Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Os furacões precisam de atenção


Israel de Castro (*)

 

E

ste artigo (meu primeiro grande artigo: cuidado!) surgiu da leitura das duas últimas edições OBSERVATÓRIO DA IMPRENSA, em que o jornalista Alberto Dines atacou os jovens jornalistas (profissionais e estagiários), acusando-os, entre outras coisas, de causadores da crise jornalística ou empresarial. O OBSERVATÓRIO recebeu várias cartas que ratificavam o pensamento de Dines e aumentavam a burrice dos jovens jornalistas, e uma contra Dines, a minha. Daí o relato a seguir.

O mundo está em transição – é a famosa ruptura dos pensadores pós-modernistas (Morin, Maffesoli, …) – e o jornalismo também. O mundo está trocando a mobília, todos os valores, costumes. E o jornalismo também. Então, dizem que a mudança dos jornais é culpa dos jovens-abobrinhas, um peso e em peso nas redações. Não é. O simples fato de o jornalismo estar em transformação já sugere que os jovens o estão fazendo, porque transformação é uma característica de adolescentes, de jovens. Quer dizer, a mudança é característica do jovem, mas não necessariamente culpa dele.

O mundo está em transição. Ninguém mais lê, todos vêem, é tudo superficial. Por que um jornal vai analisar como antigamente, vai escrever como antes, se ninguém lerá tanto? Nem o título, quanto mais o lide! Então os gráficos, a falta de explicação, o resumo, a rebeldia dos jornais atuais lembram juventude, mas não é necessariamente culpa dela. Eu não sei onde o jornalismo vai parar, mas a mudança é irreversível, tem essa característica jovem e sempre haverá comunistas (nada contra) que tentarão reconstruir o que está se desmontando e procurando outros caminhos. É aí que o Dines se inclui.

Então, os jovens têm culpa por estarem em constante mutação, invenção (que às vezes não dá certo, tudo bem)? Mas os jovens brasileiros ainda têm editores “daquela” época, estática. Por acaso eles guiam esses pobres rebanhos que invadem as redações anualmente? Será que Dines convida um jovem para passar uma tarde conversando, trocando experiências? O meu contato com esse grande jornalista ficou no adjetivo “desinformado”. Ele só conseguiu me dizer isso. Não fez nada para melhorar. E aposto que milhões de experientes jornalistas, depois deste artigo, chamar-me-ão de desinformado. E ficará nisso.

O jovem precisa ir para a redação, precisa mudar as regras, mas precisa, fundamentalmente, da ajuda dos velhos jornalistas. Estes parecem ter medo de ensinar, já que o mercado é pequeno e a maioria dos profissionais trabalha e morre na redação. Têm medo da concorrência. Não cedem seu espaço. E o jornalismo perdendo características, tomando outras formas, as quais eles não aceitam.

Bom. Acho que escrevi demais. Fui de encontro às novas regras. Mas espero que todos tenham me entendido, porque não caberia nem mais um gráfico da Folha Imagem para ajudar no argumento.

(*) Estudante de jornalismo, estagiário na Assessoria de Imprensa da Universidade Luterana do Brasil (Ulbra), em Canoas, RS, 20 anos

 


Cláudio Gunk (*)

 

H

á uma figura bastante tranqüila em meio à turbulência que os jornais têm atravessado: o estagiário. Enquanto profissionais experientes – e competentes – são convidados a se retirar devido às “forças de mercado”, o jovem estudante de jornalismo, sedento por uma oportunidade de mostrar seu valor, tem lugar garantido na maioria das redações. A razão não poderia ser mais simples: vai à rua, telefona, toma esporro como jornalista de verdade; recebe como repórter de brincadeirinha. É verdade que suas matérias raramente alcançam a qualidade do produto de uma “puta-velha” (ou nem tão velha assim), mas o comando das redações parece pouco se importar com tal detalhe. “O que realmente importa está nas mãos de quem sabe”, imaginam.

Acontece que, antes de qualquer coisa, o jornal que contrata estagiários nos termos estabelecidos em diversos casos – Jornal do Brasil, O Dia e Lance!, por exemplo – incorre em prática ilegal. Na verdade, unindo correntes distintas do Direito, ilegal e imoral. Primeiro, porque a CLT é bem clara ao determinar carga horária diária máxima de 6 horas, sem prejuízo aos estudos do estagiário. E uma olhadela nas redações dos jornais citados (e muitos outros) basta para testemunhar aberrações que ultrapassam o bom senso e a subjetividade da natureza do trabalho jornalístico. Segundo, porque estagiário de jornal não é estagiário; é repórter mal-pago.

Surge a inevitável pergunta: por que então o pobre estagiário se submete? Longe de ser coitado, o estagiário aceita as condições por ilusão, ambição e medo do mercado restrito que vê pela frente. O que não exime de culpa os jornais. A observação serve para lembrar uma obrigação presumida de jornais sérios: agir dentro da Lei. Um veículo que pretende fiscalizar o poder público e denunciar deslizes de variados setores da sociedade não pode se dar o luxo de viver na ilegalidade.

