Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Os jornais e o futuro

Esta a íntegra da palestra de Jack Driscoll para editores brasileiros, proferida em 16 de agosto de 1999,
no Rio de Janeiro, como parte da programação do Congresso da Associação Nacional de Jornais (ANJ).
Driscoll é jornalista e atualmente trabalha no MediaLab do Massachusetts Institute of Technology (MIT).

 

Ano passado eu estava dando um seminário no MIT, e me referi a um livro de uma autora chamada Marilyn Ferguson… mas não conseguia lembrar o título.

Do outro lado da mesa estava um estudante que vinha usando uma tela na aba de seu boné por diversas semanas durante a aula. Parecia umas dessas lâmpadas halógenas compridas.

Você vê uma porção de coisas esquisitas no MIT, então não pensei muito no assunto. Alguns momentos depois, o estudante me interrompeu para dizer: “O nome do livro é A Conspiração Aquariana” … foi publicado em 1987 e a editora é a Putnam”.

Como ele sabia?

Bem, no seu bolso estava um teclado do tamanho de um pente comprido no qual ele podia digitar 40 palavras por minuto com uma mão. Ele estava conectado sem fio à Internet e fez uma pesquisa simples. A resposta veio na tela, a duas polegadas do seu olho direito.

A mensagem de Conspiração Aquariana tem tudo a ver com o tipo de mudanças que todos vocês estão enfrentando atualmente. O livro fala de uma mudança de paradigma, na qual pequenos grupos – obscurecidos pelos abusos da autoridade centralizada – se organizariam em torno de determinados assuntos e se tornariam poderosos por si próprios. E o livro diz ainda que tais pequenos grupos começariam a se ligar em torno de pontos de interesse como assuntos ambientais ou espirituais.

À medida que essas ligações se tornassem mais maduras, de acordo com o autor, a importância e poder dos governos seriam diminuídas.

Como isso se aplica a editores de jornais?

Por muitos anos nós, no negócio de jornais, direcionamos nosso noticiário e publicidade para uma audiência de massa. O médico e o vendedor, que moram um ao lado do outro, recebem o mesmo conteúdo em seus jornais.

Agora vem a Internet, um meio que pode fatiar e picar conteúdo de um jeito muito bem direcionado.

Obviamente vocês podem comandar um jornal e um site na web ao mesmo tempo – como a maior parte de vocês faz – mas isso por si provavelmente não é a resposta.

E assim eu creio que temos que desenvolver uma nova mentalidade, usando a Conspiração Aquariana como guia. Não podemos mais pensar em nossa audiência como massa. E não podemos mais alimentá-los a colheradas.

Os jornais precisam pensar em sua audiência como uma coleção de comunidades … e descobrir não apenas como lhes dar o que precisam mas também como incluí-las no processo. Precisamos abrir um diálogo com elas. E precisamos lhes dar poder.

Vamos começar pelo nível básico e definir o que eu quero dizer por comunidade. No passado, pensávamos em comunidades como cidades, bairros ou vilas. Agora temos que expandir essa definição para incluir outros agrupamentos … agrupamentos tão grandes como a comunidade dos advogados no Brasil … ou tão pequenos como um clube de costura.

Comunidades são como indivíduos. Cada um é diferente. Cada um tem uma personalidade diferente. Cada um tem necessidades diferentes. Cada um tem motivações diferentes. Em cada um, pode-se dizer, está um desejo básico de compartilhar.

Isto pode ser traduzido em um compartilhamento de informação. Pode ser traduzido em compartilhamento de idéias políticas e sociais. Ou pode ser traduzido em compartilhamento de produtos e serviços.

O processo já está começando, e os jornais precisam se tornar uma parte essencial dele. É realmente uma mudança de paradigma.

O consumidor está também se tornando um criador. Em um futuro próximo veremos o aparecimento de manifestações de níveis básicos que vão melhorar os processos democráticos e desafiar os que não são democráticos.

Os cidadãos comuns hoje têm ferramentas que nunca estiveram a seu alcance. De fato, ele têm suas próprias gráficas … na forma de computadores ligados à Internet.

