Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Os candidatos e o trem da vida

ECOS DA CAMPANHA

Isabel Rebelo Roque (*)

Pouca gente assistiu às entrevistas concedidas na noite de domingo [20/10] pelos candidatos à Presidência José Serra e Luiz Inácio Lula da Silva no programa Canal Livre, da TV Bandeirantes. Afinal, a grande maioria que assiste à TV aberta no domingo não sai da dobradinha Globo-SBT.

A primeira parte do programa foi com Serra, e mostrou um candidato patético, mais preocupado em lembrar a todo momento, diante de cada pergunta que lhe era dirigida, o quanto lamentava que Lula não estivesse lá para um "saudável" confronto de idéias. A questão é: que idéias?

Serra mostrou um discurso vazio, inconsistente, no qual porcentagens e números eram usados em profusão na tentativa de aparentar uma precisão que simplesmente não existia. Talvez nunca, em outro momento desta campanha, tenha ficado tão evidente a inconsistência das "propostas" de Serra ? problema que o candidato não se cansa de apontar no caso de Lula.

Indagado sobre a política de segurança, especificamente no que se refere ao grave problema do tráfico de drogas e do contrabando de armas, ficou atido à questão secundária do aumento de pena para este ou aquele tipo de criminoso. Quando o jornalista Fernando Mitre o interpelou sobre o fato de que a problemática do narcotráfico é muito mais complexa e tem instâncias muito acima de um Fernandinho Beira-Mar ou de um Elias Maluco ? e quis saber de que forma Serra iria proceder num eventual governo ?, o candidato estrategicamente se fez de morto e continuou a repetir a mesma cantilena reducionista.

Já o candidato Lula, entrevistado em seguida, completamente à vontade, expôs tranqüilamente suas idéias e intenções. Foi direto e preciso, não tergiversou, e ficou evidente o efeito de sua personalidade sobre os comentaristas. Marcia Peltier, a âncora do programa, era toda sorrisos e assentimentos.

Em casa, reclamando

Lula não poupou críticas a Serra, e repetiu algumas vezes que o senador tem uma personalidade extremamente "desagregadora" ? o que não fica nada difícil de confirmar pela postura que tem mantido nesta corrida para o segundo turno. "Baixaria" é pouco para classificar o comportamento do tucano. (Cinicamente, após essa declaração de Lula, Serra acusou o candidato petista de fazer-lhe "ataques pessoais", estratégia de que ele, eticamente, nunca (!!!) lançou mão.)

Respondendo à mesma questão sobre o narcotráfico, Lula analisou que discutir extensão de pena é irrelevante. Importante e urgente é dar condições de emprego ao enorme contingente de jovens que vê na criminalidade a única saída. Ponderou também sobre o fato, óbvio, de que o narcotráfico tem ramificações poderosíssimas, dentro e fora do país.

Ficou evidente, mais uma vez, a disposição de Lula de governar pela razão, mas também, e sempre, pela emoção. Ao ser inquirido sobre a evidente dificuldade de conciliar tantos interesses diferentes, gerados pelo grande número de alianças e apoios obtidos pelo PT nestas eleições, recorreu mais uma vez à idéia simples (e para muitos simplista) de que ninguém é totalmente mau, e que existe muita gente boa e bem-intencionada neste país. E que seu papel vai ser o de fazer a ponte entre esses interlocutores.

Recorreu à imagem do Brasil como um trem que se encontra descarrilado e parado, e que precisa da ajuda de todos ? empresários, políticos, trabalhadores ? para voltar para os trilhos, e não que se perca tempo discutindo quem viaja de primeira, segunda ou terceira classe.

No espaço reservado às palavras finais, Lula aproveitou para lembrar que, no primeiro turno, participou de um grande número de debates, e que se não o faz agora é por absoluta falta de tempo, dadas as viagens que ainda necessita fazer. E arrematou: "Se o meu adversário não tem mais o que fazer e nem pra onde ir e prefere ficar em casa reclamando da falta de debates, o problema é dele."

(*) Editora de livros didáticos