 28. "Além dos casos expressamente consignados, os oficiais são civilmente responsáveis por todos os prejuízos que, pessoalmente, ou pelos prepostos ou substitutos que indicarem, causarem por culpa ou dolo, aos interessados no registro. Parágrafo único. A responsabilidade civil independe da criminal pelos delitos que cometerem."

** Art. 115. "No registro civil de pessoas jurídicas serão inscritos: I – os contratos, os atos constitutivos, o estatuto ou compromissos das sociedades civis, religiosas, pias, morais, científicas ou literárias, bem como o das fundações e das associações de utilidade pública… …Parágrafo único. No mesmo cartório será feito o registro dos jornais, periódicos, oficinas impressoras, empresas de radiodifusão e agências de notícias a que se refere o art. 8? da Lei 5.250, de 9/2/1967."

** Art. 116. "Não poderão ser registrados os atos constitutivos de pessoas jurídicas, quando o seu objeto ou circunstâncias relevantes indiquem destino ou atividades ilícitos, ou contrários, nocivos ou perigosos ao bem público à segurança do Estado e da coletividade, à ordem pública ou social, à moral e aos bons costumes. Parágrafo único. Ocorrendo qualquer dos motivos previstos neste artigo, o oficial do registro, de ofício ou por provocação de qualquer autoridade, sobrestará no processo de registro e suscitará dúvida para o juiz, que a decidirá."

Do Registro de Jornais, Oficinas Impressoras, Empresas de Radiodifusão e Agências de Notícias.

** …Art. 124. "O pedido de matrícula conterá as informações e será instruído com os documentos…"

** Art. 125. "A falta de matrícula das declarações, exigidas no artigo anterior, ou averbação da alteração, será punida com multa que terá o valor de meio a dois salários mínimos da região. ? 1? A sentença que impuser a multa fixará prazo, não inferior a vinte dias, para matrícula ou alteração das declarações. ? 2? A multa será aplicada pela autoridade judiciária em representação feita pelo oficial, e cobrada por processo executivo, mediante ação do órgão competente. ? 3? Se a matrícula ou alteração não for efetivada no prazo referido no ? 1? deste artigo, agravando-a de 50% (cinqüenta por cento) toda vez que seja ultrapassado de dez dias o prazo assinalado na sentença."

** Art. 126. "Considera-se clandestino o jornal, ou outra publicação periódica, não matriculada nos termos do art. 123 ou, em cuja matrícula não conste os nomes e as qualificações do diretor ou redator e do proprietário… EMÍLIO G. MÉDICI – Alfredo Buzaid*. Publicado no Diário Oficial da União em 31/12/1973."

Fonte: Servidor Online


Devido a esta situação, a empresa jornalística O Habitante, infelizmente, está com suas atividades suspensas. Aguarda a conclusão desse procedimento. Que o Estado faça cumprir as leis para a normalização desse mercado.

(*) Proprietário e diretor responsável do jornal O Habitante, muitas vezes atuando como fotógrafo,
repórter, editor, programador visual, contato publicitário, marqueteiro e pesquisador de leis; com registro profissional no MTb, registro do jornal em cartório e registro da marca no INPI, conforme manda a lei