Eles têm os meios para contar suas histórias para um grande número de pessoas, próximas ou distantes … e essa habilidade muda o relacionamento tradicional entre os consumidores e vocês, os fornecedores de informação.

Seu papel deixou de ser simplesmente consumir. Suas expectativas mudaram. Agora eles tomam parte no diálogo; eles estão participando de um tipo de discurso que anteriormente estava acontecendo para além deles. É um novo modelo.

Este novo modelo é especialmente evidente em relação à mídia noticiosa. Em suas origens, a imprensa começou como um braço do estado ou de grupos políticos mas evoluiu para um veículo para manter o público informado.

Repórteres se tornaram intermediários para a pessoa comum que estava por demais ocupada em assuntos particulares e profissionais para ir a determinados eventos públicos ou reunir notícias.

A mídia se tornou os olhos e ouvidos para os que inicialmente eram leitores, então ouvintes, então telespectadores. Ainda por cima, quem poderia se dar ao luxo de ter uma gráfica, ou uma transmissora?

Alguns ativistas de base de fato tentaram fazer informativos impressos… mas o custo de publicação e a dificuldade de entregá-los para uma audiência ampla limitou sua influência.

Agora nós todos temos o mundo em nossas mãos. E sabemos que metade das pessoas conectadas à Internet na América Latina vive no Brasil.

Qualquer um pode tomar parte da discussão pública de uma maneira ou outra… Não apenas falando no telefone com outros ou entrando em um chat online interminável … mas contando suas próprias histórias ou reunindo-se a outros para explicar, aprofundar-se e debater o que está acontecendo em suas próprias vizinhanças … ou em suas próprias comunidades de interesse.

Jornalistas treinados, conscientes, tiveram um papel de destaque nas sociedades do mundo e continuarão a ser fontes importantes, respeitadas, à medida que o volume e velocidade da informação aumentam.

Ainda assim, como nós jornalistas bem sabemos, às vezes se encontra sabedoria onde menos se espera. E estou convencido de que todos têm o dom da expressão em uma forma ou outra.

E assim, uma nova safra de contadores de histórias vai surgir em todo canto do mundo.

Para os jornais, existe a possibilidade de tornarem-se parceiros destas comunidades inexploradas de uma série de formas que vão evoluir com o tempo. Alguns jornais representados aqui já começaram a fazer algum trabalho com pequenas comunidades, e eu os felicito por isso.

Diversos níveis de pesquisa para comunidade estão acontecendo no Media Lab do MIT. Deixem-me mencionar algumas com as quais estou envolvido.

Um grupo de adolescentes em Boston, uma comunidade de estudantes no MIT, grupos de em diversas localidades nos EUA e na Finlândia, uma comunidade rural na Tailândia e um grupo internacional de crianças que estão em atividade no mundo todo … inclusive aqui no Brasil.

Uma mistura bastante boa, acho que vocês terão de concordar.

Quando eu estava no Boston Globe, trabalhei muito próximo de dois projetos do MIT. Um estudante chamado Alan Shaw e sua esposa Michelle viviam em um bairro pobre e estavam determinados a melhorar a comunicação entre os jovens e os idosos. Eles começaram organizando os adolescentes que desenvolveram uma rede de informação do bairro.

Ela continha matérias sobre o que estava acontecendo em seu bairro… eventos, receitas favoritas e informações em geral como que telefones chamar em uma emergência. Pessoas com computadores em suas casas os compartilhavam com seus vizinhos.

Meu papel a partir do escritório no jornal era fornecer para a rede 8 a 10 matérias diárias que eu enviava eletronicamente do Globe. Algumas tinham a ver com a prefeitura ou atividade policial, mas eu também lhes mandava matérias sobre culinária, cuidados com crianças, maneiras de economizar dinheiro… em outras palavras, matérias particularmente relevantes.

Eles controlavam sua própria rede. E ela teve um grande impacto na vizinhança em um tempo bastante curto. O interessante é que a IBM acaba de iniciar um programa piloto na cidade de Oakland na Califórnia para fazer a mesma coisa em um projeto de moradia lá.