Outra obrigação do jornal é informar com qualidade. Não são suficientes meia dúzia de colunistas e outro tanto de repórteres “especiais”. O que preenche as páginas de um jornal deve ser preciso, inteligente, confiável e atualizado da manchete à última notinha da seção de ciência. E qual é a realidade dos jornais que nos entregam à porta ou empurram nas bancas? Um amontoado de barrigas, achismos, especulações e pautas marcadas por criatividade – no pior sentido – excessiva. É impossível não relacionar a situação com a tendência aos “baixos investimentos” em material humano praticados pelas diretorias dos jornais. A quantidade de pós-adolescentes desfilando nas redações é assustadora. E o equívoco é caracterizá-los como talentosos, quando em verdade são no máximo promissores.

Mas o leitor não é rato de laboratório para ajudar no desenvolvimento dos jornalistas do futuro. Para isso deveria servir o verdadeiro estágio, em que o jovem apura e redige paralelamente ou é encarregado de tarefas simples. Sem demora, em resposta, ouvir-se-ia o discurso do “é fazendo que se aprende”. Na boca de jornalistas das antigas, soa como saudosismo, lembrança de um tempo em que jornalista era também funcionário público, advogado, escritor. Na boca da direção dos jornais, soa como desculpa esfarrapada para continuar o uso e o abuso da mão-de-obra barata (e razoavelmente qualificada) que o estagiário representa. Essa estratégia acaba em bizarrices como estagiário emplacando matéria de capa – de caderno ou, pasmem, do jornal -, fechando página e outras sandices.

É óbvio que o jornalista-prodígio gosta, apesar do regime de exploração, por poder experimentar e aparecer. E devemos convir que uma boa matéria é boa independentemente de quem a produziu – e que um estagiário, eventualmente, é capaz de fazê-la. O que igualmente não justifica a irresponsabilidade de tomar a exceção como hábito.

Em última análise, a overdose de estagiários contribui para o achatamento salarial, devido à mentalidade do “por que pagar mil a um jornalista se posso pagar 250 a um estagiário?” (a bem da verdade, duas quantias vergonhosas) – fora a dispensa dos encargos sociais. E salários baixos representam, a médio e longo prazo, a fuga dos bons profissionais para outras áreas de atuação (assessorias, setor público) ou mesmo outras carreiras. É besteira deduzir que, pela abundância de desempregados, estudantes e recém-formados, profissional é o que não falta. Aliás, é verdade. Difícil é encontrar profissionais competentes que aceitem receber a miséria proposta. Resignam-se por um tempo, mas vocação não bota a mesa de ninguém.

Assim, volta-se ao estagiário. Sobra-lhe ímpeto, motivação e, por vezes, talento a amadurecer. Falta-lhe experiência, malandragem, vivência. Quanto aos jornais, a continuarem assim, logo vão lhes faltar os leitores (não confundir com compradores de jornal), sobrando uma redação jovial e desorientada. Como a moderninha imprensa brasileira.

(*) Jornalista, 21 anos

 


Nahum Sirotsky (*)

 

J

erusalém – Na função que desempenhamos, numa das mais complicadas e complexas regiões do mundo, o Oriente Médio, ou conversamos com o maior número de pessoas, e lemos o que se publica nos diversos países, diariamente, ou nada teríamos a dizer. A interdependência política aqui significa que nada acontece sem imediata repercussão por todos os países da área e naqueles com “interesses nacionais estratégicos”, como os Estados Unidos, a Rússia, a Europa, a Ásia, a América Latina, o mundo. A Net nos permite tais contatos sem maiores problemas. Temos “netamigos” e “netfontes” em todos eles, com os quais trocamos figurinhas sempre que necessário, não raro, com a maior franqueza. E a língua, óbvio, é a internacional dos dias correntes, o inglês (também leio os jornais brasileiros antes da grande maioria, pois levo vantagem no horário: 8 da manhã aqui são 4 da madrugada no Brasil).

A cada dia verifico que a primeira grande vítima do fenômeno da comunicação imediata somos nós, os profissionais com a responsabilidade de informar, principalmente os que vivem em redações com a missão de selecionar e sintetizar o que chega a cada segundo do dia dos quatro cantos do mundo. É uma questão que deveria estar sendo estudada para se chegar a algum tipo de solução razoável. Os veículos pioram na qualidade do que informam porque, como os seus clientes, estão sendo afogados em informações. Informação em excesso – se é que a expressão é correta – equivale a informação nenhuma. Saber “fatos” apenas só serve para os programas de Perguntas e Respostas da mídia eletrônica, ou, talvez, para preencher os quebra-cabeças que se publicam para divertimento do leitor. Fora de seus contextos não se chega a significados, que é do que se carece para se tentar entender.

Assim, por exemplo, havia sinais de crise na Ásia há anos. Em vários países o compadrismo e o clientelismo, característicos de suas respectivas vidas políticas, havia permitido o aparecimento de empresas subcapitalizadas, com excesso de pessoal. Bancos supercomprometidos em suas carteiras de empréstimos e financiamento correndo o risco de queda por fracasso dessas aventuras caso não tivessem a certeza de que o governo sempre lá estaria par salvá-los. Informações com números eram conhecidas. Cantava-se aos quatro cantos que esses países eram “tigres” por suas técnicas e táticas de gerência. Eles tinham o segredo do moto-contínuo do desenvolvimento.

