Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Os jornalistas e seu espaço na história

ENTREVISTA / ALZIRA ALVES DE ABREU

Victor Gentilli


"O jornalista hoje é profissional e pragmático, em oposição ao passado, quando tinha envolvimento político e ideológico."


Em 19 de setembro, às 18 horas, na sede da Fundação Getúlio Vargas, no Rio, será lançado o Dicionário Histórico Biográfico Brasileiro, produzido pelo Centro de Pesquisa e Documentação (CPDOC) da FGV. Na terça-feira, dia 11, o presidente Fernando Henrique terá recebido a obra, em cinco volumes, que estará disponível para venda ao público no dia seguinte ao lançamento.

A primeira edição foi lançada em 1983, e abrangia o período compreendido entre 1930 e 1975; esta segunda edição incorpora verbetes de fatos ocorridos até 1995, com atualização até 2000. O trabalho foi realizado por uma equipe de pesquisadores coordenados por Alzira Alves de Abreu. Nesta entrevista ao Observatório da Imprensa, Alzira fala da pesquisa e enfatiza o papel desempenhado pela imprensa na história contemporânea do Brasil.

O CPDOC-FGV lança nova edição do Dicionário Histórico Biográfico Brasileiro. Nele, é visível o destaque que a imprensa recebe, bem maior do que em outras obras de historiografia recente do Brasil. Como exemplo, citaria os verbetes disponíveis na página da internet sobre o Diário Carioca e o Correio da Manhã, e uma biografia de Mino Carta. Como você vê o papel da imprensa na história brasileira, no período 1930-1995?

Alzira Alves de Abreu ? Na primeira edição do Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro, de 1983, os jornais já tinham merecido análise. Existem excelentes verbetes sobre a imprensa escrita de 1930 até 1975. Nessa nova edição, que acabamos de preparar, atualizada e ampliada, foram incluídas revistas como Tico-Tico, O Cruzeiro, Manchete, Fatos e Fotos, Veja, IstoÉ e outras que não foram incluídas na primeira edição. Além disso, foram elaborados textos sobre a história das principais emissoras de rádio e todas as emissoras de televisão. Da primeira edição já constavam algumas biografias de jornalistas; agora ampliamos bastante o número de jornalistas biografados. O critério foi o de incluir jornalistas que tiveram em algum momento papel relevante na história do jornalismo brasileiro. É evidente que esse critério pode levantar críticas e ser considerado subjetivo. Nós olhamos para o universo dos jornalistas tentando selecionar, principalmente, os que participaram de mudanças na imprensa ou que se destacaram em algum momento político.

A imprensa desempenhou papel relevante em determinados acontecimentos históricos brasileiros. A pesquisa sobre imprensa é realizada por você, que também coordena o projeto. Qual a orientação geral nesta abordagem? O que já tem produzido e o que há por ainda pesquisar?

A. A. A. ? O objetivo do projeto é explicar o papel da mídia na transição do regime autoritário para o regime democrático. Entender o processo de transformações tanto das empresas como dos jornalistas e do jornalismo nessa fase de transição, ou seja, entre os anos 1970 e 1990 e suas conseqüências até os dias de hoje. Nós temos apresentado os resultados preliminares da pesquisa em congressos e seminários acadêmicos e publicado artigos em revistas. Devemos lançar um livro sobre o tema da pesquisa até o final deste ano.

Pelo que se observa, o jornalista é tratado como personagem pública ? ou ator político ? na história recente brasileira. Você indicaria fases, tendências e modificações do papel dos jornais e dos jornalistas no decorrer do período trabalhado?

A. A. A. ? É muito difícil falar rapidamente das transformações ocorridas na imprensa brasileira nas últimas décadas e na mudança do perfil dos jornalistas. Eu indicaria que os jornalistas brasileiros sofreram, ao longo das últimas décadas, uma reestruturação nas suas estratégias e posições, decorrentes das mudanças políticas, econômicas e tecnológicas que ocorreram na sociedade. Conseqüentemente, mudou o perfil dos jornalistas, se compararmos os que ocupam hoje as posições estratégicas e de maior poder e prestígio na mídia com aqueles que ocupavam essas posições até os anos 70. O jornalista pode ser visto hoje como profissional e pragmático, por oposição ao passado, quando era romântico, boêmio e tinha um maior envolvimento político e ideológico, tinha uma missão.