Quando ouvi a respeito, imaginei por que o jornal não estava envolvido. Enquanto isso, no MIT, um grupo de estreantes trabalhando com um assistente de pesquisas e com Walter Bender, desenvolveram um jornal eletrônico que qualquer um no campus poderia acessar. Era chamado Fishwrap, embrulho de peixe.

Deixem-me mencionar dois aspectos que eram especialmente importantes. Em primeiro lugar, ele era personalizado. Você não apenas podia conseguir notícias apresentadas de acordo com assuntos de interesse pessoal, mas o sistema também sabe de onde você é. Estudantes no MIT são do mundo inteiro, então se um estudante vem do Rio, as primeiras notícias que ele vê seriam dessa cidade … e a próxima categoria seria Brasil.

Também tinha um recurso de desenho animado interessante chamado “O Cara do Tempo”. O desenho era gerado automaticamente e diria algo como: “Se você estivesse no Rio, a temperatura seria de 85 graus hoje. Mas você está no MIT, onde será de 10 graus”. Fahrenheit, claro.

O Fishwrap agora é usado no site do San Francisco Chronicle, chamado SFGate. Se você for ao site e digitar “Fishwrap” no canto superior esquerdo onde se lê “Search”, você pode ter seu próprio Fishwrap pessoal.

A primeira coisa que você vê é uma seleção de matérias chamada Página Um. De onde vêm essas seleções? Vêm dos leitores. Se você está lendo uma matéria e pensa que seria de interesse especial para a comunidade como um todo – você clica em uma caixinha no topo da matéria e a manda para a Página Um. A comunidade é o Editor.

Deixem-me passar para outro projeto.

Três anos atrás fomos a um centro de apoio para cidadãos idosos em uma pequena cidade a 10 milhas do MIT. Pedimos voluntários que pudessem estar interessados em escrever sobre sua comunidade.

Começamos com uma dúzia de voluntários. Apenas um par deles já havia escrito antes. Apenas dois tinham computadores, nenhum conectado à Internet. Nós lhes dissemos que não faria diferença se eles escrevessem à mão, em máquinas de escrever ou computadores. Alistaríamos outros voluntários para entrar suas matérias no sistema de computador.

Fornecemos um par de computadores usados para o centro de idosos e os conectamos ao servidor no MIT onde abrigamos um programa especialmente criado para redação e edição por grupos comunitários. Ele é conhecido como programa SilverStringers, porque esse é o nome desse grupo. Sua publicação – agora um produto bastante maduro – tem cerca de 25 participantes muito ativos fazendo reportagem, redação, fotografia, poesia, cartuns … e até compondo música.

Aprendemos um bocado com essa comunidade.

O grupo todo se encontra toda semana por três horas. As trocas face a face são muito importantes para a operação do site e para a qualidade do conteúdo. Eles aprendem um com o outro. Eles alimentam um ao outro. Eles brigam e se organizam. Mas disso sai um monte de criatividade.

Também aprendemos que alguns aprendem computação mais rápido que outros. Os que aprendem rápido ensinam os outros. E alguns simplesmente não querem aprender como usar as máquinas, mas querem fazer parte do grupo.

Agora estamos ajudando três outros grupos de idosos perto do MIT – e há um que é muito ativo na Finlândia. O programa é tão fácil de usar que um grupo de estudantes do Media Lab levou-o para a Tailândia há um ano e meio. Sua missão era apresentar o programa nas instalações de uma escola secundária em diversas vilas rurais. Funcionou… às vezes com resultados maravilhosos tanto em redação quanto em fotografia.

Funcionários do governo e outros que cooperaram como Media Lab estavam concentrados em melhorar o nível de educação através da introdução de computadores. E, ainda que seja cedo, alguns avanços certamente estão sendo feitos nessa direção. Mas agora a comunidade decidiu voltar o software para os negócios.

Eles perceberam que podem vender produtos usando o sistema. Então a comunidade está escolhendo uma nova rota. É o que eles sabem. É o que precisam.