Quantos livros foram escritos sobre o sucesso da economia japonesa? E quantos milhões ganharam conferencistas e consultores que “vendiam” tais conhecimentos pelo mundo? Foi muito. No entanto, tratava-se de técnicas que combinavam fundamentos de barro com sólidos edifícios, criados sem levar em consideração que poderiam ser derrubados por quaisquer ventos financeiros negativos mais fortes. Via-se o visível, desconheciam-se os fundamentos. A simbiose entre governos e empresa era conhecida. Mas se desconhecia que incluía relações de tipo incestuoso das quais, de forma geral, nascem descendentes com graves deficiências. Sabia-se tudo e não se sabia nada.

O mesmo diz respeito à globalização. Em que realmente consiste? De que regras naturais depende? Como realmente afeta a vida dos países? Nunca se chegou a estudar em responsável profundidade nem na academia nem nos meios financeiros. Nós, jornalistas, absorvemos a expressão, que também nunca explicamos nem a nós mesmos. Limitamo-nos, de forma geral. como sempre na tradição do passado, a repetir o que diziam os que são universalmente aceitos como fontes responsáveis que, como nunca deixou de ser, só falavam para defender interesses próprios. A globalização vinha com a vitória do capitalismo sobre o comunismo. Grandes lucros estavam sendo realizados. Era o melhor dos mundos, visível, com o invisível ou ignorado, por não ser notícia suficientemente atraente, era o de que crescia o número de miseráveis no planeta.

Por exemplo: 50 dos multibilionários da lista dos 400 da Forbes têm mais capital e receita do que a soma dos PIBs, dos produtos de 78 países do mundo, os mais pobres! O Brasil precisou de 30 bilhões de dólares para tentar sair do buraco e salvar o real, o que são cerca de 60% apenas da fortuna de Bill Gates, da Microsoft. E não existe programa sério algum para corrigir essa crescente desigualdade entre países e, dentro deles, entre indivíduos.

Aceitamos, como verdade absoluta e indiscutível, que o mercado restabeleceria o equilíbrio pela lei natural, o que, no curto prazo de uma vida, é uma mentira absoluta. Tudo isto porque vivemos um dia-a-dia em que somos afogados em informações e afirmações que não temos o tempo de assimilar e traduzir em termos do que significam nos seus contextos – e jamais teremos, pois a massa é crescente. Ninguém conseguiu decorar a Britânica e muito menos, compreender todos os seus verbetes. O que se recebe por dia em informação é mais do que uma Britânica.

Além do mais, os sistemas de formação do indivíduo, a educação, não desenvolveram o suficiente a técnica de adequá-lo mentalmente, de treiná-lo para poder acompanhar as transformações na velocidade em que ocorrem. O ensino das humanidades se enfraqueceu face ao tecnológico e científico. O jornalista não escapa da regra. Acompanhar o que se informa hoje para comparar com o que acontece amanhã chega a ser comicamente trágico. Raramente o que julgamos que entendemos, e transmitimos, é o significado pois que, para começar, são tão velozes as mudanças que o essencial, hoje, é não permitir que este fato fundamental seja esquecido.

Não tenho soluções a oferecer, apenas preocupações. Mas é evidente que, hoje, o que acontece não mais pode ser sintetizado em texto e comunicado sem um esforço maior de compreender o acontecimento no contexto do agora. E que a mídia tem de ter a determinação de atrair talentos com forte base cultural, capazes de ter as dúvidas essenciais ao melhor desempenho da função. Essa base talvez comece a se adquirir na universidade. Dificilmente, nas chamadas escolas de Jornalismo, que ensinam a técnica sem disporem do tempo e dos meios para ensinar a compreender.

É curioso enfatizar que a velha definição de notícia continua absolutamente válida: “noticia é quando o homem morde o cachorro”, a vida fora da normalidade. A vida do novo, sempre absorvendo ou ultrapassando o conhecido, e, para isto, é preciso saber o que existe, conhecer o velho, o corrente.

Tenho insistido na premissa de que o maior desafio da mídia não está em que existam tantas e em concorrência feroz. Está em descobrir como continuar cumprindo sua missão de bem informar para ser uma bússola na vida do indivíduo. A resposta compatível com o desafio ainda não foi testada em lugar algum do mundo. Não se pode dizer que exista um veículo satisfatório. Conhecemos incontáveis, em inúmeras línguas. O nosso grande desafio, portanto, está dentro de nossas casas: como fazer para não sermos afogados pela massa de informações produzida nas 24 hora do dia? Como torná-las compreensíveis? Como ajudar leitores, ouvintes e espectadores a sobreviverem melhor nesse mundo em constante e assustadoras transformações? E os centros formadores do indivíduo, sistemas de ensino, têm a responsabilidade de assumi-lo conosco. É onde tudo tem de começar.

(*) Correspondente da RBS no Oriente Médio