Nas pesquisas que você realiza uma das variáveis é a geração dos jornalistas. Você poderia e traçar os elementos básicos dos jornalistas nascidos nos anos 20, nos anos 30, 40, 50 e assim por diante?

A. A. A. ? Na pesquisa realizada fica claro que a geração de jornalistas nascida nos anos 50/60 é a que ocupa hoje as posições de maior poder e prestígio nas redações, é a que tem os cargos de direção. Essa geração iniciou a vida profissional durante o regime militar. Seu aprendizado profissional foi feito sob censura dos meios de comunicação. A geração nascida nos anos 30 é hoje constituída de colunistas de prestígio, mas não detém nenhum cargo ou posição de direção nas redações. Muitos jornalistas dessa geração ocuparam esses cargos até os anos 70, quando de fato se deu a substituição de gerações nas empresas. A geração mais velha iniciou a vida profissional quando o país vivia em pleno regime democrático, quando havia liberdade de imprensa. Um outro aspecto que deve ser ressaltado é que até os anos 60, quando a indústria de massa era incipiente, a imprensa podia ser considerada como partidária, embora os jornais não fossem sustentados pelos partidos, mas refletiam interesses ideológicos dos partidos políticos. Era uma imprensa que tinha uma concepção missionária de sua atividade, basta lembrar dos anos 50: O Globo era o jornal que defendia idéias e posições liberais da União Democrática Nacional (UDN); a Última Hora era partidária e defensora das posições do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB). Os jornais gravitavam em torno da personalidade do dono ou do chefe da redação. Isso porque os jornais eram partidários. Hoje isso não é mais possível. Uma outra questão que estamos interessados em estudar é o jornalismo investigativo e o denuncismo na imprensa atual.Verificar como a imprensa está contribuindo ou não para a transparência das decisões políticas e para a consolidação da democracia.

Essa mudança do perfil romântico para o perfil pragmático coincidiu com substituição de gerações no comando das redações. Muitos afirmam que isso se deu a partir de 1979, com a greve dos jornalistas em São Paulo e, logo em seguida, com a criação da Associação Nacional dos Jornais (ANJ). Suas pesquisas corroboram essa visão?

A. A. A. ? É possível que a greve de 1979 tenha dado maior visibilidade às mudanças que vinham ocorrendo ao longo da década. A profissionalização nos anos 70 foi um caminho para assegurar aos jornalistas alguma autonomia frente às empresas para as quais trabalhavam. A profissionalização ocorreu no momento em que se deu a ampliação das demandas do mercado, com o crescimento dos meios de comunicação de massa e a implantação da grande indústria cultural. Apareceram então as lógicas da diferenciação social, quando se organizou o espaço do trabalho e se limitou a concorrência com a exigência do diploma universitário de jornalismo, exigência de tempo integral dedicado ao jornalismo, regulamentação da profissão. A profissionalização pode ser pensada também como um recurso para a atuação autônoma do jornalista diante da repressão e da censura. Uma forma de o jornalista obter o reconhecimento social através da especialização. A criação da ANJ pode ter sido uma estratégia dos empresários, entre outras, para controlar essa autonomia que os jornalistas vinham adquirindo.

Nesse caso, tivemos uma mudança no perfil da mídia que coincidiu com o final da transição. As dificuldades na consolidação democrática hoje teriam neste “desengajamento” de jornais e jornalistas um elemento de alguma importância? Como você vê esta questão?

A. A. A. ? Vou tentar responder: nossa pesquisa identificou algumas orientações do jornalismo praticado hoje no Brasil, ou seja, um jornalismo apartidário, despolitizado e pluralista. Os jornalistas ontem eram engajados politicamente, tinham uma ação dentro de partidos ou movimentos políticos. Hoje são profissionais, são especialistas que valorizam o jornalismo de investigação ou o denuncismo. A denúncia e os escândalos fazem vender jornais e revistas e subir a audiência da televisão e do rádio. Isso dá lucro e prestígio aos jornalistas. Esse tipo de jornalismo deve ser analisado com cautela: ele mostra o desfuncionamento da democracia e indica as mudanças que afetaram o universo político. Houve um aumento do custo das atividades políticas e o desenvolvimento de novas técnicas (sondagens, marketing, comunicação). A luta política adquiriu formas midiáticas, que encontram grande repercussão junto ao eleitorado e ao público leitor e televisivo, daí o seu sucesso. Enfim, é um assunto para uma longa discussão.

    
                         

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