Finalmente, deixem-me contar sobre um projeto chamado Junior Journal. É uma publicação internacional que sai todo primeiro dia de cada mês. É escrito, editado e totalmente produzido por crianças com idades entre 10 e 16 anos que se comunicam por e-mail e usam o programa SilverStringers.

Vocês podem ter ouvido que realizamos um evento no MIT em novembro passado chamado Junior Summit. Cerca de 100 crianças compareceram escolhidas por três mil outras crianças do mundo todo com quem tiveram discussões por e-mail por vários meses sobre tópicos como pobreza, trabalho infantil, diferenças culturais, guerra, literatura etc.

No primeiro dia em que estavam no MIT … o primeiro dia que colocaram seus olhos neste programa … eles fizeram uma publicação na world wide web. Cerca de uma dúzia de editores adolescentes mantêm o site. Todo mês eles fazem circular a posição de editor da edição, a pessoa que garante que tudo encaixa.

Os editores são da Grécia, Paquistão, Quênia, Argentina, África do Sul, Emirados Árabes, Califórnia, Marrocos, Austrália … bem, vocês já pegaram a idéia.

Os jovens escritores, fotógrafos e artistas são escolhidos dos três mil participantes do Junior Summit do mundo todo. Eles criaram sua própria página inicial, decidiram que seções teriam, decidem que matérias farão … eles fazem tudo. Eu assisto … de boca aberta.

Acabamos de fazer um estudo que mostra alguns resultados que entusiasmam bastante. No primeiro meio ano de operação, 50 jornalistas júniores de 32 países contribuíram com matérias para esta publicação. Por acaso na edição deste mês há uma matéria sobre São Paulo de um garoto do Brasil que visitou a cidade com sua classe da escola e escreveu o que ele chamou de “Lado brilhante e lado escuro da cidade”. É uma matéria muito legal.

Algo muito dramático está acontecendo lá fora no novo mundo da nova mídia. O que descrevi nestes exemplos é apenas a ponta do iceberg … ou talvez eu devesse dizer a ponta do paradigma.

Ninguém pode dizer com certeza como essa atividade ao nível da comunidade vai evoluir para os jornais. Mas é minha opinião … que a tradição dos jornais e as forças que vocês tem no desenvolvimento de notícias e publicidade .. dá aos editores uma vantagem decisiva ao nível da comunidade.

Por que vocês deveriam prestar atenção? O negócio dos jornais está claramente no limiar de uma mudança, especialmente quando os anúncios classificados começam a mudar para a Internet. Isso já está acontecendo.

Andy Grove, da Intel, diz que os jornais têm três anos para se adaptarem ou morrerem. Enquanto isso, o papel e a tinta eletrônicos … que estão sendo desenvolvidos no Media Lab … vão se tornar uma realidade.

O processo já está funcionando em cartazes nos EUA que podem ser mudados num piscar de olhos. O exemplo favorito de como esses cartazes vão funcionar é que o McDonald’s vai anunciar seu sanduíche de desjejum de manhã, então um pouco antes do meio-dia o anúncio muda e começa a promoção de hambúrgueres, à tarde anuncia doces ou o que quer que seja.

Penso que o terceiro fator que deve fazer vocês pensarem é o número de bebês que nasceram nos últimos 20 anos… e como seu modo de pensar vai ser diferente do que tínhamos quando estávamos crescendo. Gente jovem vê o mundo de uma maneira bastante diferente … caso você não tenha percebido.

Editores de jornais continuam a ter uma enorme influência sobre as vidas das pessoas em suas regiões. Deixem-me citar Louis Lyon, o falecido curador da Neiman Foundation na Universidade de Harvard, que dizia: “Somos dependentes do caráter e qualidade das pessoas que publicam nossos jornais”.

Portanto a minha conclusão é de que os editores precisam cultivar as comunidades. Vocês precisam criar um diálogo. Vocês precisam trazê-los para participar. Vocês precisam lhes dar poder.

Em resumo… vocês precisam entrar numa conspiração aquariana com eles!