Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Os fantasmas do telejornalismo investigativo

TV TOKYO

Antônio Brasil (*)

Apesar do tempo que passa e dos interesses "ocultos" em deixar o assunto de lado, o fantasma do jornalista Tim Lopes parece insistir em continuar entre nós. E isso é bom. Sua "presença" não se restringe às cerimônias de despedida, aos discursos inflamados, aos artigos na imprensa ou às simples conversas entre seus ex-colegas. Sua "presença" se faz sentir na necessidade de se debater nossa profissão. Recuso-me a acreditar que fantasma do Tim Lopes está somente cobrando uma "vingança" com a prisão imediata do Elias Maluco ou outro maluco qualquer, como o jornalismo da Globo nos faz entender todos os dias. Nenhuma palavra sobre as condições da sua morte. Nenhuma palavra sobre as responsabilidades profissionais que o levaram a voltar à cena do crime quatro vezes em busca de imagens ainda melhores. O jornalismo investigativo da Globo parece querer justiça e vingança somente para os bandidos.

Prefiro pensar que Tim Lopes ainda permanece entre nós para nos cobrar uma sociedade mais justa, resultado de um jornalismo mais sério e de uma profissão mais segura para todos. Continuo acreditando que nenhuma matéria ou prêmio vale a vida de qualquer jornalista. Tim Lopes provavelmente pagou com a vida para que possamos finalmente ter coragem de debater, de forma mais séria e sensata, os verdadeiros rumos do jornalismo vale-tudo. Na televisão, esse tipo de jornalismo investigativo agora se confunde com o interesse social e não com mais uma política de interesse do patrão. Denúncias anônimas, muita tecnologia, prêmios e pouquíssimos critérios éticos ou morais justificam uma guerra que não está voltada prioritariamente contra o tráfico de drogas ou a corrupção, mas que justificam uma "guerra", a qualquer custo, pela audiência.

Jornalista se transveste em policial, recebe denúncias de crime e não precisa mais repassar essas informações para as autoridades policiais como qualquer cidadão deveria fazer. Podemos sempre justificar que nós, jornalistas, estamos acima da lei e podemos sempre culpar a corrupção, a incompetência e a indiferença de um Estado falido. Produzir uma matéria "exclusiva", garantir alguns pontos no ibope com imagens sensacionais, igualzinho ao cinema, para um público cada vez mais ávido por reality shows de verdade, justificam tudo. No país do vale-tudo isso é compreensível.

Limites e obrigações

Mas qual seria desculpa de um jornalista japonês para não denunciar um crime ou mesmo estar disposto a negociar diretamente com assaltantes o dia e a hora de um assalto para produzir uma matéria exclusiva? Jornalismo denúncia, jornalismo investigativo. Tudo pelo público e para o público que, sem dúvida, vai comparecer com a sua audiência e justificar o sensacionalismo que domina o jornalismo de televisão ? no Brasil e mesmono Japão. Foi exatamente isso que aconteceu com a equipe da TV Tokyo. Segundo artigo publicado recentemente no jornal Público, de Lisboa [veja íntegra na rubrica Entre Aspas, nesta edição], os jornalistas japoneses pagaram cerca de 3 mil dólares pela exclusividade de registrar as imagens de um assalto que iria acontecer. As justificativas para esta prática jornalística são bem previsíveis. O público quer e precisa ver a "realidade".

Considerando que todos somos contra a censura, quais seriam então os verdadeiros "limites" aceitáveis na nossa profissão para se obter uma boa matéria para TV? As justificativas retóricas são sempre extremamente criativas. Estamos pagando e cobrindo essas imagens para denunciar e alertar o público sobre a violência e os males da sociedade. Se no caminho faturarmos mais audiência e algum prêmio para o jornalista e para a emissora, isso será apenas uma questão de mera coincidência ou brilhante consequência do nosso jornalismo investigativo… a qualquer custo.

Os fins são sempre explicáveis e justificáveis. Jornalista, aqui ou no Japão, explica qualquer coisa e o público continua prestigiando, logo…. Código de ética e princípios morais de uma profissão com valores importantes são esquecidos ou convenientemente deixados de lado. No amor pelo jornalismo (mesmo que seja "qualquer" jornalismo), pelo nosso direito sagrado a um "emprego " e numa "guerra" de audiência contra os inimigos da "realidade", vale sempre… tudo.

Essa prática de jornalismo "sensacionalista" com disfarce de "investigativo" da equipe de televisão japonesa também nos remete a um outro caso recente em Porto Alegre. Uma equipe da RBS foi acusada de ter retardado propositalmente a sua presença requisitada por sequestradores, para que as imagens pudessem ser transmitidas ao vivo na programação local. Já naquela época, essa prática jornalística foi investigada pelo Ministério Público, considerada, no mínimo, como imoral ou duvidosa, e o escândalo, como tantos anos no nosso jornalismo investigativo a qualquer custo, acabou não dando em nada. Transformou-se em mais um "fantasma" que parece só incomodar ou assombrar aqueles que acreditam que jornalismo, principalmente na televisão, deve, sim, ter limites e obrigações. Deve, sim, justificar-se perante toda a sociedade em suas práticas ou objetivos. Guerra de audiência, com ou sem câmeras ocultas, causa vítimas, mata jornalista e a ética profissional.

(*) Jornalista, coordenador do laboratório de televisão, professor de telejornalismo da UERJ e doutorando em Ciência da Informação pelo convênio IBICT/UFRJ.